Uma série de críticas tem alcançado pensadores como Hannah Arendt e Claude Lefort, responsáveis, na segunda metade do século 20, pela retomada do debate em torno do republicanismo, aproveitando o movimento de renovação da filosofia política, que superava a tensão entre marxismo e liberalismo. Segundo seus opositores, a concepção de liberdade política desses e de outros autores não é adequada às sociedades modernas, que privilegiam de forma inédita os interesses privados e os direitos dos indivíduos, além de não considerar a preponderância da questão econômica no mundo contemporâneo. Para um grupo de pesquisadores da UFMG e da USP, com colaboração antiga e intensa, essas críticas demonstram compreensão limitada da tradição republicana. Eles decidiram oferecer uma contribuição ao debate, materializada no livro Matrizes republicanas, publicada pela Editora UFMG. “Pretendemos apresentar a tradição republicana por meio de sua história, mostrar como ela foi construída a partir de matrizes. Mapeamos os aspectos da tradição a partir dos quais historiadores e pensadores republicanos conversam”, explica o professor do Departamento de Filosofia da UFMG Newton Bignotto, organizador da obra. Além do próprio Bignotto, que escreveu sobre a matriz francesa, o livro tem participação dos professores Heloisa Starling e Helton Adverse, da UFMG, Sergio Cardoso e Alberto Barros, da USP. Por meio da apresentação das matrizes romana, italiana (do Renascimento), inglesa, francesa e americana, os pesquisadores resgatam aspectos como liberdade associada à política, concepção de cidadania ativa (que envolve participação e não apenas direitos) e o conceito de virtude política, segundo o qual o cidadão agiria segundo o interesse público. “É importante voltar a momentos históricos que geraram o que chamamos maciços conceituais, que têm identidade própria e ao mesmo tempo dialogam com o passado”, comenta Newton Bignotto, doutor em Filosofia pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, de Paris. Identidade O Renascimento italiano retomou, adaptadas à nascente sociedade mercantil, discussões sobre temas da Antiguidade que estavam esquecidos, como liberdade política, bem comum e participação dos cidadãos nos negócios da cidade. Helton Adverse, professor da Fafich, mostra como as ideias de Maquiavel se aliam às da matriz romana para criar um pensamento político republicano inovador. Os capítulos seguintes relacionam a construção do republicanismo às revoluções fundamentais localizadas na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. No século 17, os ingleses resolveram seus conflitos não com o regime republicano, mas com a monarquia constitucional, que manteve o rei, mas condicionou sua atuação ao poder da lei. O texto do professor Alberto Barros revela como pensadores como Milton e Harrington contribuíram nessa direção. Newton Bignotto, por sua vez, mostra que a Revolução Francesa não tinha a república como reivindicação central nos seus primeiros anos, embora no século 17, desde Montesquieu, houvesse lugar no debate para ideias republicanas, que ganhariam expressão conceitual rigorosa com Rousseau. “Ele consagrou a ascendência da lei sobre o interesse comum, e não sobre a vida do indivíduo”, ele diz. Embora impregnado pelo ideário liberal, o processo da independência americana também pôs em cena valores tradicionais do republicanismo, fazendo da Constituição o núcleo da revolução, “instrumento de concentração de direitos e de liberdades”, como diz Bignotto. No capítulo que assina, a professora Heloisa Starling, do Departamento de História da UFMG, mostra como a matriz americana encontrou na estrutura de federação e na lógica da representação a solução para aplicar o republicanismo em grandes territórios. Livro: Matrizes do republicanismo
A abordagem feita pelo professor Sergio Cardoso da matriz romana – que poderia também ser tratada como greco-romana – valoriza a ênfase de Cícero na ideia da res publica (coisa pública) e do interesse comum em primeiro lugar. Ali, escreve Bignotto na apresentação do livro, “o republicanismo forjou sua identidade e se apropriou de um vocabulário que vinha sendo criado pelos gregos pelo menos desde Aristóteles”.
Organizado por Newton Bignotto
Editora UFMG
316 páginas / R$ 58