Hugo Rafael/UFMG |
Para que a Universidade avance em relação à temática étnico-racial, é preciso que toda a comunidade se envolva na discussão, defendeu o professor e pesquisador Evandro Passos Xavier, em mesa dedicada ao tema, na manhã desta quinta-feira, 23, no auditório da Reitoria. Na abertura da conferência, que faz parte da programação da Semana do Servidor da UFMG, a pró-reitora adjunta de Recursos Humanos, Leonor Gonçalves, coordenadora do evento, lembrou que a discussão é mais um passo para promover a inclusão e o desenvolvimento de políticas afirmativas na Universidade, temáticas que orientam a programação desta edição da Semana do Servidor. “Essas discussões não são nada simples. São complexas e difíceis. A programação desta Semana foi preparada justamente para conversar com as pessoas que desejam se envolver no desenvolvimento de políticas afirmativas para propiciar inclusão das minorias na sociedade. Sabemos que o processo é vagaroso; começa com quem percebe essa necessidade e está disposto a se envolver. Com o passar do tempo, vamos conseguir levar essas ideias para o conjunto da Universidade”, defendeu Leonor. Yone Gonzaga, servidora da Faculdade de Odontologia, reforçou que é preciso discutir essa temática de forma constante. “Falamos disso em eventos pontuais e nos esquecemos ao longo do ano. Espero que a discussão de hoje inicie algo que perdure e que não se restrinja apenas à Semana do Servidor”, afirmou ela, que é pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG e desenvolve trabalhos de inclusão étnico-racial em universidades públicas brasileiras. Desconstruir o mito Segundo o pesquisador, a sociedade precisa se engajar mais nesse tipo de discussão. “Precisamos desconstruir a ideia de que quem vai discutir a temática do negro é apenas o negro. Quem deve discutir é a sociedade brasileira. De outra forma, o país não vai avançar”, afirmou. A opinião do professor é compartilhada por Yone Gonzaga. “A gente não reflete sobre a construção da identidade branca. Foi desenvolvida uma lógica de pensamento que menospreza as raízes africanas. É por isso que, quando se debatem questões étnico-raciais, a maioria da plateia é formada por negros. Ao mesmo tempo, há uma construção positiva das raízes culturais europeias”, defendeu Yone. Para ela, é por isso que a participação do negro é majoritária nesses debates, uma vez que é ele quem, no atual contexto social, precisa buscar seu lugar na sociedade. Herança africana e a mídia Durante seu trabalho de mestrado, Evandro se debruçou sobre a autoestima de jovens e adolescentes negros da periferia por meio da dança. “Escolhi viajar para a África porque a influência afro-brasileira é muito forte em Diamantina, minha cidade”, contou. Em sua pesquisa, buscou entender a reconstrução da identidade do jovem negro por meio da cultura. “Quando se fala em dança, a primeira coisa que vem à cabeça é a dança clássica”, lembrou o pesquisador, que ressaltou que os padrões físicos exigidos para a dança geram sequelas naqueles não aceitos pelos padrões impostos. Para lutar contra esse padrão, ele criou a Companhia Bataca (nome que significa ritmo dos tambores), cuja proposta é incluir todos os interessados, não sendo exclusiva aos jovens negros. Evandro Xavier também criticou a imagem que a mídia constrói do continente africano. “A mídia vende uma impressão terrível da África e era essa a minha expectativa quando fui à Costa do Marfim. Chegando lá, tive uma surpresa. Deparei com uma mini-Paris”, destacou. Servidores técnico-administrativos negros na UFMG Uma das perguntas propostas por Yone é se a diversidade étnico-racial interrogaria a gestão universitária. “Os resultados da minha pesquisa mostram que sim, mas, quando isso ocorre, a Universidade silencia”, respondeu. “Precisamos pensar em processos emancipatórios dentro do espaço universitário”, defendeu a servidora. A pouca presença de negros nos cargos de chefia foi outro ponto levantado durante a conferência. Segundo Yone, essas posições ainda são ocupadas majoritariamente por pessoas brancas. Por meio de questionários que aplicou para o mestrado, ela constatou que os grupos pretos e pardos (denominações utilizadas pelo IBGE) possuem menor grau de escolaridade e estudaram mais em escolas públicas que os brancos. “Notamos também que aqueles que respondiam que já haviam tido chefias negras precisavam destacar a competência dessas pessoas. Como se a competência não fosse um atributo natural em pessoas negras”, destacou. Os palestrantes Yone Gonzaga é servidora do quadro técnico-administrativo da Faculdade de Odontologia da UFMG. Possui mestrado em Educação e atualmente é aluna de doutorado. É pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG. A Semana As atividades da Semana do Servidor da UFMG 2014 vão até sábado, 25.
O professor Evandro Xavier defendeu que ainda é preciso avançar muito no Brasil em relação à inclusão e ao combate do preconceito e da discriminação racial. “Primeiramente, é preciso romper com o mito da democracia racial. O Brasil não é um país harmônico e nunca foi”, afirmou Xavier, que é professor da Universidade Federal de São João del-Rei.
Com uma bolsa financiada pela Unesco, Evandro Xavier passou três meses na Costa do Marfim. “Queria trabalhar com a herança africana na sociedade brasileira”, explicou. Durante a experiência, ele levou conhecimentos da cultura afro-brasileira e aprendeu a cultura tradicional dos marfinenses. “A cultura afro não se resume a dança, música e religião”, pontuou o pesquisador.
O percurso do servidor técnico-administrativo na Universidade foi objeto do estudo de mestrado de Yone, que, desde a década de 80, milita em grupos que lutam pela igualdade racial. “Discutir essa temática passa pelas minhas origens”, ressaltou a pesquisadora, para quem a UFMG ainda precisa avançar. “A Universidade caminha de forma mais lenta do que se espera quando as questões sobre temática étnico-racial se apresentam”, destacou.
Evandro Xavier é graduado em Comunicação Social pela UFMG e possui mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Estadual Paulista. Foi servidor técnico-administrativo da UFMG na década de 1980 e pediu exoneração para viagem de três meses à Costa do Marfim, financiada por meio de bolsa da Unesco.
A inclusão de pessoas com deficiência é o tema de conferência nesta tarde, às 14h, no auditório da Reitoria. A programação vai contar com relatos de experiências relativas à UFMG. Das 17h às 18h, a Praça de Serviços recebe apresentação de dança do Projeto Ginástica no CEU.