Foca Lisboa/UFMG |
Uma denúncia contundente das dificuldades enfrentadas pelas famílias dos portadores de doenças raras é o resultado da primeira dissertação defendida no mestrado profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, pela farmacêutica Renata de Macedo Moura (leia na página ao final desta postagem). O trabalho representa na justa medida o espírito e os objetivos do mestrado, criado em 2010 como desdobramento das atividades do Núcleo Promoção de Saúde e Paz, sediado na Faculdade de Medicina da UFMG. O curso reúne profissionais em atuação em instituições e serviços de atendimento à população nas áreas da saúde, educação e justiça, entre diversas outras. “Disseminamos procedimentos ancorados na metodologia científica entre profissionais que devem se apropriar desse conhecimento e aplicá-lo diretamente no local de atuação, produzindo, ao mesmo tempo, mais conhecimento”, explica a professora Elza Machado de Melo, coordenadora do Núcleo, criadora e coordenadora do curso. “O conhecimento nasce da prática e a ilumina”, completa Elza de Melo, lembrando que as pesquisas são geralmente desenvolvidas no próprio ambiente, o que torna mais produtiva e eficiente a aplicação do que se aprende no curso. O mestrado recebe 30 alunos por ano – são sempre 60 em atividade, entre as disciplinas iniciais e o desenvolvimento da etapa final do trabalho. Metade das 300 horas-aula do curso é dedicada a disciplinas obrigatórias vinculadas à metodologia científica. Parte das matérias optativas (que na prática todos acabam fazendo) é cumprida em grupos formados de acordo com a identidade entre os projetos propostos pelos alunos. “O trabalho feito nessas disciplinas fornece, por exemplo, aos municípios acervo inédito de informações sobre violência. Isso é muito importante na medida em que os dados no Brasil ainda são de baixa qualidade. A coleta é precária e praticamente inexiste interação de bancos de dados das diferentes cidades”, ressalta Elza Machado de Melo. As disciplinas optativas de fato contemplam temas como trabalho, ambiente, ética e bioética e políticas públicas, reforçando a formação dos alunos de acordo com seus interesses específicos. Todas as disciplinas são ministradas em parceria com outros programas de pós-graduação da UFMG, e o corpo docente tem origem em cursos como Medicina, Fonoaudiologia, Enfermagem, Odontologia, Psicologia, Estatística e Educação, além de profissionais sem vínculo com a UFMG. Não há turmas fechadas para instituições determinadas. Os alunos são selecionados por meio de editais que preveem a redação de uma carta de intenções e de projeto de pesquisa e a realização de prova com perguntas abertas. Intervenções Um dos trabalhos desenvolvidos no mestrado profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência analisa o banco de dados sobre benefícios do Bolsa Família na cidade de Betim e terá como produto uma proposta de reconstrução do banco, incluindo coleta de dados, disposição das informações e diálogo com outros sistemas. Dois alunos angolanos já desenvolvem em seu país programa de agentes comunitários de saúde, inspirado na experiência brasileira. “Um projeto de intervenção como esse pode ser aceito como trabalho de conclusão de curso”, afirma Elza Machado de Melo, ressalvando que sempre se tem em mente um plano B, considerando a possibilidade de o mestrando não encontrar respaldo institucional para aplicação efetiva de sua pesquisa. Como estratégia para vencer possíveis resistências, a coordenação do curso firma acordos com as instituições e convida seus representantes a conhecer e contribuir com as pesquisas. “Há sempre pessoas envolvidas além dos mestrandos. Eles se preparam por meio desse convívio, e os profissionais-estudantes estarão menos impotentes e vulneráveis à aridez do sistema”, justifica Elza Machado, que é médica sanitarista com doutorado em medicina preventiva e social pela USP. Contra a violência, respeito e autonomia A promoção da cultura da paz deve se basear em princípios como o de que a violência é uma questão de saúde pública e o de que é preciso atuar antes que ela aconteça. É essa a convicção que move o Núcleo Promoção de Saúde e Paz, criado em 2005 para pesquisar, intervir em comunidades e integrar e articular redes diversas dedicadas a uma abordagem da violência que privilegia a produção compartilhada de saberes teóricos e práticos. Vinculado ao Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina, o Núcleo teve origem na experiência de professores e alunos no Internato Rural. Um dos projetos mais emblemáticos e duradouros é o Frutos do Morro, desenvolvido na comunidade do Morro das Pedras, em Belo Horizonte. “Trabalhamos as relações políticas, sociais e culturais, estimulando o diálogo para prevenir a violência”, afirma a professora Elza Machado de Melo, coordenadora do Núcleo. Professores e alunos bolsistas realizam atividades semanais que envolvem seis escolas da comunidade. Às oficinas de saúde, sociabilidade, jiu-jítsu, capoeira, dança e música, somam-se rodas de conversa cujo intuito é proporcionar aos adolescentes a oportunidade de expressar opiniões. “Lançamos mão de recursos físicos, artísticos e lúdicos na busca de maior integração dos adolescentes e deles com os estudantes de Medicina”, explica Elza Machado, que destaca o papel de liderança do Núcleo na composição da Rede Saúde e Paz e o apoio da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) e do Ministério da Saúde a iniciativas como capacitação de recursos humanos. Pesquisas em curso têm como focos, entre outros, a identificação dos maiores riscos para a saúde dos jovens e o entendimento da concepção do homem acerca do cuidado de si mesmo (sua relação com a violência, os pares e os filhos, por exemplo). “Tanto o homem como a mulher são vítimas do individualismo e da massificação. Vemos na raiz da violência a perda das relações saudáveis e éticas, e adotamos a meta de valorizar a autonomia dos sujeitos pela via da participação e da interação. Atuamos no Morro das Pedras há mais de dez anos e não registramos nenhum caso de agressão”, revela Elza Machado. Portadores de doenças raras: itinerário de obstáculos A primeira dissertação do mestrado profissional na área de Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, produto de pesquisa de Renata de Macedo Moura, oferece um retrato da trajetória das famílias de portadores de doenças raras na busca por diagnóstico e tratamento pelo sistema público de saúde e das experiências e estratégias utilizadas cotidianamente por essas famílias para superar as dificuldades. Estima-se a existência de até oito mil doenças raras, a maior parte delas de origem genética, crônico-degenerativas, debilitantes e de alta complexidade. Junto com as negligenciadas (que prevalecem em países pobres), elas compõem o grupo das doenças órfãs, ignoradas pela indústria farmacêutica. As doenças raras, segundo a autora do trabalho, têm “alto custo humano e social, em função da falta de esperança terapêutica e de suporte na vida cotidiana”. “A exclusão dessas pessoas começa pelo preconceito e se estende à falta de políticas públicas capazes de atender às suas peculiaridades. O isolamento social perpetua e institucionaliza a violência estrutural, que inclui discriminação e opressão, passa a ser considerada natural e não costuma ser contestada”, afirma Renata. Debate emergente “Como são minoria, essas pessoas têm necessidades particulares e demandam políticas específicas. A abordagem deve ser mais abrangente, incluindo prevenção, educação, medidas precoces, defesa de direitos e investimento em aspectos como aconselhamento genético e triagem neonatal”, defende Renata Moura, farmacêutica do Hospital Infantil João Paulo II, onde realizou parte da pesquisa. A abordagem do estudo foi qualitativa, com entrevistas que seguiram a técnica História de Vida, permitindo que os entrevistados conduzissem as conversas. “Os problemas no atendimento aos portadores de doenças raras no Brasil foram discutidos sob o olhar dos pacientes e familiares que relataram seu dia a dia”, explica a autora. Renata Moura informa que existem no Brasil iniciativas isoladas que buscam atender pessoas com doenças raras, sobretudo as genéticas, mas falta planejamento que permita integração e acesso mais fácil. “Os sistemas sociais e de saúde nem sempre são capazes de fornecer respostas satisfatórias”, afirma a autora. “Meu estudo pretende contribuir ao mostrar o impacto das doenças raras sobre a família e a sociedade, o que seria determinante para a implementação de políticas de atenção integral – que inclui, por exemplo, acesso a medicamentos e fórmulas nutricionais em prazo curto e criação de centros de referência com equipes multidisciplinares. Dissertação: Itinerário diagnóstico e terapêutico das famílias e dos pacientes com doenças órfãs (Itamar Rigueira Jr. / Boletim UFMG, edição 1812)
As pesquisas desenvolvidas no curso se transformam em intervenções que visam à humanização do atendimento em hospitais, à otimização da rede de atendimento à mulher vítima de violência sexual ou mesmo à melhoria de sistemas de notificação de casos que envolvem violência.
De acordo com a pesquisadora, o debate sobre as doenças raras é emergente em todo o mundo. Problemas comuns à maioria dos países são a necessidade de mais recursos para pesquisa de tratamentos e medicamentos, falta de formação profissional especializada, pouco acesso a informações e ausência de atendimento integral aos pacientes.
De Renata de Macedo Moura
Orientadora: Eugênia Ribeiro Valadares
Co-orientador: Tarcisio Magalhães Pinheiro
Programa de Pós-graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência (mestrado profissional)
Defesa em 1º de março de 2013