Pesquisadores da UFMG acreditam que, neste ano, a internet finalmente será um “fiel de balança” nas eleições brasileiras. “Ela tende a se firmar e, a se manter a tendência atual, será responsável por boa parte dos avanços nas campanhas”, aponta Regina Helena Alves, professora do departamento de História (na foto de Luiza Ananda/UFMG). Ela sugere que o pleito representará um marco não só nas campanhas feitas pelos candidatos, mas também nas discussões a serem empreendidas pela própria sociedade na internet – em especial, nas redes sociais. “A internet começa, no Brasil, a ser mais importante que o próprio horário eleitoral gratuito”, sustenta. Para o professor Carlos d'Andréa, do departamento de Comunicação Social, tal relevância se justifica mais precisamente na interface internet e ruas, e não como atributo isolado da web. “Interesso-me em pensar como as campanhas eleitorais vão ganhar as ruas nos próximos meses. A articulação entre as ruas e as redes é certamente a grande potência desse processo eleitoral”, afirma. Para d'Andréa (na foto de Foca Lisboa/UFMG), também merecem atenção as relações e influências mútuas exercidas entre as mídias sociais e as tradicionais. “O Twitter, por exemplo, tem grande poder de gerar pautas para a imprensa. Quando um político faz uma postagem, isso é tão relevante quanto uma entrevista coletiva. A imprensa repercute a postagem”, diz. Na mão inversa, os debates realizados pelas emissoras de tevê logo repercutem na internet, lembra o professor. Um exemplo é o YouTube, que se torna repositório de trechos em que os candidatos se destacaram – para o bem ou para o mal. “Aqui, a potência também está na soma. Neste caso, na soma entre os diferentes blocos de comunicação, os mais massivos com os mais colaborativos”, diz. Contrapontos “No Brasil, ainda há pouca noção de como trabalhar esses mecanismos online de forma ‘oficial’ e produtiva, com foco na apresentação de propostas. Os sites são duros, pouco efetivos, com pouca interatividade; existem quase que para ‘cumprir tabela’. E nossos marqueteiros não sabem usar as redes sociais”, argumenta Regina Helena. Para ela, a internet tem condições de colocar a sociedade em novo patamar no que diz respeito à participação coletiva nas discussões e decisões políticas, mas esse potencial ainda é subaproveitado. “A internet é um espaço comum das diferenças, assim como as ruas. Mas o debate não acontece no terreno das propostas. Fora isso, o uso das mídias online pelos partidos e políticos brasileiros também segue muito aquém do que acontece em outros lugares do mundo”, diz. O professor Carlos d'Andréa acrescenta: “Concordo que há esse potencial, mas temos de levar em conta que o potencial da internet não é diferente do potencial da vida real. A natureza e o nível dos debates na internet refletem a natureza e o nível dos debates que as pessoas travam fora dela. É preciso lembrar que os assuntos que mais circulam nas conversas cara a cara são marginais, menos importantes”, pondera. Como exemplo, d'Andréa cita a relevância dada ao tema do aborto nas últimas eleições presidenciais. “Claro que é um tema importante. No entanto, o assunto foi alçado a motivo principal naquele ano, quase como um tema único. Era como se as pessoas devessem decidir seu voto por um ou outro candidato exclusivamente em função da opinião dele em relação ao aborto”, lembra o professor. Medo do conflito Para Regina, esse cenário demarca a importância que a internet vem adquirindo no contexto político contemporâneo. “De alguma forma, a internet vem rompendo com esse padrão de ‘medo do debate’. A web tem possibilitado que assuntos brotem. E, quando eles se tornam visíveis – como vimos há algumas semanas com relação do golpe de 64 –, as pessoas se assustam. De repente, a sociedade toma conhecimento de que existem, no meio dela, posicionamentos antagônicos, e que nunca chegaram a um consenso. É fundamental que posições assim fiquem às claras”, diz a professora. Correntes de pesquisadores tendem a apontar a grande mídia como um dos fortes instrumentos mantenedores da interdição do debate organizado e profícuo. Para Regina, o medo e a interdição não são prerrogativas dos grandes grupos de comunicação, mas de uma postura amplamente disseminada na sociedade. Carlos d’Andréa também acredita que a interdição do debate ocorre não por um “ato deliberado” dos veículos de comunicação de massa, mas por um atendimento à demanda da própria sociedade: “É óbvio que esses veículos são muito influentes e têm muito poder de agendar e moldar a pauta. Mas esse poder não me parece absoluto, nem me parece que esse processo acontece apenas vitimando a sociedade". “Se o debate que gostaríamos de ver não acontece, não é só por essa interdição, mas também porque as próprias pessoas buscam manter-se, em sua vida cotidiana, um tanto quanto distantes das questões. Há em nós uma grande indisponibilidade de trabalhar em favor das coisas públicas, comuns”, analisa o professor. Para d’Andréa, trata-se de um traço de “cultura política”, de “crise de modelo” das sociedades modernas e contemporâneas, que tendem a afastar o cidadão das questões relativas ao funcionamento da cidade. “Se, de um lado, existe um ideal de debate que gostaríamos que acontecesse, de outro há desinteresse generalizado da sociedade de acompanhar e participar desse tipo de debate quando ele, de fato, se apresenta", afirma o professor. Tendências “O Twitter continuará sendo um ‘mensageiro’ rápido dos boatos e das campanhas oficiais. No Facebook atuarão os ‘contratados’ com o objetivo de manter polêmicas que, de alguma maneira, afetem negativamente os candidatos adversários. Aplicativos como o WhatsApp também serão usados, especialmente para a formação de grupos de campanha – mas nos moldes empregados pela campanha de Marina [Silva, candidata à presidência pelo PV] em 2010, ou seja, com foco nos correligionários. E o YouTube manterá a sua função de ‘comprovação’, seja no que concerne aos aspectos oficiais das campanhas, seja em relação às ações que visam depreciar os candidatos", resume a professora Regina. Carlos d’Andréa observa uma inflexão no modo de operação das novas redes. “Em uma fase inicial da internet, a conversação política acontecia pelo email, ferramenta de circulação privada, que funciona por meio de caixas restritas. Depois surgiram as caixas públicas, tendo o Facebook como principal representante desse modelo na atualidade. Para esta eleição, no entanto, redes móveis como o WhatsApp poderão fazer uma inflexão novamente em direção às caixas privadas”, sugere o docente do Departamento de Comunicação. Para d’Andréa, o uso de robôs e algoritmos também vai ganhar força neste pleito. “Eles são desenvolvidos com o objetivo de escaldar esses processos comunicativos, fazendo informações circularem com mais eficácia, gerando mais e melhor visibilidade. Também é interessante perceber como os perfis fakes, irônicos, já vêm tendo e terão ainda mais centralidade nesse processo eleitoral. Eles tornarão o debate político mais complexo”, prevê o especialista. Rede impulsionou candidatura de Obama Em seguida, movimentos que explodiram mundo afora nos últimos anos – como os Ocuppy, a Primavera Árabe e as manifestações sociais brasileiras de 2013 – respaldam a ideia de que o ambiente dessas novas tecnologias está se consolidando como espécie de simulacro contemporâneo da ágora grega. “No Brasil”, diz Regina, “vimos o primeiro indício dessa tendência em 2010, com a chamada ‘onda verde’ da Marina Silva. Mas já antes, em 2008 mesmo, houve em Belo Horizonte o caso do deboche virtual feito via YouTube com o candidato [à Prefeitura] Leonardo Quintão. O deboche foi viralizado por email e teve ampla repercussão. Era uma estratégia para eleger um candidato como Marcio Lacerda, que mesmo apoiado por Aécio Neves e Fernando Pimentel, não produzia empatia com o eleitor", exemplifica a historiadora. (Ewerton Martins Ribeiro)
Apesar do potencial da web e das redes sociais, a campanha eleitoral ainda não alcançou, no Brasil, maturidade suficiente para se estabelecer em torno da apresentação de propostas, cenário visto como mais próximo do ideal. Em vez disso, dizem os professores, a atuação dos candidatos e partidos tem se baseado em agressões e na busca por "desconstruir" a imagem dos adversários – com fatos ou factoides.
Regina Helena acredita que o Brasil é um país que tem medo do verdadeiro debate: aquele que poderia conter, em si, alguma inviabilidade de consenso – e, consequentemente, o conflito, a contradição. Com isso a professora explica o apelo popular pelos “debates” da televisão, eventos em que não há um debate de fato, mas um jogo funcional simples, de perguntas e respostas – um jogo de cartas, de alguma forma, marcadas. A professora alerta para a importância de se fomentarem espaços para a realização de debates reais. “É muito importante, pois é justamente o conflito que faz a história se mover”, diz.
Coordenadora do Centro de Convergência das Novas Mídias (CCNM) da UFMG e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para a Web (InWeb), Regina Helena aponta tendências sobre a influência da internet na corrida eleitoral que está se iniciando. Uma delas é a probabilidade de as campanhas usarem linguagem de mídia tradicional nas mídias sociais com o objetivo de causar confusão entre os eleitores e, ao mesmo tempo, emular valores já pactuados pelos meios tradicionais. A perspectiva é de que haja ataques entre os candidatos via veiculação de mensagens falsas, montadas em formatos da mídia tradicional.
A relevância eleitoral da internet foi alavancada pela primeira campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos. O planejamento estratégico de marketing traçado pela equipe do candidato foi decisivo não só para a sua eleição em 2008, mas também nas primárias do ano anterior, em seus esforços para conquistar o posto de candidato do partido Democrata.