Universidade Federal de Minas Gerais

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Conceição Evaristo: "grupos são 'minorizados' pelo poder hegemônico"

Colóquio discute exclusão da mulher escritora

quinta-feira, 18 de abril de 2013, às 5h59

No Brasil, as mulheres são maioria. Na literatura brasileira, no entanto, a sua representatividade autoral nem de longe faz jus ao tamanho da parcela que representam da população. E isso se dá em função de um contexto social fruto de uma longa história de opressão, impedimento e preconceito. Esse é o mote do V Colóquio Mulheres em Letras - escritura, valores, sentidos, que acontece de hoje (quinta, 18) a sábado, 20, na Faculdade de Letras (Fale).

O evento presta homenagem à escritora Lygia Fagundes Telles, que completa 90 anos em 2013 – e cuja projeção, por excepcional, ilustra bem esse impedimento e exclusão vividos pela mulher quando o assunto é autoria em literatura. Há poucos dias, o jornal Estado de Minas se propôs um levantamento sobre a literatura brasileira e seu cânone. O resultado apontou os cinco "melhores escritores brasileiros vivos" – dentre eles, Lygia foi a única representante do gênero feminino.

O levantamento ainda listou os cinco "melhores escritores brasileiros de todos os tempos". Também essa lista contém apenas uma mulher: Clarice Lispector. Já entre os cinco "melhores livros da literatura brasileira, ficção e poesia", a situação se mostrou ainda mais discrepante: todos são de autoria masculina.

Constância Lima Duarte, professora da Faculdade de Letras (Fale), doutora em Literatura Brasileira e coordenadora do Grupo de Pesquisa Letras de Minas, que realiza o colóquio, explica que o cenário reflete a perspectiva masculina que, ao longo da história, sempre pautou a sociedade brasileira. “As mulheres demoraram a ter acesso à escola e, consequentemente, a serem alfabetizadas. A lei que autoriza a abertura das escolas brasileiras para as meninas, por exemplo, é só de 1827 [Primeira Lei Geral de educação no Brasil, de 15 de outubro de 1827]. No entanto, já temos literatura brasileira dos séculos 16, 17, 18”, contextualiza.

Constância lembra que, no passado, enquanto os rapazes iam a Paris, Coimbra e Lisboa para fazer cursos superiores, as mulheres eram mantidas em casa, analfabetas – ou, em raras exceções, eram semialfabetizadas dentro de casa. “É só lá por 1830 que começam a aparecer os primeiros nomes femininos na literatura brasileira. Mas eram casos isolados, que sofriam muita opressão. Por isso, em grande parte das vezes, elas assinavam com reticências, abreviações, pseudônimos, e muitas vezes masculinos. Nesse sentido, é preciso refletir que publicar é ‘tornar público’. E o espaço da mulher era o espaço doméstico, o espaço privado. Como então ‘tornar público’?”, questiona.

Início da mudança. Mudança?
Constância menciona o nome de Nísia Floresta Brasileira Augusta – ou N.F.B.A., como ela se via obrigada a assinar. “Em 1832, Nísia escreve um livro interessantíssimo, chamado Direitos das mulheres e injustiça dos homens, em que faz tradução livre de uma grande feminista inglesa, Mary Wollstonecraft. Inspirada na obra, Nísia faz uma espécie de livro dos direitos da mulher brasileira. E quais seriam esses direitos? O direito de aprender a ler, o direito de ser considerada um ser dotado de inteligência.” A professora lembra que, em função dessa obra, Nísia é considerada por muitos a primeira feminista brasileira.

No entanto, Constância lembra que Nísia foi uma exceção – e que pertencia à elite. “As mulheres de outras classes só vão entrar na literatura no século 20, como no caso de Carolina Maria de Jesus, por exemplo. E que também é um caso à parte”, pondera.

A recuperação dessa trajetória histórica explica o atual quadro da literatura brasileira, em que ainda se mantém um cenário de injustiça social. Pesquisas desenvolvidas por Regina Dalcastagnè, professora da Universidade de Brasília, demonstram que os modelos sociais construídos e validados pela literatura brasileira contemporânea reportam uma ficção ainda bem pouco múltipla e proporcional à realidade nacional. E isso não só no que diz respeito às mulheres, mas a outros grupos desprivilegiados, como negros e homossexuais.

No livro Literatura brasileira contemporânea: um território contestado, a pesquisadora aponta que 72,7% dos romances publicados foram escritos por homens. A pesquisadora também chama atenção para a questão da etnia dos autores. Se a população branca representa menos da metade do montante da sociedade – conforme o Censo 2010, do IBGE –, na literatura, atesta a pesquisa de Dalcastagnè, o cenário é bem divergente: 93,9% dos escritores são brancos.

Exemplo
É sob essa perspectiva que a construção ficcional da escritora Conceição Evaristo – uma das três palestrantes do colóquio Mulheres em Letras – chama a atenção. Conceição, além de mulher, é negra, e trata, em sua literatura, preponderantemente de personagens negros femininos. “Ainda hoje, quando falamos de literatura brasileira, primeiramente são pronunciados os nomes de escritores, depois das escritoras. Creio que qualquer estudante médio tende a se lembrar com mais facilidade de autores que de autoras”, provoca Conceição.

A escritora reflete sobre o uso do conceito de “minoria” para se tratar de grupos marginalizados. “A literatura de autoria feminina só pode ser pensada como de uma minoria se lemos o termo pensando na existência de grupos que são ‘minorizados’ pelo poder hegemônico. Aí, sim, a literatura de mulheres representaria a voz de uma ‘minoria’ – que, na verdade, é a maioria”, diz Conceição. "E, como todo e qualquer pronunciamento meu é marcado não só pela questão de gênero, mas também pela questão étnica, afirmo que as escritoras negras experimentam um lugar ‘minoritário’, no qual enfrentam processos de exclusão que se aprofundam para além da condição de gênero.”

Nesse sentido, Conceição defende a importância do amplo debate das exclusões para que se alcance mais justiça social. “Entendo que uma pauta específica, como no colóquio desta semana, se faz necessária sempre que uma pauta geral negligencia a existência, o valor e o sentido das particularidades. Ler, estudar, divulgar o discurso literário produzido por mulheres – em diálogo com outras vertentes do conhecimento – propicia reflexões sobre uma universalidade humana marcada não só pela ótica masculina, mas que abarca, também, o pensamento das mulheres.”

Convidados
O V Colóquio Mulheres em Letras é realizado pelo Grupo de Pesquisa Letras de Minas, vinculado à Fale e ao CNPq. O evento terá conferência de Maria José Somerlate Barbosa, da Universidade de Iowa, EUA; palestras dos professores Carlos Magno Gomes, Maximiliano Torres e Suênio Campos de Lacerda, estudiosos da obra de Lygia Fagundes Telles; e a participação das escritoras Elizete Lisboa e Maria Natalina Jardim, além de Conceição Evaristo.

(Ewerton Martins Ribeiro)

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