Diferentemente do patrimônio ambiental, que já conta com estratégias e equipamentos de alta tecnologia para monitoramento, fiscalização e preservação, o patrimônio cultural brasileiro ainda não se beneficia de tais instrumentos e corre riscos, alerta o professor Luiz Antônio Cruz Souza, do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas-Artes (EBA) da UFMG. Segundo ele, embora a legislação ambiental no país inclua também os direitos e deveres relativos ao patrimônio histórico e cultural, “na prática, a proteção ao ambiente está muito mais desenvolvida do que a proteção ao patrimônio cultural”. Como exemplos, ele cita a total destruição de um sítio arqueológico, em 2011, no município mineiro de Carangola, devido à construção de um mineroduto; a ausência de estratégias de monitoramento em portos e aeroportos brasileiros para evitar roubo de obras de arte; e a falta de fiscalização nas obras de restauração de patrimônio público federal. Em sua opinião, isso ocorre porque o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), bem como os órgãos similares nos âmbitos estadual e municipal, não dispõem de viés técnico nem utilizam de forma suficiente as ferramentas de ciência e tecnologia existentes, por exemplo, nas universidades e centros de pesquisa. “Na área de patrimônio ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) trabalha com satélites, monitora queimadas, porque conta com tecnologia e com parceiros preparados”, compara. Em entrevista ao Portal UFMG, Luiz Souza defende o maior reconhecimento da conservação, que não é vista como área de pesquisa pelas agências brasileiras de fomento. Souza conta que tais temas serão objeto de discussão a partir desta quinta-feira, 1, no 2º Encontro Luso Brasileiro de Conservação e Restauro, que reunirá, em São João del-Rei, pesquisadores brasileiros e portugueses. O evento se encerra no domingo, 4 de agosto. A que riscos está exposto o patrimônio artístico e cultural brasileiro? Falta tecnologia? O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não dispõe de viés técnico e tampouco utiliza de forma suficiente as parcerias com quem dispõe desses recursos. Enquanto o Ibama trabalha com satélites para monitorar queimadas e desmatamento na Amazônia, protegendo o patrimônio ambiental, não há esse tipo de monitoramento no patrimônio cultural. Quem poderiam ser os parceiros dos órgãos de patrimônio? As universidades podem contribuir para encontrar essas soluções? O evento vai aprovar documento sobre o tema?
O país está vivendo uma fase acelerada de desenvolvimento econômico, e há contradições entre o Programa de Aceleração do Crescimento (Pac) e o patrimônio artístico e cultural, que vem sendo destruído. A função do estado é garantir que o patrimônio cultural, arqueológico histórico e pré-histórico, seja preservado, na medida em que o desenvolvimento econômico ocorre, mas no Brasil os instrumentos para que isso aconteça ainda são pouco desenvolvidos.
As tecnologias existem, mas os órgãos de patrimônio brasileiros precisam se atualizar e passar a utilizá-las. Aqui na UFMG, por exemplo, já conseguimos recuperar várias obras para o patrimônio de Minas Gerais com o uso de radiografias e técnicas físico-químicas de análise, produzindo provas que o Ministério Público mostrou à justiça e comprovou que determinadas obras eram roubadas de Minas. Algumas estão voltando ao seu lugar, por causa do uso de C&T. Mas do ponto de vista de gestão, muita coisa está desaparecendo, e o Brasil tem que enfrentar isso de forma profissional, o que ainda não está sendo feito.
As universidades, é claro! Os departamentos de geologia, para fazer monitoramento via satélite de destruição de patrimônio; os estudiosos na área de antropologia, para fazer avaliação de impacto do ponto de vista da sociedade... Veja-se por exemplo o mineroduto, que percorre 450 quilômetros em áreas com patrimônio histórico, cultural, arqueológico histórico e pré-histórico. Podem ocorrer acidentes, como já ocorreu – o sítio arqueológico foi destruído porque os órgãos de patrimônio no Brasil ainda não se adequaram para evitar os riscos impostos pelo desenvolvimento econômico. E observe-se também situação de Conceição do Mato Dentro e cercanias, de onde sai o mineroduto: a quantidade de forasteiros morando na região é muito grande. O nível de uso do solo pelo empreendimento, os caminhões entrando e saindo da cidade, a degradação da água, tudo isso teria que ser medido, monitorado, quantificado, para que os gestores de patrimônio e os gestores do desenvolvimento pudessem entrar em acordo, porque acesso ao patrimônio cultural é direito difuso, e a Rio-92 definiu perante as Nações Unidas que desenvolvimento econômico também é direito. Mas como avançar no desenvolvimento sem perder a identidade?
Sim, e algumas delas já fazem isso há décadas. Mas é necessário investimento para envolver ciência e tecnologia como gestão de patrimônio. O órgão federal de patrimônio, que é o Iphan, precisa atuar mais nessa área, usando ferramentas de C&T, em parceria com as universidades e centros de pesquisa. Isso é uma bandeira nossa. Infelizmente, no Brasil, a conservação não existe como área de pesquisa dentro do CNPq e da Capes. Os projetos de pesquisa que procuram financiamento dessas agências entram como área de química, história ou artes, mas não de conservação. A museologia já tem o seu campo de conhecimento definido dentro do CNPq. Uma das grandes bandeiras do 2º Encontro Luso Brasileiro de Conservação e Restauro vai ser essa discussão, porque enquanto estamos aqui formando profissionais tem muita coisa sendo destruída.
A intenção é aprovar diretrizes ou sugestões para os órgãos de patrimônio, com base inclusive na experiência de Portugal, que conseguiu, com base na mobilização popular, barrar a construção de uma hidrelétrica que ia cobrir sítios arqueológicos. Aqui no Brasil há disputas enormes, como Belo Monte, o próprio mineroduto, construção de estradas, o programa de PCH, que são as pequenas centrais hidrelétricas, iniciativas que impactam o patrimônio histórico, cultural e imaterial. Tudo isso deve ser mais discutido e as parcerias precisam ser fortalecidas, para que haja avanço nessa área. Porque já temos algumas parcerias com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e com o Iphan, embora ainda tímidas e em dimensões muito menores do que é possível realizar, mas a expectativa é de que aprofundemos as parcerias em benefício do patrimônio. Outro aspecto importante a ser ressaltado é o papel do Ministério Público – estadual e federal – que tem funcionado como um grande protetor de patrimônio histórico, cultural e arqueológico no Brasil.