Universidade Federal de Minas Gerais

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'Precisamos compreender a seletividade das doenças autoimunes', afirma imunologista que receberá título de Doutor Honoris Causa

quarta-feira, 5 de março de 2014, às 5h54

A UFMG vai outorgar esta semana seu maior título honorífico – Doutor Honoris Causa – ao cientista português António Coutinho, apontado pelo Institut for Scientific Information (ISI) como um dos cem imunologistas mais influentes do mundo. Seu trabalho de mais de quatro décadas inclui a descoberta, considerada revolucionária por muitos de seus pares, de que o sistema imune possui atividade interna substancial, que independe de antígenos externos.

Formador de pesquisadores, Coutinho concilia as aulas na Faculdade de Medicina de Lisboa, nos programas doutorais do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) – que sob sua direção se consolidou como um dos principais centros de formação de pesquisadores em biomedicina do mundo – e em projeto que vai formar, ao longo dos próximos cinco anos, uma centena de jovens africanos em ciências biológicas e biomédicas, “com o mesmo grau de exigência e qualidade que o dos melhores programas internacionais”.

Embora tenha deixado a direção do Instituto Gulbenkian – por considerar que “não era saudável manter a mesma ‘filosofia’ institucional, por melhores resultados que tivesse dado” – ainda participa da Comissão Diretiva da Instituição e integra conselhos científicos e de avaliação em vários países, incluindo o Brasil. Como a se justificar por suas múltiplas tarefas, Coutinho diz que “a diversidade é a nossa grande riqueza”.

Em entrevista por email ao BOLETIM, Coutinho fala de seus planos de trabalho e aponta um dos desafios que a ciência ainda terá de enfrentar para realmente entender o sistema imune: compreender a seletividade das doenças autoimunes.

Como o senhor vê a decisão da UFMG de homenageá-lo com o título de Doutor Honoris Causa?
Vejo com humildade. É uma enorme honraria para mim, que eu não estou certo de merecer. Claro que também a vejo com muita satisfação, pois muito respeito a UFMG e sei bem que este é um título que a Universidade não atribui com frequência.

Como o sr. descreveria sua relação com a UFMG?
As relações, mesmo as institucionais, são sempre relações entre pessoas, pelo menos começam como relações entre pessoas; naturalmente, pois são as pessoas que fazem as instituições. Assim a minha com a UFMG: tenho aqui uma série de colegas que muito aprecio como cientistas e como pessoas, conto alguns deles entre meus melhores amigos, trabalhei de perto com alguns desde há 30 anos e tanto aprendi com eles, tive a sorte de acolher alguns nos grupos de investigação, ou institutos onde trabalhei e tanto os vi contribuírem na pesquisa e na dinâmica institucional.

Por outro lado, se são boas e generosas, as relações pessoais levam a um maior envolvimento: vim à UFMG múltiplas vezes, aqui estagiei durante algumas semanas, aqui participei e ajudei a organizar conferências e cursos internacionais, dei aulas e descobri estudantes altamente promissores, falei com muita gente e aprendi do grande gabarito, humano e científico, de investigadores e docentes; em suma, com o tempo fui ganhando um enorme respeito pelo que se faz na Universidade, pelas suas preocupações, objectivos e realizações. Ou seja, as minhas relações com a UFMG enriqueceram-me muito e, talvez mais ainda, a minha vida pessoal também ganhou, pois confesso que uma grande motivação para vir a Belo Horizonte sempre foi vêr os amigos do peito que aqui tenho.

Com relação ao seu extenso trabalho, o senhor afirma que faz imunologia sem antígenos. Poderia discorrer sobre isso?
Ao longo de uma vida de mais de 40 anos a fazer pesquisa em imunologia, trabalhando em laboratório, muito poucas vezes usei antígenos para estudar o sistema imune. Desde muito cedo, trabalhei com ativação de linfócitos e interessei-me pelos "receptores a mitógenos", que hoje estão muito na moda e são designados por receptores da imunidade "inata"; tais receptores e mecanismos são distintos e independentes dos receptores a antígenos.

Depois, quando me dediquei a estudar a imunologia de infecções, descobri que mais de 90% da resposta do hospedeiro infectado não é específica dos antígenos do micróbio. Enfim, interessei-me, sobretudo, pela fisiologia do sistema imune e descobri uma "actividade interna" muito substancial, que é, naturalmente, independente dos antígenos externos.

Para estes últimos estudos o importante era justamente o contrário: certificarmo-nos de que os animais estavam isentos de qualquer exposição a antígenos externos, tendo de estudar camundongos germ-free alimentados com dietas de baixo peso molecular sem antígenos, para estar certo de que os antígenos externos não contam para essa actividade que representa a fisiologia autoimune. Como vê, nunca precisei de usar antígenos e de os injectar em camundongos. Como dizia um dos meus mestres, se queremos aprender o sistema imune, o que temos de estudar são os anticorpos, não os antígenos. Todavia, isto não quer dizer que a "especificidade" não é relevante no sistema imune: sabemos que a evolução dos vertebrados adoptou uma "estratégia" baseada na enorme diversidade dos receptores ao antígeno e "inventou" mecanismos genéticos verdadeiramente extraordinários para produzir essa diversidade em cada um de nós.

Mais uma coisa que nos interessa a todos, ou a quase todos os imunologistas, é compreender, por exemplo, a "selectividade" das doenças autoimunes: o sistema imune dos diabéticos destrói as células que produzem insulina no pâncreas, mas o dos doentes com esclerose em placas destrói estruturas das células no sistema nervoso.

É possível vislumbrar respostas para essa questão da seletividade das doenças autoimunes?
"Vislumbrar" é sempre possível, e é assim que a ciência funciona e progride; infelizmente, temos muitas propostas, mas poucas ideias boas. Não temos uma teoria coerente e completa, que possa ser directamente testada, sobre a fisiopatologia da autoimunidade. Os pesquisadores vão fazendo milhares de observações em modelos experimentais, os clínicos fazem o seu melhor com os doentes, quase sempre de forma empírica, já que ainda não há conhecimento científico suficiente para nele basear novas estratégias terapêuticas, mas a verdade é que estamos a assistir a uma autêntica epidemia de alergias e doenças autoimunes cuja prevalência não pára de crescer no mundo mais desenvolvido.

E nunca um doente autoimune foi "curado" de facto, quero dizer com terapias racionais dirigidas à origem da doença; vamos cuidando dos sintomas e assim ajudamos os doentes, mas não os curamos.

A que desafios o senhor se propõe hoje, após deixar a direção do ICB?
Felizmente há muitas maneiras de ser útil em ciência, já que os jovens investigadores são muito melhores que eu (e os da minha idade) no laboratório. Mas uma longa experiência pode servir para ajudar no planeamento e na gestão de instituições, em comissões de avaliação, sobretudo no ensino. Os tempos de ensino devem ser ocupados preferencialmente pelos mais velhos, pois os mais jovens têm é de fazer pesquisa, que a fazem melhor.

O ensino já não é a transmissão de informação, esta está disponível para todos a todo o momento: o ensino tem de ser "formativo", com forte componente histórico que sublinhe as figuras exemplares, idealmente por quem viveu essa história directamente (os mais velhos).

Eu deixei de facto a direcção do IGC, pois me pareceu que, após quase 14 anos, não era saudável manter a mesma "filosofia" institucional, por melhores resultados que tivesse dado. A diversidade é a nossa grande riqueza, aprendemos na Biologia. Actualmente, para além de dar aulas na Faculdade de Medicina de Lisboa e nos programas doutorais do Instituto, integro a Comissão Directiva do IGC, passo algum tempo na Fundação Champalimaud, onde pertenço ao Conselho de Curadores; esta Fundação está ainda a começar, mas já adquiriu grande projecção internacional e tem programas de investigação muito activos; sou também coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia junto do Primeiro Ministro, onde passo bastante tempo. Essas coisas de conciliar os interesses da ciência e da tecnologia, com os interesses dos políticos e com os da comunidade científica, sobretudo em tempos de limitações orçamentais, não são simples. Depois continuo a servir em vários conselhos científicos e de avaliação por esse mundo, nomeadamente no Brasil.

Enfim, os meus maiores interesses estão em iniciativas que não tivera tempo de cuidar quando tinha responsabilidades institucionais, mas que estão agora a funcionar muito bem: por um lado, um programa doutoral para os países africanos de língua portuguesa, que o IGC lançou recentemente, apoiado pelos Governos de Portugal e Brasil; trata-se de formar, ao longo dos próximos cinco anos, uma centena de jovens africanos em ciências biológicas e biomédicas, com o mesmo grau de exigência e qualidade que o dos melhores programas internacionais; por outro lado, a implantação em Portugal de uma iniciativa de crowd-funding de base televisiva, dirigida a angariar fundos para a ciência que tem muito sucesso em outros países europeus. O resto do meu tempo passo-o quase todo a ouvir seminários e conferências de ciência, felizmente para a minha saúde mental.

(Ana Rita Araújo / Boletim 1853)

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