A malária ainda atinge meio bilhão de pessoas todos os anos em diversas partes do mundo. Sua maior incidência ocorre no continente africano, onde o Plasmodium falciparum, o protozoário causador da doença, é transmitido pelo mosquito Anopheles gambiae, cujo genoma foi sequenciado em 2002. Pesquisadores de 25 laboratórios brasileiros que integram a Rede Genoma Brasileiro finalizaram os trabalhos de sequenciamento do genoma do mosquito transmissor da doença na região amazônica, o Anopheles darlingi. Os resultados foram publicados este mês na revista Nucleic Acids Research. O Laboratório de Genética Molecular e Genômica de Tripanossomatídeos do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG teve participação direta no sequenciamento do genoma do mosquito. As atividades foram coordenadas pela professora Santuza Teixeira, do Departamento de Bioquímica e Imunologia, com a participação do também professor do ICB, Ricardo Gazzinelli. O genoma de um indivíduo consiste na sequência de bases que constituem o seu DNA, responsável por determinar suas características fenotípicas (físicas). A descrição de um genoma permite que os pesquisadores consigam prever quais características podem se manifestar no indivíduo estudado. O processo de sequenciamento genético é complexo e conta com três etapas. Inicialmente, o trabalho é focado na descoberta do tamanho do genoma. Esse processo determina algumas de suas características como o número de cromossomos que será seqüenciado. “Uma maneira de estimar o tamanho do genoma é por meio da coloração do DNA do indivíduo com uma substância fluorescente. Medindo a quantidade dessa fluorescência, conseguimos visualizar o tamanho do genoma que vamos estudar”, esclarece a professora Santuza. Depois desse processo, o DNA é purificado e fragmentado, uma vez que o sequenciamento não pode ser feito em uma única etapa. “Sequenciamos pedaços de DNA. Como a fragmentação é feita de forma aleatória, vários pedaços possuem sobreposição de sequências, o que nos permite ‘remontar’ o genoma por meio de programas que buscam essas sobreposições nas sequências geradas. A maior dificuldade é reagrupar esses fragmentos do cromossomo no final do processo. Num último momento, fazemos a anotação do genoma, ou seja, analisamos a seqüência e observamos o que cada gene em cada posição do DNA é capaz de fazer”, explica. Controle populacional “Depois de sequenciá-lo, há a possibilidade de manipular o genoma e fazer com que mosquitos estéreis sejam liberados no meio ambiente”, afirma. O sequenciamento do Anopheles darlingi permite, ainda, o desenvolvimento de inúmeras outras pesquisas envolvendo a manipulação do genoma do mosquito. Essas pesquisas podem ajudar na redução da transmissão da doença.na Amazônia. “Uma das possibilidades de pesquisa consiste na identificação dos genes que codificam as proteínas e que têm a função de fazer o mosquito identificar o cheiro do ser humano (receptores de odores) e ser atraído para picá-lo. A inibição dessa proteína anularia essa capacidade do mosquito”, explica. Pesquisa integrada “No caso do mosquito da malária, os estudos começaram em 2007, mas o trabalho só avançou mais rapidamente quando o laboratório de Bioinformática de Petrópolis adquiriu sequenciador de última geração que consegue fazer o sequenciamento com muito mais rapidez. A existência, dentro da Rede Genoma, de laboratórios com alta capacidade de sequenciamento e também de grupos da Amazônia e do exterior que tem grande conhecimento da biologia do Anopheles darlingi foi essencial para que pudéssemos concluir o trabalho”, diz. Os resultados do sequenciamento do mosquito transmissor da malária estão disponíveis na internet para pesquisadores do mundo inteiro, que poderão usá-los como base para novos estudos. “Agora qualquer pessoa que quiser estudar esse mosquito poderá acessar o genoma completo na internet. Esse sequenciamento é só o começo para novas pesquisas, que poderão culminar no desenvolvimento de novas formas de controle da transmissão da malária ”, conclui Santuza. (Luana Macieira) Artigo: The Genome of Anopheles darlingi, the main neotropical malaria vector.
Segundo a pesquisadora, o sequenciamento do genoma do mosquito que transmite a malária na Amazônia traz boas perspectivas para o controle populacional do inseto, pois ferramentas de manipulação genética podem agora ser utilizadas para alterar sequências de DNA do Anopheles darlingi.
Para Santuza Maria Ribeiro, o sequenciamento do mosquito Anopheles darlingi só foi possível devido à Rede Genoma Brasileiro. A rede foi criada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia em 2001 e tem como objetivo realizar pesquisas integradas sobre genoma em vários laboratórios do país. A rede já havia feito vários sequenciamentos genéticos, mas a pesquisa com o Anopheles darlingi, por ser um organismo eucariótico e que apresenta grande variedade na população coletada para o sequenciamento, trouxe novos desafios.
Publicado na revista Nucleic Acids Research, este mês e disponível neste arquivo.