Universidade Federal de Minas Gerais

Ivone Perez
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Marilena Chauí: onipresença da tecnologia e críticas à "universidade operacional"

‘A universidade está se transformando em uma organização’, analisa a filósofa Marilena Chauí

sexta-feira, 10 de outubro de 2014, às 12h25

A compressão do espaço e do tempo provocada pelo avanço das novas tecnologias pode interferir de forma decisiva na construção do pensamento, nas artes e na política. Algumas das implicações, filosóficas e políticas, da onipresença da tecnologia na vida contemporânea serão tema de conferência da professora e filósofa Marilena Chauí durante a abertura da Semana do Conhecimento. O evento será na próxima segunda, 13, às 9h, no Auditório da Reitoria, no campus Pampulha.

Além do impacto filosófico dessa forte presença tecnológica, a professora da USP também vai abordar “a mudança do paradigma do conhecimento científico com a introdução do conceito de informação” e a “contradição entre a democratização da informação com as redes sociais e o risco trazido pela internet de vivermos nosso cotidiano numa sociedade da vigilância e do controle”.

Em entrevista por e-mail concedida ao Portal UFMG, Marilena Chauí falou sobre as críticas que faz ao que chama de “universidade operacional”. Para ela, a prática da administração tem transformado a Universidade em uma organização, anulando seu caráter de instituição social. Esse novo perfil, segundo a professora, afeta também a qualidade da pesquisa e da docência, comprometendo sua função primordial: a formação.

Em conferência na abertura da Semana do Conhecimento, a senhora vai abordar a tecnologia e sua onipresença na contemporaneidade. Como enxerga esse fenômeno e suas implicações filosóficas e políticas na vida cotidiana?
Vou abordar a questão sob três perspectivas: a mudança do paradigma do conhecimento científico com a introdução do conceito de informação; a contradição entre a democratização da informação com as redes sociais e o risco trazido pela internet de vivermos em uma sociedade da vigilância e do controle, uma vez que duas agências – uma nos Estados Unidos e outra no Japão – têm o controle de senhas e endereços em escala planetária; e, filosoficamente, os problemas trazidos para o pensamento, as artes e a política pela compressão do espaço e do tempo produzida pelas novas tecnologias.

Em recente aula magna na USP, a senhora fez críticas ao que chama de “universidade operacional”. Como definiria esse modelo de universidade?
A universidade operacional é fruto da hegemonia da prática contemporânea da administração, que parte de dois pressupostos: o de que toda dimensão da realidade social é equivalente a qualquer outra e por esse motivo é administrável de fato e de direito, e o de que os princípios administrativos são os mesmos em toda parte porque todas as manifestações sociais, sendo equivalentes, são regidas pelas mesmas regras. Em outras palavras, a administração é percebida e praticada segundo um conjunto de normas gerais desprovidas de conteúdo particular e que, por seu formalismo, são aplicáveis a todas as manifestações sociais. Trata-se da ideia de que é possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios com que se administra uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados.

E como isso interfere na universidade?
Esse processo anula a ideia de que a universidade é uma instituição social e a transforma numa organização, uma entidade isolada cujo sucesso e cuja eficácia se mede pela gestão de recursos e estratégias de desempenho para a obtenção de um objetivo particular e localizado, e cuja articulação com outras organizações se dá por meio da competição. Uma instituição social tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares. No Brasil, a passagem da universidade da condição de instituição à de organização ocorreu em três fases sucessivas.

A senhora poderia detalhar essas fases?
A primeira foi a universidade funcional, dos anos 70, prêmio de consolação que a ditadura ofereceu à sua base de sustentação político-ideológica, isto é, à classe média despojada de poder e à qual foram prometidos prestígio e ascensão social por meio do diploma universitário, a universidade por isso se voltando para a produção rápida de profissionais requisitados como mão de obra altamente qualificada para o mercado de trabalho. A segunda foi a universidade de resultados, dos anos 80, trazendo duas novidades: 1) a expansão para o ensino superior da presença crescente das escolas privadas, encarregadas de continuar alimentando o sonho social da classe média; 2) a ideologia do produtivismo com a introdução de parcerias entre a universidade pública e as empresas privadas, que se tornaram o modelo universitário. Finalmente, na terceira etapa, surge a universidade operacional de nossos dias, que difere das formas anteriores. De fato, a universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho, e a universidade, de resultados para as empresas, mas a universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, não se relaciona com a sociedade, mas apenas consigo mesma. Como organização, é definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, pulverizada em micro-organizações que ocupam todo o tempo de seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual.

Como ficam a docência e a pesquisa nesse contexto?
A docência é entendida como transmissão rápida de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os estudantes, de preferência ricos em ilustrações e digitalizados. A docência é pensada como habilitação rápida para graduados, que precisam entrar rapidamente num mercado de trabalho do qual serão expulsos em poucos anos, pois se tornam, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis. Desaparece, portanto, a marca essencial da docência: a formação. Quanto à pesquisa, sabemos que, numa organização, uma “pesquisa” é uma estratégia de intervenção e de controle de meios ou instrumentos para a consecução de um objetivo delimitado; é um survey de problemas, dificuldades e obstáculos para a realização do objetivo e um cálculo de meios para soluções parciais e locais para problemas e obstáculos locais; não é conhecimento de alguma coisa, mas posse de instrumentos para intervir e controlar alguma coisa ou situação; a atividade cognitiva não tem como nem por que realizar-se. Em contrapartida, no jogo estratégico da competição no mercado, a organização se mantém e se firma se for capaz de propor áreas de problemas, dificuldades, obstáculos sempre novos, o que é feito pela fragmentação de antigos problemas em novíssimos microproblemas, sobre os quais o controle parece ser cada vez maior. A fragmentação, condição de sobrevida da organização, torna-se real e propõe a especialização em grau máximo como estratégia principal. É evidente que a avaliação desse trabalho só pode ser feita em termos compreensíveis para uma organização, isto é, em termos de custo-benefício, pautada pela ideia de produtividade, que avalia em quanto tempo, com que custo e quanto foi produzido. Desaparece, na universidade operacional, a concepção da pesquisa como investigação de algo que nos lança na interrogação, que nos pede atitude reflexiva, crítica e de enfrentamento diante do instituído, da descoberta, da invenção e criação. Se por pesquisa entendermos o trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito; se por pesquisa entendermos uma visão compreensiva de totalidades e sínteses abertas que suscitam a interrogação e a busca.

Por outro lado, parte da universidade brasileira – o sistema federal, por exemplo, e algumas estaduais – parece caminhar em direção à inclusão (cotas, Sisu e o próprio crescimento da população universitária). Como a senhora vê a coexistência entre esses dois modelos de universidade?
Estamos diante da contradição entre a universidade operacional, estruturada pelo projeto político neoliberal, e a universidade pública de qualidade como direito do cidadão, defendida pelo projeto político das esquerdas. Um dos pontos centrais na ação política dos governos de Fernando Henrique Cardoso foi a de “modernização”, entendida como transformação dos direitos sociais – educação, saúde, habitação, transporte, cultura – em serviços não estatais, isto é, a privatização dos direitos. Um direito social deve ser garantido pelo Estado, por meio de investimentos que assegurem e ampliem esse direito para todos os cidadãos; um serviço é algo que se compra e vende no mercado e, portanto, além de ser privado, funda-se na ideia de privilégio, uma vez que somente alguns poderão ter acesso a tais serviços. Muito já foi feito para desmontar a privatização e o privilégio, mas muito ainda precisa ser feito. Não podemos permitir uma regressão neoliberal no Brasil.

Como a senhora vê a qualidade do debate político na atual campanha eleitoral? Que impacto a consolidação de uma nova arena – a internet – tem sobre esse debate?
Sobre a internet, falarei na minha conferência. Quanto à qualidade do debate do político na atual campanha eleitoral não há, aqui, espaço suficiente para tudo que eu gostaria de dizer...

(Hugo Rafael)

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