Augusto Boal, teatrólogo brasileiro e criador das técnicas do Teatro do Oprimido, já nas décadas de 60 e 70 desejou que todos pudessem fazer teatro para entender seu poder transformador. Para a vice-diretora do TU e coordenadora do seminário, a professora, artista e pesquisadora Denise Araújo Pedron [na foto de Sarah Dutra}, não apenas o teatro, mas o campo das artes é esse lugar de possibilidades de expressão, que inclui todas as pessoas, com ou sem deficiências. A idealização do seminário, conta a professora, surgiu da parceria com a professora de música da Uemg Eliane Maria de Abreu, pesquisadora das relações entre psicologia e processos criativos, e com o professor da Crepúsculo Escola de Artes Clóvis Domingos, que trabalha com portadores de paralisia cerebral e Síndrome de Down. “Pensamos num seminário que pudesse unir pessoas que trabalham com arte e saúde e dar início a um diálogo sobre questões como em que ponto essas áreas se tocam – artes e psicologia, artes e saúde física e mental. É preciso discutir como a prática da arte pode contribuir para a saúde das pessoas, para afirmação da diferença”, explica. Segundo Denise Pedron, “o estudo da arte, e dos processos criativos, é muitas vezes associado à doença mental. Mas o que o seminário pretende trazer à tona é a relação entre arte e saúde mental, porque isso diz respeito a todo mundo”. Na avaliação da professora, o afastamento da estética do paradigma do belo é um avanço no campo das artes, que favorece a aproximação e inclusão desses grupos marginalizados. “Desde que a estética saiu desse lugar do belo e começou a se voltar mais para o da percepção do sujeito, o feio e o bonito, o certo e o errado deixaram de existir. E assim, nessa relação que se estabelece entre a obra e o espectador, nesse campo mais perceptivo da abordagem estética, cabe muita coisa”, considera. Elementos novos Uma das questões propostas em torno da arte feita por pessoas com deficiências é tratada pela Psicologia a partir da noção de corporeidade. O sujeito artista comunica também com o corpo e vai além do discurso racional. “Essa questão da corporeidade, sempre presente no teatro, e que agora é cada vez mais evidente nas artes, nos permite sairmos um pouco do domínio da racionalidade para experimentar o compartilhamento”, observa. “Em qualquer tipo de arte, que objetiva tocar o espectador, seja de maneira crítica ou emocional, é fundamental a experiência compartilhada, que vai depender do sujeito artista e do sujeito espectador. Porque para ser tocado é preciso estar aberto a ser tocado. Precisamos deixar a análise racional excessiva frente às novas experiências. Temos que estar dispostos a vivenciar um pouco a incerteza”, avalia a professora. Ainda segundo ela, na arte, como na vida, a incerteza é muito presente. “Mas na vida queremos, cada vez mais, anular as incertezas. Temos necessidade de saber o que está acontecendo, ter controle das coisas que virão. Mas a Psicologia contribui para que a gente conviva com a falta de respostas e aceite os questionamentos para que sejamos tocados pela arte.” Arte é experiência Na UFMG, segundo Denise Pedron, a interdisciplinaridade tem se fortalecido e contribuído para a formação do sujeito. “Digo sempre que não quero que os alunos se formem para se adequarem ao mercado que existe, mas que sejam capazes de formar o próprio mercado. E esse intercâmbio entre artes e outras áreas de conhecimento tem acontecido. O que os grupos que lutam pela inclusão estão fazendo não é pedir para serem aceitos no mundo; estão afirmando que esse mundo é maior do que a gente imagina e que todos fazemos parte dele”, conclui a professora do Teatro Universitário. (Teresa Sanches)
“Através da arte posso me expressar sem necessidade de um tradutor”. A frase de Dan Keplinger, artista plástico norte-americano, portador de paralisia cerebral grave, define bem o propósito do seminário Arte e diferença, que reúne artistas, profissionais e estudantes das áreas de psicologia, educação física, fisioterapia, terapia educacional e medicina, a partir de hoje, 24, até o dia 26, no Teatro Universitário (TU), no campus Pampulha.
Mas a discussão proposta a partir da inclusão pode ser delicada e questionada, segundo avaliação da professora. “O termo inclusão pressupõe a existência de um dentro e um fora, parecendo que estar dentro é que é bom. Mas não é bem assim, uma vez que esses dois espaços se influenciam mutuamente e existem maneiras plurais de fazer arte, e por sujeitos diferentes. Essas maneiras acabam transformando a própria arte e trazem elementos novos para os processos criativos”, considera.
A questão, então, talvez seja mais de aceitação do que de inclusão, na opinião da professora. “Hoje a arte vem se mostrando não como objeto a ser consumido, fruído, mas como algo da ordem da experiência”, ela continua.
A interdisciplinaridade, que ganha cada vez mais terreno na pesquisa acadêmica, precisa seguir ampliando seu espaço, e incluindo a prática artística. “Esse é um processo recente nas universidades brasileiras, com exceção da Unicamp, pioneira nessa área, onde os processos criativos são há mais tempo valorizados e viram mestrado e doutorado. Mas a arte está sendo cada vez mais considerada, inclusive nas decisões dos órgãos de fomento, como Capes e CNPq”, avalia.