Mais de uma década após a aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica, em 2001, o perfil dos pacientes atendidos nos hospitais psiquiátricos públicos de Belo Horizonte sofreu uma alteração significativa: pela primeira vez, esses hospitais passaram a registrar mais atendimentos e internações relacionados ao uso de álcool e outras drogas do que os referentes a transtornos psicóticos, como esquizofrenia e transtornos delirantes, que por muito tempo foram a maioria dos casos encaminhados a essas instituições. A proporção de atendimentos nos hospitais relativos à esquizofrenia, transtornos esquizotípicos ou delirantes caiu de 34,2%, em 2002, para 28,2%, em 2011. Por outro lado, os atendimentos de transtornos mentais e de comportamento relacionados ao uso de álcool e outras drogas subiram de 23,6% do total, no início do período analisado, para 28,7% em 2011. Os dados constam da dissertação de mestrado defendida no dia 22 de maio na Faculdade de Medicina da UFMG pela psiquiatra Vivian Andrade Araújo Coelho [na foto de Bruna Carvalho/ACS Medicina]. A autora do estudo analisou os atendimentos e internações entre 2002 e 2011 no Instituto Raul Soares e no Hospital Galba Veloso, os únicos hospitais psiquiátricos conveniados ao SUS em Belo Horizonte. Mais internações Apesar do total de atendimentos no período ter diminuído de 18.114 por ano, em 2002, logo após a aprovação da lei, para 12.618, em 2011, o número de internações nesses hospitais acabou subindo, com uma média de 83 internações a mais por ano. Além da maior procura por parte de dependentes químicos, que podem necessitar de um período de internação, outro motivo pode explicar essa aparente contradição. “Com a melhoria do atendimento na rede comunitária, provavelmente o hospital tem recebido os casos mais graves, que exigem internação”, sugere Vivian Coelho. Hospital fora do foco Esse processo levou à montagem de uma estrutura que pudesse atender esses pacientes, como os centros de Atenção Psicossocial (Caps) e de Referência em Saúde Mental (Cersams), serviços que incluem a saúde mental na atenção primária e tornam a internação indicada apenas quando se esgotarem os recursos extra-hospitalares. A hospitalização é criticada pelo movimento antimanicomial, que defende a ampliação da rede de apoio e tratamento dos pacientes na sociedade e a extinção dos hospitais psiquiátricos. (Assessoria de Comunicação Social da Faculdade de Medicina. Matéria publicada originalmente no site da Unidade)
Para Vivian Coelho, essa inversão pode ser um reflexo da estrutura dos sistemas de saúde comunitários para atender cada um desses tipos de casos. “Talvez os dependentes químicos estejam procurando esses hospitais pela escassez de serviços comunitários voltados para eles”, afirma Vivian. “Ao mesmo tempo, a estrutura dos serviços voltados para a saúde mental na comunidade provavelmente tem absorvido boa parte da clientela que antes se dirigia aos hospitais”.
A Reforma Psiquiátrica foi um movimento político e social complexo, iniciado na década de 1970, e que resultou na Lei Federal 10.216, de 2001, cujo objetivo era tirar do hospital o foco da assistência em saúde mental.