Sarah Dutra/UFMG |
Um dos principais estudiosos da obra do compatriota György Lukács, de quem foi aluno e amigo, o filósofo húngaro István Mészáros atraiu centenas de pessoas ao Centro de Atividades Didáticas (CAD) 1, no campus Pampulha, semana passada. Professor emérito da Universidade de Sussex, na Inglaterra, Mészáros também é considerado um dos nomes mais importantes do pensamento marxista. “Trata-se de um autor de obras importantes, em especial Para além do capital, na qual o marxismo é projetado para pensar o mundo contemporâneo com rigor e lucidez impressionantes”, afirmou João Antonio de Paula, professor da Faculdade de Ciências Econômicas e pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento. “Ele talvez seja o grande referencial do movimento de renovação da perspectiva marxista”, acrescentou. João Antônio destacou a robustez dos 60 anos de trabalho intelectual do filósofo e o parabenizou pela conduta que combina atividade intelectual com militância política. “Mészáros é daqueles homens que se colocou à esquerda, manteve-se à esquerda e fez da inteligência instrumento permanente de luta pela emancipação humana”, concluiu ele, na saudação ao convidado. Durante a conferência, Mészaros abordou a natureza do Estado e os problemas que ele produz para a sociabilidade. Fiel à tradição marxista, disse que é preciso “confrontar o Estado e erradicar o capital do processo metabólico social”. Confira alguns momentos da conferência: Capitalismo e capital Sociedade sufocada Estado coerente e solidário Apontando caminhos para solução e êxito social, Mészáros resgatou a ideia fundamental de igualdade. “O futuro é inconcebível sem o verdadeiro compromisso de igualdade substancial; a mera igualdade formal não satisfaz”, defendeu, esclarecendo que as necessidades espirituais, e não apenas materiais, devem ser atendidas. Quando tal condição for atingida, disse ele, “estaremos vivendo a democracia substancial”. (Bárbara Pansardi)
Crise estrutural
A obsolescência programada, processo que vem caracterizando o capitalismo há várias décadas, implica sua “produção destrutiva”. Isso significa que a necessidade de produção incessante, típica dos movimentos do capital, na verdade, destrói não só as mercadorias, mas também a força de trabalho (capacidades humanas envolvidas no processo) e a natureza. O fato é que o circuito de consumo é relativamente reduzido e atinge apenas uma parcela restrita da população mundial, sendo necessário aumentar o número de indivíduos que abrange. Aliada à intensidade cada vez maior da relação produção-consumo, essa incessante expansão do capital acabou por conduzir à sua crise estrutural, característica de nossos dias.
O socialismo ou o comunismo não chegaram efetivamente a existir, de acordo com Mészáros. União Soviética e China, por exemplo, são sociedades que ele designa como pós-capitalistas, cujas configurações não têm qualquer relação com o que Marx preconizou. Nessas formações, a personificação do capital – isto é, a burguesia – foi destruída; no entanto, ainda que sem mercado e com a mais-valia apropriada pelo Estado, o capital continuou a vigorar, mesmo que de maneira atrófica. Não sem razão o capitalismo voltou a ser restaurado com tamanha facilidade nesses países. Tais sociedades implodiram porque a contradição estava semeada em seu próprio interior. Não se pode, na visão de Mészáros, destruir o capitalismo sem erradicar o capital.
Para Mészáros, existe um vínculo insolúvel entre o comando que o capital exerce sobre o metabolismo social e o Estado; é impossível que o capitalismo continue a exercer esse controle social sem que o Estado esteja presente de forma decisiva. O Estado, segundo o filósofo, é um sistema centrifugador, que se espraia socialmente e se expande por meio da burocratização e de outros instrumentos de controle. Como uma grande jiboia, vai controlando e sufocando a sociedade civil, matrizando-a a serviço do capital. Há, por exemplo, uma socialização dos prejuízos e quem paga pelo volume de dinheiro injetado no sistema financeiro, nas grandes instituições bancárias e nas próprias empresas estatais são os próprios contribuintes. Assim como a erradicação do capital é imprescindível, não se pode destruir o capitalismo sem aniquilar o Estado.
O intelectual húngaro enfatizou a necessidade de “modificar a centrifugalidade organizacional do Estado e substituí-la por uma configuração com maior coerência e solidariedade social”. Além disso, apontou também a educação como instrumento para a construção de uma sociedade mais justa. “Não basta a educação formal; é preciso adquirir autoeducação, consciência dos problemas do mundo”, argumentou, referindo-se a uma concepção de indivíduo como ser que se autoconstrói e se constitui pela prática e ação. Adquirir consciência e promover mudança implica participar ativamente no enfrentamento dos problemas sociais.