A arrogância é um sentimento comumente associado a algo negativo, podendo ser observado em contextos de transformações que afetam as sociedades e os modos como as pessoas se relacionam. Para compreender melhor as diferentes formas da arrogância e seus respectivos contextos, a Escola de Arquitetura da UFMG sedia, a partir de hoje, o 1º Colóquio Internacional Arrogância. O evento, que receberá pesquisadores de diversas áreas como história, sociologia, mídia, psicologia, letras e antropologia, vai investigar as diversas formas de arrogância que surgiram durante o liberalismo do século 18 e se fazem presentes no neoliberalismo contemporâneo. O Portal UFMG conversou com uma das coordenadoras do evento, a professora Myriam Bahia Lopes, do Departamento de Análise Crítica e Histórica da Arquitetura da Escola de Arquitetura da UFMG. "A arrogância reflete a incapacidade de imaginar o outro, de percebê-lo e está associada ao individualismo", define. Como surgiu a ideia de um colóquio para abordar a arrogância? O que é a arrogância? Como esse sentimento é capaz de excluir as pessoas na sociedade contemporânea? Como esse sentimento esteve relacionado ao colonialismo? A arrogância também é instrumento de exercício de poder em outras esferas, além da política? A senhora então vê a internet como uma ferramenta de combate à arrogância? Essa arrogância do usuário da internet se deve à velocidade com que ocorre a troca de informações online? Como a arrogância pode ser combatida em suas diversas formas? (Luana Macieira)
Há um campo dentro da história, ligado às ciências sociais, que trabalha com a questão da história dos sentimentos e sua relação com a política. Depois das últimas eleições presidenciais da França, no ano passado, a professora Claudine Haroche, do Institut Interdisciplinaire d’Anthropologie du Contemporain, teve a ideia de organizar o colóquio. As eleições da França serviram como mote porque o debate foi marcado pela violência verbal e pela acusação infundada de arrogância atribuída a um dos candidatos.
A arrogância é um termo que cresceu com o individualismo contemporâneo, com aquilo que denominamos de narcisismo de sociedades individualistas. Como a arrogância nas sociedades democráticas e neoliberais representa uma incapacidade de perceber o outro, ela está muito presente nas nossas vidas e sempre associada ao individualismo. Todas as ameaças que a sociedade contemporânea e o planeta sofrem são, em certa medida, expressões de formas da arrogância.
Nos dias atuais, a arrogância é um processo que impossibilita a representação das inúmeras diferenças de uma determinada sociedade. No Brasil, podemos exemplificar com o episódio de Pinheirinho, ocorrido em São José dos Campos, em janeiro do ano passado. Lá, em nome da propriedade, seis mil famílias foram expulsas com violência de onde moravam. A arrogância funciona como forma de consolidação do poder. Desde o colonialismo, a arrogância já se estruturava como instrumento de exercício de poder.
Dentro do projeto colonialista francês, por exemplo, e que será objeto do colóquio pela voz do professor Yves Deloyé, da Universidade de Bordeaux, houve o estabelecimento de um status diferenciado na colônia, entre o colonizador francês e os antigos e novos habitantes da região colonizada. A arrogância de classificar os habitantes de um lugar era uma forma de legitimar a diferença e a violência com a qual os povos colonizados eram tratados. Outro exemplo foi o genocídio praticado pelos alemães no continente africano durante a colonização. A professora Marion Brepohl, que também estará no colóquio, indica em suas pesquisas que o que ocorreu na Namíbia do início do século 20 foi um antecedente dos campos de concentração alemães da Segunda Guerra Mundial.
A arrogância é manifestada pelos governos, pela mídia, e vários outros setores da sociedade também agem com arrogância. Ela é um sentimento que perpassa a sociedade e diz respeito às dinâmicas das reações sociais, além dos valores a partir dos quais os discursos se estruturam. A forma como a imprensa lidou com as manifestações que aconteceram no Brasil é um bom exemplo da arrogância. A mídia tentou destacar a questão da propriedade como elemento mais importante das manifestações, diminuindo as questões que realmente importavam à população. Ela foi arrogante ao tentar criar um significado diferente para as passeatas, mas foi surpreendida pela dinâmica das redes sociais, tendo sido questionada por várias fontes sobre essa sua versão única dos acontecimentos.
Sim, mas isso deve se analisado com cuidado. Na internet, as pessoas são solicitadas a exprimir suas opiniões sobre tudo, o tempo todo. A possibilidade de dar acesso à informação para um público de escala sem precedentes na história é decididamente um ganho. Porém há uma limitação, que é a grande velocidade e o volume da informação online. É necessário refletir, ter tempo para parar e pensar. Nas redes sociais, o conhecimento é descentralizado, o que é um grande ganho. Vários autores discorrem sobre a estrutura rizomática da web, porém há dois riscos sobre os quais precisamos refletir. O primeiro diz respeito à possibilidade de se eleger o testemunho local como expressão do global. Já o segundo tem a ver com o fato de a informação se tornar palavra de ordem, bordão, cuja dinâmica de repetição irrefletida suplanta a capacidade de seus usuários de pensar e se posicionar. A velocidade e o volume de dados incessantes impulsionam a dinâmica da propaganda, a astúcia de mobilização dos sentidos e dos sentimentos.
A velocidade com que as informações são trocadas modifica a forma de ver, de escutar e de perceber o outro. A internet põe a questão dos fluxos de informação numa velocidade que é inédita na história e isso muda a forma das pessoas se relacionarem entre si e com o mundo. A pesquisadora Claudine Haroche indica em seus estudos que, nos dias atuais, as pessoas não constroem relações que duram no tempo, inexistindo continuidade e predominando o instante. Por outro lado, há uma avaliação contínua, processos que indicam a transformação da sociedade contemporânea em uma sociedade da desconfiança.
Devemos questionar a arrogância para repensar as relações sociais e de poder, as formas de interação social que são o fundamento de modelos de condutas e de valores contemporâneos dominantes. A arrogância concerne o indivíduo, a sociedade, a política e revela-se em todos os domínios, de maneira privilegiada na esfera cultural, econômica e financeira: ela induz a radicalização de posições e acentua as relações de força nas sociedades onde o indivíduo é, ao mesmo tempo, individualizado, massificado e reduzido a uma identidade que não lhe convém.