Este é o cenário que Luciana Maria Costa Cordeiro (na foto de Ewerton Martins), pesquisadora da Unimontes, delineia em tese recém-defendida no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. O trabalho é resultado do programa de Doutorado Interinstitucional em Economia, firmado entre UFMG e Unimontes. Por meio de ampla pesquisa empírica, que investigou o processo evolutivo de atividades microfinanceiras entre 2001 e 2010, o estudo de Luciana aborda a relevância do setor microfinanceiro para o desenvolvimento econômico de regiões mais pobres e para a amenização das desigualdades sociais e econômicas. O trabalho se concentrou em analisar os serviços oferecidos – ou não oferecidos – pelo setor financeiro à parcela de menor renda da população, relacionando-os com indicadores de pobreza e exclusão social e econômica. Para tanto, dividiu o perfil da oferta de serviços microfinanceiros em três níveis: mundial – com destaque para os sistemas de microcrédito existentes no Sul da África, Europa Oriental, Europa Central, Oriente Médio e Sul da Ásia, regiões que foram comparadas ao perfil apresentado pela região da América Latina e Caribe; nacional; e regional – com investigação da realidade mineira a partir das mesorregiões do Estado, em especial no que diz respeito às áreas mais pobres, como o Vale do Jequitinhonha e o Norte de Minas. “As microfinanças têm surgido em várias partes do mundo como importante instrumento de inclusão financeira e social, cuja oferta de microcréditos a pequenos produtores desponta como seu serviço mais relevante e difundido mundialmente”, explica a pesquisadora. “No entanto, no Brasil, esse cenário não se repete.” No que diz respeito ao seu desenvolvimento no âmbito regional, a pesquisa se valeu de uma base de dados do Banco Central, na qual se pôde constatar a distribuição da oferta de microcrédito pelo estado de Minas Gerais. Segundo a autora, o estudo desses dados demonstrou que a oferta de microfinanças reproduz a exclusão atualmente em curso no sistema financeiro tradicional, porque ela não é realizada nas regiões mais pobres, onde mais se precisa, mas sim nos grandes centros urbanos, como a Região Metropolitana de Belo Horizonte. “É uma tendência natural, pois, para os operadores financeiros, é mais funcional e prático operar em um mercado já consolidado, naturalmente bom pagador – e que gera, em tese, menor risco", salienta a pesquisadora. Segundo Luciana Cordeiro, para que as microfinanças possam de fato colaborar para uma mudança do cenário, propiciando real ascensão econômica da população mais pobre, elas precisam ser ofertadas nas regiões menos desenvolvidas. "Meu estudo aponta que as microfinanças se fazem mais efetivas quando alocadas em regiões econômica e financeiramente mais carentes”, ressalta. Outro aspecto percebido foi o de que os produtos do modelo de sistema microfinanceiro brasileiro estão formatados sob os mesmos moldes dos produtos de crédito tradicionais, fator que também contribui para que não sejam efetivos na redução da desigualdade. Na opinião de Luciana, seria preciso investir no desenvolvimento de novos produtos, "diferenciados e plurais, criados especificamente para este fim, de acordo com as particularidades do público mais pobre – como é o caso do microcrédito. Não nos moldes preexistentes, mas sim customizados a partir das reais necessidades apresentadas no cenário”, defende. A pesquisa se deu a partir da premissa de que o sistema microfinanceiro pode ser um instrumento impulsionador do desenvolvimento social, que se daria por meio da multiplicação da renda da população e do fomento às atividades produtivas. “O desenvolvimento do sistema microfinanceiro, por meio da atuação das Instituições Microfinanceiras (IMFs), poderia colaborar em muito para o desenvolvimento econômico regional brasileiro. E cabe ao setor financeiro esse importante papel de inclusão social e econômica”, enfatiza. Luciana Cordeiro explica que o direito à participação econômica e social é algo que transcende – ou ao menos deveria transcender – a questão das classes econômicas. "Pensar no pobre como alguém que tem direito a emprego e renda é dar-lhe o direito de participar, de fato, da sociedade. E o sistema financeiro tem grande relevância nesse processo, pois ter acesso a ele é o primeiro passo para se ascender social e economicamente”, opina. Solução passa pela regulamentação das IMFs Para Luciana Cordeiro, a regulamentação dessas IMFs impactaria positivamente na capacidade do setor de colaborar para a redução da desigualdade, ao mudar o atual cenário de concentração das atividades microfinanceiras nas localidades com melhores indicadores econômicos e sociais. “Nas IMFs não regulamentadas, a inadimplência é maior, e o custo por empréstimo é praticamente o dobro do custo das regulamentadas. Já a produtividade e o atendimento a parcelas minoritárias, como as mulheres, é bem menor nas não regulamentadas”, detalha. “A mudança deste cenário poderia colaborar em muito para o desenvolvimento do setor.” Luciana Cordeiro explica que o amparo regulamentar passa necessariamente por novas políticas públicas e privadas, com o intuito de fomentar a criação de um sistema de crédito microfinanceiro diferenciado do que está em desenvolvimento no Brasil. “Só assim o setor poderá voltar seu foco para as regiões de maior pobreza, deixando de reproduzir as mesmas assimetrias típicas do setor tradicional, que tanto contribuem para a atual exclusão financeira e social das camadas menos abastadas”, diz. A pesquisadora diz estar convencida de que oferecer a essa parcela da população acesso ao sistema de crédito é uma forma favorável de propiciar a inclusão. "E o investimento no microcrédito é de fundamental relevância nesse cenário”, conclui. Tese: As microfinanças como instrumento de inclusão financeira: uma análise com base no desempenho das atividades no Brasil (Ewerton Martins Ribeiro)
Atualmente, a oferta de microcrédito e de outros produtos do sistema microfinanceiro brasileiro não colabora para a redução da exclusão social e financeira das pessoas mais pobres. Ao contrário, o modelo reproduz os mesmos comportamentos de exclusão praticados pelo sistema de crédito tradicional, que mantêm essa parcela da população à margem do sistema financeiro.
Na análise comparativa entre as mesorregiões de Minas Gerais, a tese indica que há uma demanda real por crédito nas áreas mais pobres, mas que a oferta atual não é adequada e não está localizada de forma a supri-la. Com relação ao perfil das empresas atuantes no setor, o estudo mostra que 65% das instituições microfinanceiras do país não são regulamentadas.
Autora: Luciana Maria Costa Cordeiro
Orientador: Marco Aurélio Crocco Afonso (Cedeplar)
Co-orientadora: Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira (Cedeplar)
Defesa: 19 de dezembro