A falta de comunicação mais rápida e eficiente entre os órgãos que integram a rede de proteção da criança e do adolescente em Belo Horizonte pode levar a uma demora de mais de dois anos para a obtenção de uma sentença judicial contra o agressor. Ao longo de um ano, o índice de responsabilização dos agressores foi de 67%, embora em apenas 11% dos casos as denúncias não tenham se confirmado no decorrer dos processos judiciais. É o que aponta tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG pela psicóloga Rosilene Miranda Barroso da Cruz. Ela analisou os processos judiciais de violência doméstica contra crianças e adolescentes encaminhados ao órgão entre 2002 e 2003. Ao todo, foram 77 processos, envolvendo 134 crianças e 78 supostos agressores. A denúncia e suas consequências futuras envolvem várias instituições – Conselho Tutelar, Ministério Público, Tribunal de Justiça e serviços da Prefeitura de Belo Horizonte. A pesquisadora ressalta que o repasse de informações entre elas é fundamental para o bom funcionamento de todo o conjunto. Mas nem sempre isso acontece, dificultando a apuração dos casos e a responsabilização dos agressores. Dúvidas sobre a efetividade Somado ao tempo que se gasta para obter uma sentença – em muitos casos superior a 30 meses – esse atraso pode permitir que a criança continue sofrendo a violência, mesmo depois de notificada a situação. De acordo com a pesquisadora, seria importante avaliar melhor o tempo de permanência dos casos nessa instância. “Quando se percebe que não vai surtir efeito, pode-se transformar mais rapidamente a denúncia em processo judicial”, afirma Rosilene Miranda. Outro problema é que, em muitos casos, a vítima é a única testemunha do abuso. “Situações como obrigá-la a depor na frente do agressor, que pode ser um dos pais, muitas vezes acabam inibindo a criança de falar. Sem o depoimento dela, o juiz pode não ter base para responsabilizar o agressor”, explica a psicóloga. Também é mais frequente a retirada da criança do lar do que o agressor. Das 42 sentenças que envolviam afastamento do lar por uma das partes, apenas cinco eram contra o agressor. Esse descompasso, muitas vezes, desencoraja a denúncia. “Existe uma falta de confiança no sistema e na sua capacidade de resolver os casos, que muitas vezes leva vítimas ou o responsável não agressor a não relatar a situação”, destaca a doutora. “Além de lutarmos pela notificação adequada, temos que melhorar os instrumentos sociais necessários para responsabilizar o agressor, apoiar a família e fiscalizar o cumprimento das medidas determinadas”, afirma. Centro integrado Pela proposta, o centro abrigaria salas especiais para os depoimentos das crianças. “Ela conversaria com o juiz separada do agressor, em um momento que já estivesse pronta para falar do assunto”, explica a autora do estudo. “Além disso, a conversa seria gravada e utilizada como prova, de modo que a criança não precisasse falar outras vezes durante o processo sobre a violência sofrida”, conclui. Título: Violência doméstica contra crianças e adolescentes: os (des)caminhos entre a denúncia e a proteção (Matéria publicada no Saúde Informa, veículo editado pela Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina)
O papel do Conselho Tutelar como porta de entrada do Sistema de Garantia de Direitos foi observado em 61% dos processos analisados. Porém, sua atuação também levanta questões sobre a efetividade do processo. As denúncias chegam a permanecer por mais de um ano, sem que os familiares observem as orientações e encaminhamentos.
Uma das propostas do estudo para garantir agilidade é a implantação do Centro Integrado de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, reunindo em um só espaço integrantes do Tribunal de Justiça, com vara especializada em julgar crimes contra a criança e o adolescente, do Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e dos serviços da Prefeitura de Belo Horizonte ligados ao tema. “Isso facilitaria a comunicação entre eles e a busca de uma resolução mais rápida para os casos de abuso contra a criança”, afirma Rosilene.
Nível: Doutorado
Programa: Saúde da Criança e do Adolescente
Autora: Rosilene Miranda Barroso da Cruz
Orientadora: Cláudia Regina Lindgren Alves
Co-orientadora: Lúcia Maria Horta de Figueiredo Goulart
Defesa: 02/04/2013