Arroz, feijão, farinha de trigo, fubá, óleo, sulfato ferroso (para combater a anemia) e as vitaminas A (que protege as mucosas) e B12 (boa para os ossos, o sistema nervoso central e contra a anemia). Num belo dia do fim da década de 1980, Munir Chamone acordou com essa lista de ingredientes na cabeça. Professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, ele pensava em estudar o comportamento do sistema imunológico em crianças desnutridas e, para promover a renutrição, procurava “um alimento que contivesse tudo”. Estava criado o pão forte – o nome surgiu junto com a fórmula –, responsável pela primeira patente obtida por pesquisa realizada na Universidade. O pão forte, que teve seus primeiros 200 quilos fabricados na casa do próprio Munir, é produzido, sem interrupção, há 25 anos e já chegou a beneficiar 13 mil crianças em Minas Gerais. Por sua contribuição, Munir Chamone, que tem 70 anos e está aposentado há cerca de uma década, será homenageado nesta terça, 14 (às 14h30, no auditório da Reitoria). Será mais uma forma de reconhecer o valor do alimento especial, que já foi objeto de acordo de cooperação com Gana e Nigéria e estampou, em 1997, selo comemorativo dos 70 anos da UFMG. Cerca de uma década depois de criar a fórmula, Munir Chamone comprou uma casa no bairro Tijuca, em Contagem, e até hoje participa da produção da mistura, com a ajuda da fiel escudeira Sonia de Souza. Graças ao apoio do Instituto de Cidadania dos Empregados do BDMG (Indec), o pão forte chega a quase mil crianças de comunidades de Santa Luzia, Comercinho e Sabinópolis – nesta última cidade, o alimento é feito na própria comunidade. Ele costuma dizer que, além de nutrir, o pão forte tem a função, tão ou mais importante, de educar. “Ele ensina a montar uma refeição completa. A combinação de feijão, arroz, fubá, milho e trigo se transforma em massa muscular, enquanto o óleo ‘distrai’ o metabolismo”, explica Munir. “Juntar cereais e leguminosas é o segredo. Não por acaso, os povos antigos baseavam sua alimentação em duplas como arroz e soja, na Ásia, lentilha e trigo, na Europa, e feijão e milho, nas Américas.” ‘A rua é um laboratório vivo’ O pão forte foi criado e começou a ser distribuído quando Munir Chamone coordenava o Centro de Educação em Saúde (CES), projeto de extensão que, segundo ele, não tinha cunho assistencialista. “O objetivo foi sempre gerar conhecimentos e transferir tecnologias para locais onde era possível formar recursos humanos para solução dos problemas”, afirma o professor. Odete Ferreira de Amorim, professora aposentada da Escola de Enfermagem, que foi subcoordenadora do CES durante oito anos – quando conduziu, entre outros, trabalho pioneiro com idosos em Contagem –, comenta que a experiência foi gratificante e exitosa, “para nós, para os alunos e para as comunidades”. Ela gosta de lembrar que o pão forte foi a solução encontrada por Chamone para viabilizar o trabalho de nutrição realizado por mães e merendeiras. “Ele percebeu a dificuldade e a falta de tempo das pessoas para processar os ingredientes. A fórmula do pão forte foi resultado da soma de conhecimento e sensibilidade de um pesquisador dedicado e ser humano exemplar, que se recusou a vender seu invento”, ressalta Odete Amorim. Casado, com três filhos e sete netos, Munir Chamone ainda colabora em pesquisa sobre a esquistossomose – com o professor Alan Lane de Melo, no ICB – e cumpre a rotina de sair três vezes por semana da Barroca, onde mora, para Contagem. O ex-esportista – ele praticou várias modalidades e lutou judô por 48 anos – convive hoje com a rigidez muscular provocada pelo Mal de Parkinson e com lesão na coluna lombar – que se deve, ele suspeita, à operação durante tanto tempo da máquina, antes manual, que faz a mistura do pão forte. E conserva intocada a lucidez de quem, já por volta dos 60 anos, tomou a iniciativa de procurar as autoridades de trânsito para reconhecer que não se sentia mais em condições de dirigir com total segurança. (Itamar Rigueira Jr.)
Neto de oficial do exército libanês, Munir Chamone nasceu em Conselheiro Lafaiete, mas passou parte da juventude em Florianópolis, para onde a família se mudou em razão do trabalho do pai, bancário. Já no ginásio, ele demonstrava interesse especial pelas experiências nas aulas de biologia. E na época da graduação, fazia estágios de férias na Faculdade de Medicina, com os professores Enio Cardillo Vieira e Vilmar Dias da Silva. De volta a BH, cursou pós-graduação em bioquímica e começou a lecionar imunologia.
Mas por que um imunologista acabou inventando um alimento especial? – muitos se perguntavam. “É estranho mesmo”, ele admite. A explicação está em sua trajetória. Antes do pão forte, Munir se envolveu em projeto de hidratação oral com soro caseiro na região metropolitana, no qual as mães eram treinadas para cuidar das crianças. “Mais de duas mil crianças deixaram de ser internadas em um ano”, ele conta, ainda entusiasmado. E se impressionava com histórias de famílias que conviviam com barbeiros nos colchões e de crianças que catavam feijão no esgoto. “O professor se aperfeiçoa quando vai para a rua, que é um laboratório vivo”, garante Munir Chamone.