O que leva um adolescente a ingressar e a sair do tráfico de drogas? A busca de respostas para essa questão motivou o estudo da psicóloga Mônica Brandão e Souza, autora de dissertação de mestrado defendida no ano passado junto ao Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG. A necessidade de autoafirmação foi a principal justificativa dos jovens entrevistados, que cumpriam medida socioeducativa. “Eles declararam existir uma necessidade material que os impulsiona para a atividade, mas em suas falas sempre aparece o tráfico como uma chance de ‘brilhar’, construir o seu lugar de respeito no mundo”, explica a autora do trabalho. “Muitos deles não querem seguir as profissões subservientes que seus pais sustentaram na vida. Eles querem outra coisa, romper com essa lógica”, afirma. A partir dessa constatação, a pesquisadora defende a necessidade das instituições públicas se reposicionarem em relação a esse jovem. Afastar esses jovens do crime, portanto, transcende a oferta de educação e emprego em níveis básicos. Acesso ao ensino superior e qualificação profissional são iniciativas importantes para convencê-los da possibilidade de uma vida digna fora do tráfico. “Para esses adolescentes, não se trata apenas da geração de renda. Trata-se de construir um lugar na sociedade, um lugar de apreço”, reforça a psicóloga. Ilusão De acordo com dados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 24,5% das infrações registradas no período de 2009 a 2011 eram relacionadas a essa atividade, com aumento superior a 7% nos anos de 2010 e 2011. Cerca de 1,5 mil adolescentes são acompanhados por mês nesse serviço. O próprio mundo do tráfico, no entanto, acaba afastando muitos desses adolescentes. Convivência com perdas, conflitos que surgem entre amigos e circulação restrita na cidade são alguns fatores que provocam desgaste na relação desses jovens com a atividade. O envolvimento com a prática produz efeitos devastadores para a saúde e qualidade de vida dos mais jovens e muitos adolescentes, com altos índices de mortalidade por homicídio. “É um trabalho extremamente precário, desgastante, e os adolescentes aos poucos começam a perceber que a realidade não está exatamente de acordo com o que pensavam antes de entrarem”, afirma Mônica. “É o que costumam chamar de ilusão do tráfico: a chance de brilhar revela-se bem diferente do que foi efetivamente construído, pois entrar no tráfico de drogas é entrar em uma guerra”. Sair do tráfico, porém, não é uma decisão fácil, e alguns fatores acabam sendo fundamentais para isso. Paternidade, experiência amorosa mais forte, pagamento de dívidas, ameaça à própria vida, perda de amigos ou parentes, presença familiar e oportunidades abertas a partir do cumprimento da medida socioeducativa foram alguns dos motivos que se destacaram na pesquisa. “Percebemos que não há um único grande motivo que provoca a saída desses adolescentes, mas uma variedade de situações que colaboram para que eles tomem essa decisão”, analisa Mônica. Liberdade assistida A liberdade assistida consiste em uma série de obrigações a serem cumpridas pelo jovem infrator, como frequência à escola e convivência familiar, além do acompanhamento semanal com psicólogos e assistentes sociais. “Os adolescentes são contundentes em reconhecer o valor de ter alguém que sustente uma presença nesse momento em que estão embaraçados com a lei”, aponta a pesquisadora. Além de favorecer esse diálogo, que visa levar os adolescentes a se responsabilizarem pelo ato infracional cometido, o profissional pode viabilizar o acesso desses jovens a oportunidades de emprego, educação e saúde que por acaso necessitem. Mônica Brandão pretende desenvolver um trabalho de extensão em interface com a pesquisa que atue junto aos profissionais da saúde, educação, assistência social e segurança pública que atendem esses adolescentes. “Sabemos que a incidência dessas medidas é pontual e que é preciso um trabalho permanente das redes de atenção e promoção para que o jovem sustente a sua escolha e não insista em trilhar o caminho do tráfico”, afirma. Com essa proposta, a pesquisadora contribui para a construção de um corpo teórico sobre o tema ao mesmo tempo em que auxilia na educação social desses adolescentes. “Cumprir uma medida socioeducativa é produzir uma resposta nova à sociedade”, observa Mônica Brandão. “Mas é também um momento em que a sociedade é chamada a dar uma nova resposta”, conclui a psicóloga. (Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina)
Integrante da equipe do Serviço de Proteção Social ao Adolescente em Cumprimento de Medidas Socioeducativas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte desde 1998, Mônica Brandão observou o crescimento no número de jovens encaminhados para o cumprimento destas medidas envolvidos com o tráfico de drogas.
As sanções impostas a esses adolescentes estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo ir da advertência à privação de liberdade. Para Mônica Brandão, uma das medidas previstas se destaca: a liberdade assistida. “Esse tipo de trabalho permite mais contato com o adolescente e conta com a participação da família e da comunidade”, explica.
Serviço
Título: Adolescentes em conflito com a lei: um estudo sobre os adolescentes no tráfico de drogas e o alcance das medidas socioeducativas em meio aberto
Nível: Mestrado Profissional
Autora: Mônica Brandão e Souza
Orientadora: Cristiane de Freitas Cunha Grillo
Programa: Promoção de Saúde e Prevenção da Violência
Defesa: 1º de julho de 2013