Universidade Federal de Minas Gerais

Fotos: Matheus Espíndola/UFMG
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"Quem não sabe de onde vem, não sabe para onde ir", diz Pedrina

'Ascendi à casa grande sem perder a noção da senzala', diz capitã Pedrina, da Guarda de Oliveira

segunda-feira, 29 de julho de 2013, às 15h21

As imediações da igreja do Rosário, durante a manhã do domingo (28), esteve colorida pela diversidade de elementos das irmandades de congados, caboclos, catopés e marujos, que laurearam o expressivo número de turistas presentes com manifestações de tambores, rezas e louvores.

A negra Pedrina figurava entre os capitães das bandas – também chamadas de ternos, em referência à unidade de medida utilizada pelos leiloeiros de escravos – representando a Guarda de Moçambique da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de Oliveira, cidade do interior mineiro.

Ela falou sobre a origem e os princípios de sua irmandade, entre os quais estudo, preservação e homenagem à cultura negra. “Isso aqui é uma escola de vida. Consegui passar para a casa grande sem perder a noção da senzala. Tudo o que aprendi sobre o respeito ao legado dos povos escravizados não foi na escola, foi aqui na irmandade”, relata.

O culto às crenças que os escravos trouxeram para o Brasil se justifica pela resistência daqueles povos, no período colonial, em não aceitar a imposição cultural e religiosa por parte dos europeus. O cristianismo, por exemplo, não havia sequer chegado ao conhecimento de muitas comunidades negras àquela época.

“Para escravizar um povo, há de se tirar sua autoestima, fazendo com que renegue a própria cultura, religião e costumes. Muitos morreram no tronco por não aceitarem a opressão”, explica Pedrina, completando que sua irmandade existe para dar continuidade a essa resistência.

A atividade das guardas, conforme conta a capitã, também é uma resposta à cultura do racismo, que persiste na sociedade em vários aspectos, herdada das mazelas ocorridas no passado. “Até hoje, a religião do negro é vista como coisa do demônio, e isso vem lá do período colonial. Se eu acreditar que tudo que vem dos meus antepassados não presta, vou acreditar que eu não presto”, pondera.

Pedrina ainda suscita a reflexão sobre as formas mais sutis de preconceito, que muitas vezes passam despercebidas no dia a dia. Como exemplo, ela cita a habitual dicotomia que determina se um cabelo é “bom” ou “ruim"”.

Ela comenta que o cabelo não tem atributos de ruindade ou bondade, ele é crespo ou liso. E acrescenta: "a ciência hoje sabe que o crespo refrigera mais o cérebro, algo conveniente por causa do clima quente da África. Nossas narinas são mais abertas porque o ar do continente é mais seco. Mas as pessoas não consideram que as características físicas são evolutivas”.

Pedrina critica o uso de expressões como “a coisa tá preta” e até o verbo “denegrir”, de caráter preconceituoso. “Mesmo as pessoas negras falam isso sem se atentar”, lamenta.

Tradição
Pedrina conta que o documento mais antigo em poder da sua irmandade é um estatuto registrado em 1861, mas ela estima que a organização exista há mais de 200 anos, já que as atas mais antigas ficaram com a igreja católica.

Sobre sua história em particular, relata que herdou do pai a capitania do terno, há 33 anos. “Quando ele faleceu, meus irmãos e sobrinhos não quiseram assumir”. Pedrina se tornou, assim, a primeira mulher da Guarda de Moçambique em Minas Gerais. Outras ainda hoje não aceitam mulheres, ou as incluem com algumas restrições.

A capitã mostra seu tambor artesanal fabricado há mais de um século, em terras africanas. Explica que o instrumento é sagrado, portanto, não é permitido que pessoas externas o manuseiem. ”Tem todo um ritual para a gente bater. É feito um preparo e um batismo. Quando saio, faço uma oração”, diz.

Legado e conhecimento pleno
O verdadeiro entendimento das tradições seculares, como defende Pedrina, é fundamental para a harmonia na sociedade. “Para mim, o mundo não mudou. A modernidade faz com que as pessoas de hoje em dia não vivam com respeito”.

Por isso, destaca que não veio a Diamantina “a passeio”. Pelo contrário, participou do Festival de Inverno da UFMG com o intuito de conscientizar toda a comunidade sobre os verdadeiros valores do congado. Em sua opinião, o ritual deve extrapolar o conceito de folclore, termo que, segundo ela, foi banalizado no Brasil. “Canto sempre esses versos: Não é só folclore, é nossa religião. Dizem que é folclore o congado. Mas nós que sabemos o nosso significado”.

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Tradição folclórica com contornos diferentes é a da Marujada Senhora Rainha da Paz, de Diamantina. O capitão Antônio Euzébio (foto) conta que a banda, também centenária, teve origem quando marujos garimpeiros portugueses desembarcaram no Brasil e se depararam com um cortejo para Nossa Senhora. “O cortejo estava frio, sem alegria. Então o grupo arranjou instrumentos para o animar. Estavam alegres, pois haviam tomado cachaça durante o final da viagem”, revela.

Ao contrário da maioria das outras guardas, os Marujos não utilizam tambores, mas caixa, pandeiro e viola. “Todas as guardas prestam louvores católicos, mas em línguas variadas, melodias e instrumentos diferentes”, explica.

A história e a essência das irmandades é, para os capitães, objeto de contínuo estudo e aprofundamento, e devem ser, com incansável dedicação, partilhados com crianças, adolescentes e jovens. “Quem não sabe de onde vem, não sabe para onde ir. As pessoas estão perdidas porque não têm raízes”, diz Pedrina.

Ela finaliza expressando o orgulho pela irmandade de que faz parte. “Somos a resistência, e isso tem um valor imenso. Atravessamos os períodos colonial, imperial e da república, sempre tendo à frente pessoas de poucos recursos. Se não fosse tão forte, não resistiria”.

(Matheus Espíndola)

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