Luiza Ananda/UFMG |
Gastos com educação, saúde e alimentação e mudanças radicais na rotina doméstica são fatores que pesam no momento de se decidir ter um filho. Essas questões podem demarcar um hiato entre o número de filhos desejados e a quantidade de filhos gerados por um casal, ocasionando um fenômeno chamado de discrepância da fecundidade. Tal diferença, tanto positiva (mais filhos do que o desejado) quanto negativa (menos filhos do que o desejado), pode levar à queda dos níveis de satisfação do casal com a família constituída. A relação entre esses dois aspectos é investigada pela pesquisadora Angelita Alves de Carvalho na tese de doutorado Insatisfação ou discrepância? Uma análise das preferências de fecundidade e do comportamento reprodutivo de casais de alta escolaridade em Belo Horizonte/MG, desenvolvida no programa de Pós-graduação em Demografia, da Faculdade de Ciências Econômicas, sob orientação das professoras Laura Lídia Rodríguez Wong e Paula Miranda-Ribeiro. O trabalho foi realizado com 31 casais de elevado nível de instrução em Belo Horizonte, grupo que registrou expressiva queda da fecundidade de 1996 a 2006 de acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), coordenada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Ao escolher o tema, Angelita queria compreender a satisfação de fecundidade dos casais e analisar o processo de decisão compartilhada entre os cônjuges e as relações de poder que emergem durante a escolha do número de filhos considerado ideal. “A fecundidade é um tema muito interessante de ser estudado, principalmente no Brasil, onde as taxas estão atingindo níveis baixos em um curto período de tempo. Apesar disso, governos e instituições públicas continuam priorizando discussões e políticas voltadas para mulheres que não têm acesso ao uso de contraceptivos, e pouco tem se pensado sobre aquelas que não conseguem efetivar o número de filhos idealmente desejados”, pontua. Para a pesquisadora, o estudo com casais, de natureza qualitativa, traz um elemento raro para a área da demografia: a opinião do marido sobre fecundidade. Entrevistas com os casais ajudaram a dimensionar a satisfação em relação ao número de filhos tidos e identificar as diferenças entre casos de discrepância daqueles que, de fato, envolviam insatisfação de fecundidade, o que não é possível perceber nas pesquisas quantitativas. “Cada vez mais os homens estão inseridos nas discussões de comportamento reprodutivo. Minha intenção era verificar se o desejo do marido tinha impacto sobre a vontade da esposa e no comportamento do casal; se eles acabavam tendo o número de filhos que o marido queria ou o que a mulher queria ou, ainda, se chegavam a um consenso”, detalha Angelita. A pesquisa também relaciona a alta escolaridade com o adiamento da decisão de ter filhos, o que acaba contribuindo para que as mulheres cheguem ao fim do ciclo reprodutivo com menos filhos do que pretendiam inicialmente. Igualdade e barganha “Naqueles países, o empoderamento da mulher em questões de família, mercado de trabalho e escolaridade é compatível com o dos homens. Se o marido é um cônjuge participativo nas tarefas domésticas e cuidados com os filhos, é provável que ela se sinta muito mais disposta a ter uma próxima criança do que se mantivesse um relacionamento em que a desigualdade de gênero fosse muito grande”, sugere a autora do estudo. No caso brasileiro, a professora optou por estudar casais de alta escolaridade por se colocarem teoricamente na vanguarda em relação a estilo de vida e igualdade de gênero. “Minha intenção era verificar se esses casais daqui já estariam estabelecendo um estilo de convivência conjugal semelhante ao que está consolidado na Europa e como acomodavam os desejos individuais em uma ação conjunta que é ter filhos. No entanto, percebi que, mesmo nesse grupo, formado por casais que declararam vivenciar relações mais equânimes, as mulheres acabam cedendo mais aos desejos dos maridos com relação ao número de filhos”, afirma. Esse tipo de nuance, na visão de Angelita, comprova que é muito difícil aplicar modelos fechados às relações e decisões tomadas pelos casais – é possível, no máximo, apontar tendências de comportamento. “Existe um poder de barganha que é próprio de cada relação. Eu não posso afirmar que é o homem que está pressionando ou a mulher que está optando por essa situação, pois as relações que permeiam a vida dos casais são muito complexas. Afinal, cada vez mais, a decisão de se ter um filho não é tomada apenas por uma das partes”, afirma. Tese: Insatisfação ou discrepância? Uma análise das preferências de fecundidade e do comportamento reprodutivo de casais de alta escolaridade em Belo Horizonte/MG (Paulo Henrique Mauro)
Em outro ponto, a tese aborda como a desigualdade de gênero afeta a concretização das intenções do casal com relação a filhos. Em países como Suíça e Suécia, onde a equidade é maior entre homens e mulheres, inclusive no âmbito familiar, as taxas de fecundidade estão acima da média local.
Autora: Angelita Alves de Carvalho
Orientadora: Laura Lídia Rodríguez Wong
Co-orientadora: Paula Miranda-Ribeiro
Defesa: 18 de fevereiro, no Programa de Pós-graduação em Demografia da Faculdade de Ciências Econômicas