Fabíola de Paula/UFMG |
O processo de urbanização na Amazônia acontece de forma rápida e muito peculiar – em razão das relações com o bioma – e é ainda pouco conhecido. Algumas características que mais chamam a atenção estão relacionadas ao fato de que o desenvolvimento das áreas urbanas que crescem em torno da grande mineração, da pecuária e da cultura da soja possui capacidade limitada de geração de oportunidades e transformações positivas na vida local. Isso não quer dizer, contudo, que a urbanização na Amazônia esteja necessariamente associada à devastação. Os autores, que visitaram municípios no sudeste do Pará – entre Marabá e São Félix do Xingu –, lançam mão dos conceitos de pensadores como Milton Santos, Bertha Becker e Jane Jacobs para propor que se adotem novos paradigmas na tentativa de compreender e buscar soluções para os problemas da Amazônia. “Em vez de apenas retirar árvores e cavar minas para exportar madeira, soja, carne e minérios, em perspectiva baseada na venda de mercadorias conhecidas, commodities, um projeto para a região deve se basear no conhecimento e respeito à biodiversidade. Um caminho possível é a produção com uso sustentável de espécies locais como o açaí, fibras e mesmo condimentos e alimentos raros que podem se associar a atividades como gastronomia, artesanato e formas reguladas de turismo”, explica a economista Sibelle Diniz. Ciência e inovação As peculiaridades regionais podem inspirar não apenas a ciência, mas também iniciativas empresariais. “As exigências de convivência com o clima, por exemplo, poderiam gerar oportunidades de inovação tecnológica e negócios, desde que se levasse a sério a existência de alternativas à solução padronizada do ar-condicionado. Assim como o potencial hidrográfico e o conhecimento local sobre os rios não podem ser ignorados em favor da solução generalizada da construção de estradas”, exemplifica o pesquisador. “Tendemos a usar pacotes tecnológicos prontos, ao invés de desenvolver soluções novas para situações diferentes.” Trabalhadores locais “Fomos ao sudeste do Pará para conhecer mais de perto a realidade em que atuam agricultores familiares, pescadores, extrativistas, trabalhadores que desenvolvem atividades promissoras do ponto de vista da conservação ambiental”, conta Sibelle Diniz. No trabalho de campo, os pesquisadores observaram também o fenômeno da migração de famílias de baixa renda, oriundas de estados como Piauí e Maranhão, que se transferem para áreas de economia dinâmica em função dos investimentos da mineração. “Esses grupos recebem notícias de grandes investimentos e se deslocam à procura de oportunidades. Mas costumam encontrar apenas ocupações precárias. Muitas vezes, atividades que fazem crescer rapidamente o PIB de estados da Amazônia não geram efeitos indutores sobre a economia local”, avalia Sibelle. Os autores utilizam também, em seu artigo, uma adaptação da noção de “trabalho novo” – conceito desenvolvido pela americana Jane Jacobs – à questão da urbanização da Amazônia. Eles apostam na busca constante de novas respostas para problemas conhecidos e de soluções para problemas rotineiros como um possível motor de desenvolvimento. “O trabalho novo nasce principalmente no cotidiano da cidade, e muito frequentemente isso acontece na relação do homem com a natureza. E a Amazônia é repleta de vida e de materiais, um conjunto imprevisível de oportunidades de criação”, comenta Harley Silva. Os pesquisadores contam que encontraram no sudeste do Pará exemplos do esforço de organizações para ajudar as populações locais a aproveitar oportunidades de desenvolvimento. “ONGs, fundações e grupos ligados à religiosidade, como as Comunidades Eclesiais de Base, têm papel fundamental na luta para que povos tradicionais não sejam vítimas do processo, mas protagonistas. Há experiências bem interessantes em que esse apoio promove a inserção protegida nos circuitos econômicos, como as colônias de pescadores e cooperativas de produtores de cacau, por exemplo. Eles ganham consciência de seus direitos e de seu potencial de autotransformação”, explica Harley Silva. (Itamar Rigueira Jr.)
Essa é uma visão limitada, segundo os pesquisadores Harley Silva e Sibelle Diniz, doutorandos em Economia na Face. “O processo de desenvolvimento não acontece sem urbanização. A questão é: de que padrão de urbanização a região precisa? Certamente não é aquele baseado apenas nos megainvestimentos direcionados à economia industrial, nem aquele em que as cidades simplesmente reproduzem padrões de outras regiões do país”, afirma Harley Silva, que assina, com Sibelle Diniz e o professor Roberto Monte-Mór, o artigo O campo cego das alternativas de desenvolvimento no bioma amazônico, que será apresentado no 16º Seminário sobre a Economia Mineira, neste mês, em Diamantina.
A pesquisadora lembra que essa postura demanda um olhar cuidadoso, especialização e sensibilidade. A organização da economia local nessas bases valoriza e aprofunda os conhecimentos das populações tradicionais, como os ribeirinhos e indígenas. “Além de manter a floresta em pé e não depender tanto dos humores do comércio internacional, atividades de base local podem gerar um ambiente de maior justiça social”, acrescenta Harley. A pesquisa integra o projeto UrbisAmazônia – A Natureza do Urbano na Amazônia Contemporânea, que reúne o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade Federal do Pará e a Fiocruz, entre outras instituições.
Um processo de urbanização adequado para a região, segundo os pesquisadores, deve se apropriar das oportunidades oferecidas pela cultura local, por meio da sofisticação e da sistematização do que já existe, e isso significa desenvolver ciência. Harley Silva e Sibelle Diniz lembram, a propósito, que a geógrafa Bertha Becker – que morreu no ano passado e será homenageada durante o Seminário de Diamantina – propunha um sistema de inovação para a Amazônia. “Esse trabalho pode ser feito por universidades e centros de pesquisa da região, principalmente se buscarem cada vez mais ligar-se às especificidades regionais e construir maior conexão com os desafios do bioma amazônico”, comenta Harley.
A abordagem do trabalho de Harley, Sibelle e Monte-Mór se inspira também na ideia dos dois circuitos econômicos gerados pela urbanização dos países subdesenvolvidos, segundo teoria do geógrafo Milton Santos. O circuito superior é de alta intensidade tecnológica, quase sempre destinado à exportação, recebe grandes volumes de investimento e tem grande participação na produção. O circuito inferior, por sua vez, embora articulado com o outro, tem dinâmica própria e envolve muito mais trabalhadores – que em muitos casos atuam de maneira informal –, com pouco acesso a políticas públicas, crédito e apoio técnico.