Universidade Federal de Minas Gerais

Isabella Lucas/UFMG
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Ana Lúcia: trote constrói hierarquia entre o aluno mais velho e o novato

'O trote é uma prática arbitrária que foi naturalizada', analisa antropóloga da Fafich

segunda-feira, 1 de abril de 2013, às 5h54

“O trote é uma forma de integração ao mundo da universidade que o calouro aceita sem reclamar – e ainda achando bom.” É assim que a antropóloga e professora da Fafich Ana Lúcia Modesto interpreta as atividades de subordinação dos novos alunos em relação aos veteranos que acontecem ao início de cada semestre letivo.

Para ela, os calouros se submetem à prática para não serem vistos como “chatos” pelos demais, o que significaria isolamento no ambiente universitário. Nesse sentido, o trote é um rito de passagem similar aos realizados em grupos militares, entre presidiários ou por instituições religiosas.

Em entrevista publicada na edição desta semana do Boletim UFMG, Ana Lúcia aborda a hierarquização na academia, os aspectos simbólicos de atividades promovidas entre calouros e veteranos e a tênue fronteira entre o lúdico e o humilhante.

Qual a função do trote como elemento da cultura ­universitária e por que a prática se perpetua ano após ano?

O trote tem origens antigas, dos tempos em que a universidade era bem mais tradicional, e reproduz a hierarquia existente entre professores e alunos – que, no passado, era extremamente rígida. Em nosso contexto social, a entrada na faculdade é um passo extremamente importante para o jovem, quando ele aprende uma profissão, conquista mais liberdade, deixa, muitas vezes, de morar com os pais, e experimenta maior autonomia do que aquela que tinha em relação à escola.

A hierarquia existente dentro da universidade é sentida e reproduzida pelos estudantes quando entra um aluno novo, que não tem conhecimento sobre “o mundo daqui”, espécie de universo à parte. Muitos campi são, inclusive, fisicamente isolados, funcionando como cidades do interior, com pessoas que vivem lá dentro.

Portanto, essa é uma separação entre o tipo de vida que o indivíduo levava até aquele momento e o “depois”: o aluno sofrerá para aprender a se localizar dentro do campus, fazer amizades e compreender o funcionamento daquela instituição.

O trote seria um sintoma de relações distorcidas de poder?
No trote, os veteranos reforçam a hierarquia universitária construindo mais uma, entre o aluno mais novo, que ainda “não sabe das coisas”, e o mais velho. Muitas vezes o veterano se aproveita da ignorância dos mais novos.

Já houve tempos, na Fafich, em que um veterano entrava em sala de aula, dizia que era professor e começava a falar besteiras lá dentro. Os estudantes ficavam assustados até descobrirem que era simplesmente um aluno e que o que ele tinha dito era loucura pura – aí o veterano ria e os chamava de “calouros burros”.

Há outras práticas comuns, como cortar o cabelo de quem está entrando. Esse costume vem do fato de que, pelo menos no passado, quando uma pessoa dava entrada em um hospital psiquiátrico, seu cabelo era raspado para evitar contágio por piolhos. Na universidade, a prática marca fisicamente os alunos como calouros, reforçando seu papel de ignorantes.

Frequentemente, quando questionados, os próprios calouros dizem que não passam de “brincadeiras” muitas atividades ­consideradas degradantes por quem está de fora. Como definir onde termina a brincadeira e onde começa a humilhação?

Essa é uma divisão interessante. No próprio carnaval, que é uma “brincadeira”, o que passa a ser violência é discutível. Em séculos passados, considerava-se brincadeira durante determinada época do ano promover corridas nas ruas com judeus, deficientes físicos, anões, loucos, o que era uma forma de submetê-los a um vexame público. Para os que estavam assistindo, aquilo era só brincadeira, o que é uma categorização perigosa. No trote, criou-se um discurso político do tipo: “Isso é só de brincadeira”.

Porém, não deixa de ser uma forma de envergonhar o outro, atingindo sua integridade física e psicológica. Mesmo que digam que é apenas diversão, os calouros sentem vergonha quando saem do espaço universitário manchados, rasgados, com o cabelo pintado. Se é uma “brincadeira”, ela se estabelece do mais forte em relação ao mais fraco, em vez de permitir que os dois lados se divirtam igualmente.

Visto sob essa perspectiva, o trote é uma violência simbólica, pois consiste em agressão imposta à integridade do outro – consentida ou não. É a maneira pela qual o indivíduo vai perceber que ainda é um ser marginal dentro da universidade, habitando um lugar entre “o mundo de fora” e “o mundo de dentro”.

Durante muitos anos, as mulheres sofreram violência dos homens, e isso foi considerado normal. Também era tido como normal o fato de os escravos sofrerem violência de seus donos. O trote também é uma prática arbitrária, historicamente construída, mas que foi naturalizada.

Por um lado, trata-se de uma submissão consentida pelos ­calouros e arraigada no meio universitário. Por outro, ocorrem agressões físicas e manifestações discriminatórias – casos de racismo, homofobia, violência contra a mulher. De que maneira e em que momento a universidade deveria intervir no trote?

Em primeiro lugar, deve ser proibida qualquer atividade de discriminação entre alunos – o que, hoje, sequer deveria mais ter sentido dentro do ambiente universitário, pelas próprias questões que discutimos em sala de aula. A violência deve ser abolida, principalmente no que diz respeito ao aluno que está entrando, pois a imagem que ele guardará para o resto da vida é de que há uma forte hierarquia.

(Gabriella Praça/Boletim 1814)

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