Ainda é elevado o número de crianças com câncer que demoram a ser encaminhadas para tratamento, uma vez que a descoberta da doença pode levar até oito anos após o aparecimento dos sintomas. É o que conclui estudo desenvolvido pelo Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente (Observaped), da Faculdade de Medicina, divulgado na semana do Dia Mundial de Combate ao Câncer (27 de novembro). O estudo é baseado na análise retrospectiva de prontuários registrados no Hospital das Clínicas no período de 2004 a 2012. “Essa demora ocorre porque o portador tende a apresentar sintomas inespecíficos ou parecidos com os de doenças comuns”, justifica a estudante Elena Domingues, do 8º período do curso de Medicina da UFMG, integrante do grupo de pesquisa. Segundo ela, entre as queixas mais comuns estão dor de cabeça, náuseas, vômitos e alterações da marcha e coordenação. Nas crianças com menos de quatro anos, os sintomas inespecíficos mais frequentes são náuseas, vômitos e irritabilidade. Dos 488 pacientes atendidos no período, 364 (74,5%) tiveram diagnóstico de neoplasia maligna, a proliferação anormal de células. O intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da doença variou de um dia a oito anos. Elena conta que o diagnóstico mais comum foi dos tumores do sistema nervoso central, responsáveis por 42% dos casos de câncer e com tempo de queixa de aproximadamente 13 semanas. Tumores de partes moles – tipo de câncer que pode afetar um grupo de tecidos localizados entre a epiderme e as vísceras – demoraram em torno de 26 semanas para serem diagnosticados. Prognóstico Segundo a professora Karla Emília de Sá Rodrigues, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e uma das orientadoras da pesquisa, outro fator para a baixa suspeição do pediatra é o fato de que ele diagnostica um caso de neoplasia maligna a cada 7 a 10 anos. “Assim, o câncer dificilmente será a primeira hipótese considerada diante de queixas inespecíficas”, conclui. Óbitos Já entre as causas de óbito, as principais foram a progressão da doença, que chegou a 45,4% e a sepse - infecção generalizada – que foi de 14,7%. Para a professora Karla Rodrigues, é fundamental a conscientização da população médica e leiga sobre os sinais e sintomas precoces do câncer. “Em geral, quanto maior o atraso do diagnóstico, mais avançado é o estágio da doença e menores as chances de cura”, ressalta. O Brasil apresenta a maior demora entre o início dos sintomas e o diagnóstico ou primeira consulta com o oncologista pediátrico, quando comparado a países desenvolvidos. Nos tumores das partes moles, por exemplo, o tempo de queixa chega a ser cinco vezes maior. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer infantil é a doença que mais leva crianças e adolescentes com idades de 1 a 19 anos ao óbito no Brasil. Considerados também os fatores externos, a enfermidade fica em segundo lugar entre as causas de morte nesta faixa etária, perdendo apenas para os acidentes. (Com Assessoria de Comunicação Social da Faculdade de Medicina)
Além do comportamento da doença, a demora no diagnóstico pode estar relacionada a fatores socioeconômicos, como dificuldade de acesso ao atendimento médico, aos métodos diagnósticos e ao encaminhamento para os centros de referência em oncologia pediátrica.
Em outro estudo realizado pelo grupo, também no período de 2004 a 2012, dos 364 pacientes identificados, 86 acabaram morrendo. A prevalência de mortes foi maior entre os portadores de tumores do sistema nervoso central, que corresponderam a 45% dos casos. “Esses dados estão em consonância com a literatura que aponta tais tumores como as principais causas de morte por câncer”, completa Elena Domingues.