Doença genética crônica que atinge um em cada 12 mil bebês que nascem no país, a fenilcetonúria (PKU), causada por uma mutação do cromossomo 12, leva à ausência ou deficiência da enzima hepática fenilalanina hidroxilase, que resulta no acúmulo do aminoácido fenilalanina no sangue. Os pacientes precisam aprender a conviver com a doença e com o tratamento – baseado em dieta restrita em proteínas – e não é permitido o consumo de carnes, ovos, leguminosas, leite e derivados. Para entender as dificuldades em aceitar o diagnóstico e manter o tratamento, pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da UFMG entrevistou mães de crianças e equipe multidisciplinar que atua no Ambulatório de Fenilcetonúria do Hospital das Clínicas. “Quando diagnosticado com a doença por meio do teste do pezinho, o bebê é rapidamente encaminhado para o atendimento especializado. Logo no início do tratamento, percebemos que as atividades de toda a família passam a ser centradas na existência da doença, uma vez que são exigidos exames sanguíneos frequentes e deslocamentos constantes dos pacientes e familiares para as consultas”, explica Rosângelis Del Lama Soares, autora da tese Convivendo com a fenilcetonúria: a percepção materna e da equipe multiprofissional. O trabalho foi realizado em duas etapas. Na primeira, foram entrevistadas 14 mães de crianças fenilcetonúricas com idade de dois a seis anos que realizam tratamento no Hospital das Clínicas. Por meio de questionários e entrevistas, a pesquisadora acompanhou o tratamento das crianças, observando como reagiam à dieta e como o tratamento interferia no cotidiano das famílias. No segundo momento, foi estruturado grupo focal com a equipe multidisciplinar do ambulatório, que inclui nutricionistas, médicos, assistente social, auxiliares e servidores técnico-administrativos. “Como o tratamento é centralizado em Belo Horizonte, as crianças vêm de todo o estado. Muitas vezes, a ausência da mãe que sai do interior para trazer o filho acarreta um distanciamento, o que traz problemas para todos os integrantes do núcleo familiar”, diz a pesquisadora. Segundo Rosângelis Del Lama Soares, além das viagens constantes para tratamento na capital, a dieta é o maior obstáculo enfrentado pela família. Como todos os alimentos contêm fenilalanina, e cada paciente possui uma tolerância individual ao aminoácido, toda dieta precisa ser planejada separadamente, processo que mobiliza, além do principal círculo familiar da criança, escola, avós e outros parentes. “Essa criança nasce com expectativa de vida normal, mas com limitações na dieta e um tratamento para o resto da vida. A dificuldade é que, muitas vezes, a mãe consegue controlar bem a dieta dentro de casa, mas o círculo familiar, os avós ou coleguinhas da escola acabam favorecendo transgressões, oferecendo um alimento que a criança não pode ingerir", afirma a pesquisadora. Assintomática O recomendado é que as crianças com suspeita diagnóstica iniciem o tratamento com até 21 dias de vida. Nos primeiros seis meses, o bebê é identificado com um diagnóstico provisório, de “provável fenilcetonúria”. Em seguida, é realizado um teste de sobrecarga para precisar o tipo de hiperfenilalaninemia que apresenta. É fundamental que a doença seja identificada durante a triagem neonatal e o tratamento, iniciado imediatamente. Caso contrário, os sintomas clínicos da doença aparecerão do terceiro ao sexto mês de vida, e as sequelas instaladas já serão definitivas. Para Rosângelis Soares, a pesquisa é importante para divulgar a doença, ainda pouco conhecida e que pode atingir qualquer pessoa, independentemente da classe social ou sexo. “Existem mais de 300 pacientes em tratamento em Minas Gerais e, considerando a incidência da doença, estima-se que, a cada mês, um novo caso seja diagnosticado no estado. Precisamos divulgar a fenilcetonúria para ampliar a compreensão da doença e as possibilidades de adaptação do fenilcetonúrico a seu meio”, defende a autora. Tese: Convivendo com a fenilcetonúria: a percepção materna e da equipe multiprofissional (Luana Macieira)
É grande a dificuldade para aceitar a fenilcetonúria e combatê-la de forma disciplinada. Quando recebe o diagnóstico e começa a ser tratada nos primeiros dias de vida, a criança não apresenta sintomas, o que pode levar familiares a acharem que ela nunca esteve doente. “De modo geral, as pessoas, por falta de esclarecimento, podem, ao ver que a criança se desenvolve normalmente, querer dar a ela algum alimento proibido. Como ocorre com qualquer enfermidade crônica, constata-se uma dificuldade em aceitar o diagnóstico. Caso a doença não seja identificada e tratada precocemente, a sequela mais grave é o retardo mental”, afirma Rosângelis Del Lama Soares.
Autora: Rosângelis Del Lama Soares
Orientador: Marcos José Burle de Aguiar
Coorientadora: Lúcia Maria Horta Figueiredo Goulart
Defendida no Programa Saúde da Criança e do Adolescente, na Faculdade de Medicina da UFMG, em 27 de maio de 2014