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Na modernidade, o conceito de representação política está associado ao consentimento da população. Por essa lógica, o representante do povo seria o agente autorizado a agir em seu nome e a defender seus interesses. A pesquisadora Debora Cristina Rezende de Almeida sugere a ampliação dessa ideia ao analisar os novos significados adquiridos pela representação política na tese Repensando representação política e legitimidade democrática: entre a unidade e a pluralidade, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG. Segundo Debora Rezende, o conceito de representação cristalizado na teoria política é muito simplista. “Fiz a revisão porque percebi que os critérios de legitimidade da representação não devem estar exclusivamente associados ao consentimento. A análise da representação e de seus significados ao longo da história mostra uma pluralidade de formas que não se conformam ao modelo do governo representativo”, explica. A necessidade de ampliar essa definição está relacionada com a constatação empírica de uma série de atores e grupos da sociedade civil que se colocam como porta-vozes de outros sem serem autorizados. Embora não seja possível controlar sistematicamente as eleições, a tese procurou analisar se é possível estabelecer critérios para qualificar tal representação como democrática. Para a pesquisadora, o entendimento da importância do processo de representação da sociedade precisa passar pela compreensão de três fatores. “Quem representa o povo, o que é representado e como se dá essa representação. O ‘quem’ faz referência ao representante eleito, mas também aos indivíduos que se apresentam em defesa de outros por compartilharem as mesmas características ou porque se identificam com uma causa comum. O ‘que’ está ligado não apenas aos interesses e vontades expressas no momento do voto e o ‘como’ faz referência à democracia eleitoral e a outros meios de alcançar a prestação de contas e a responsividade", detalha a cientista política. Participação direta Embora o momento eleitoral ainda seja muito importante, os novos modelos de representação permitem o contato permanente entre governo e sociedade durante todo o mandato. A sociedade passa a questionar e a exigir que os governos atendam suas demandas. Desse modo, a partir da década de 1980, a representação no país muda tanto do ponto de vista das instituições tradicionais – democratização dos partidos e competição eleitoral – quanto em relação a seus agentes – incluindo a sociedade e suas manifestações. “O Estado continua como indutor da participação nesses novos canais, por meio de instrumentos como orçamentos participativos, conselhos e audiências públicas. Mas a sociedade passa a ter papel relevante na formatação desses espaços. As novas experiências colocam o Estado e a sociedade partilhando o poder decisório de forma inédita e em áreas que, historicamente, ficavam restritas à tutela do governo”, diz Debora Rezende. A aproximação entre os agentes políticos e a sociedade permite que as políticas públicas levem em conta a pluralidade de interesses e opiniões. Para constatar a importância da representatividade, Debora destaca que as condições sociopolíticas e a correlação de forças entre Estado e sociedade dentro destes espaços são algumas das variáveis que interferem na efetividade da representação política. Novas variáveis Foram usados dados qualitativos e quantitativos de outras pesquisas empíricas, além de entrevistas com conselheiros de saúde e participantes de comitês de bacia hidrográfica e análises de documentos como atas de reuniões, leis e regimentos. “A tese apresenta uma contribuição no sentido de somar esforços para a compreensão desse novo fenômeno da representação fora da esfera eleitoral. Esse é um campo ainda em desenvolvimento e sobre o qual não há consenso. Os atores sociais que participam de instituições como os orçamentos participativos, por exemplo, passam a ganhar reconhecimento legal e têm a oportunidade de influenciar diretamente no processo decisório. A experiência brasileira põe novas variáveis para análise da representação, que precisam ser consideradas pela teoria política”, conclui a pesquisadora. (Luana Macieira)
A Constituição de 1988 trouxe mudanças ao criar mecanismos de participação direta, juntamente com canais de deliberação das políticas públicas que envolvem atores do Estado e da sociedade. Se antes a sociedade civil participava da vida política apenas por meio de canais abertos, mas sob frequente regulação do governo, a Constituição trouxe autonomia para o povo.
“A conexão entre Estado e sociedade pode ajudar na produção de políticas públicas que incorporem diferentes pontos de vista. Isso é um avanço em relação à forma de fazer política no Brasil, antes confinada aos gabinetes do governo e longe do povo. Além disso, quando se abre para uma parceria dialógica, pode-se ganhar no apoio para a sustentação das políticas”, diz.
Como o fenômeno da representação política fora da esfera eleitoral ainda é recente, o objetivo inicial do estudo era superar a lacuna entre o fenômeno empírico da representação da sociedade e a falta de modelos teóricos e metodológicos para analisá-lo. A metodologia da pesquisa foi baseada na revisão de estudos anteriores sobre representação política.
Tese: Repensando representação política e legitimidade democrática: entre a unidade e a pluralidade.
Autora: Debora Cristina Rezende de Almeida
Defesa: 5 de dezembro de 2011, junto ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG
Orientador: Leonardo Avritzer
Tese disponível aqui.