O direito à cidade é um conceito do filósofo Henri Lefebvre, defensor da tese de que o espaço social deveria ser planejado e habitado autonomamente pelos moradores, sem interferência do Estado. Lançada em meados de 1968, no contexto das manifestações que sacudiram diversas regiões da Europa, em especial na França, a obra Le droit à la ville é até hoje analisada e discutida por especialistas que estudam o espaço urbano. Sob a ótica das ideias de Lefebvre, o artigo Direito ao espaço cotidiano: moradia e autonomia no plano de uma metrópole, publicado pela professora da Escola de Arquitetura da UFMG Silke Kapp na revista Cadernos Metrópoles, retoma e questiona algumas ideias do filósofo, usando como base o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH), documento que planeja e regula o uso da propriedade urbana. A elaboração do PDDI foi feita por equipe coordenada pelo professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar) Roberto Luis de Melo Monte-mór e contou com a participação de professores de várias áreas e unidades da UFMG. Banalização Em sua concepção, o direito à cidade vai além de habitação, transporte e outras comodidades do ambiente social e urbano. “Esse conceito implica definir esses serviços, o modo como a cidade funciona, inventá-la, imaginá-la e planejá-la. Seria responder à pergunta: como queremos que a nossa cidade seja?”, explica. A professora Silke Kapp e seus alunos que participam do grupo de pesquisa Morar de Outras Maneiras (MOM), da Escola de Arquitetura da UFMG, foram responsáveis pela área temática Habitação, vida cotidiana e qualidade de vida do PDDI. A pesquisa envolveu estudos metodológicos, conceituais e empíricos. “O plano diretor é muito amplo e um pouco vago, uma vez que há expectativa de que ali se resolvam todos os problemas da metrópole. O desafio de colocá-lo em prática existe porque resume agendas e interesses muito distintos”, aponta. Sua pesquisa envolveu entrevistas com gestores de municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte com o objetivo de conhecer os atuais planos diretores das cidades e as principais mudanças almejadas em relação a habitação e moradia. Segundo Silke, os planos diretores não são instrumentos eficientes. “Percebemos que muitos municípios têm planos diretores apenas com o intuito de receber recursos do governo federal. Na prática, são inviáveis, abstratos e dão margem de manobra a todo tipo de interesse.” Espaço cotidiano “Em teoria, são as pessoas que vivem nas cidades que deveriam definir o que fazer do espaço urbano. Essa ideia fundamental seria o ponto de partida para a melhoria da convivência, uma vez que a vida cotidiana seria melhorada. Não basta oferecer um teto para as pessoas, tarefa dos programas habitacionais. É necessário fornecer também a cidade, o espaço fora de casa e do trabalho”, explica. A professora destaca, ainda, que o maior problema das grandes capitais não é a falta de moradia, mas a organização do espaço urbano. “O grau de vacância de imóveis em Belo Horizonte é muito alto. Isso mostra que a moradia existe, só não funciona na prática. A cidade precisa ser democratizada e oferecer autonomia individual e coletiva a seus cidadãos”, conclui Silke Kapp. (Luana Macieira) Artigo: Direito ao espaço cotidiano: moradia e autonomia no plano de uma metrópole
Segundo a professora, o conceito de Lefebvre sobre o direito à cidade foi banalizado por estudiosos da área e discursos políticos em geral, passando a ser usado por movimentos sociais e partidos conservadores, que o associam somente ao conjunto de serviços e facilidades que uma cidade pode oferecer aos moradores mais ricos.
A professora Silke Kapp defende que a cidade não deve ser apenas o local da moradia e da habitação, mas também espaço que as pessoas usam quando não estão trabalhando, incluindo os locais abertos, de convivência, praças e ruas.
Autora:Silke Kapp
Publicado na revista Cadernos Metrópole, em dezembro de 2012. Leia o artigo.