Universidade Federal de Minas Gerais

Luiza Ananda/UFMG
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Shirley Miranda: "O corpo negro, por si só, é um discurso"

'É preciso aprofundar o debate sobre a permanência dos estudantes negros na Universidade', defende pesquisadora do programa Ações Afirmativas

quinta-feira, 20 de novembro de 2014, às 16h21

Qualificar a permanência dos estudantes negros é um dos principais desafios enfrentados pela Universidade em sua política de inclusão, na avaliação da professora Shirley Aparecida de Miranda, da Faculdade de Educação e pesquisadora do Programa Ações Afirmativas.

“É comum que o estudante negro e pobre não se insira em iniciativas de pesquisa ou extensão, o que acarreta uma passagem menos proveitosa pela Universidade”, afirma ela, destacando que a UFMG vem tentando suprir essa defasagem por meio da participação em editais federais que envolvem programas de mobilidade acadêmica e preparação para ingresso no mestrado.

Nesta entrevista ao Portal UFMG, concedida durante a Semana da Consciência Negra, Shirley Miranda falou ainda sobre o racismo no Brasil – “que não será combatido se o infrator for escamoteado e o fato, silenciado” – e sobre a necessidade de se mudar a representação e o lugar social historicamente atribuídos aos negros. “A política de cotas ainda não teve efeito contundente sobre isso, o que perpetua a presunção de lugares sociais subalternos para os negros. Se quisermos alterar as relações na sociedade, precisamos alterar as posições sociais”, defende a professora, graduada em Filosofia pela PUC Minas e mestre e doutora em Educação pela UFMG.

A discriminação étnico-racial ainda é um desafio para a UFMG?
Essa questão não está resolvida na UFMG, tampouco no Brasil. Somos uma sociedade racista que custou muito a se reconhecer como tal. A democracia racial é um mito, não tem concretude, muito embora a afirmação de que ‘somos todos brasileiros e não há diferença racial’ esteja impregnada na mentalidade dos brasileiros e em nossas relações. E foi justamente isso que nos afastou da possibilidade de uma convivência com a pluralidade étnico-racial.

Mas não há avanços?
O episódio do trote racista [praticado na Faculdade de Direito em março de 2013 e que resultou na punição dos envolvidos] mostra que, em alguma medida, houve mudança. Em geral, na sociedade brasileira, também pudemos identificar algum avanço nas últimas décadas. O próprio fato de se admitir que existe racismo na sociedade brasileira – embora os indivíduos não se reconheçam como racistas – também é uma evolução, porque conseguimos, pelo menos, tratar do assunto. O caso do trote racista fornece alguns elementos que ajudam a entender em que medida há resistência na qualificação desses eventos. O episódio demandou um processo administrativo longo, mas, pela primeira vez, a Instituição tomou uma posição. Isso sinaliza que a prática racista não vai ser tolerada aqui.

A sociedade costuma se omitir diante de algumas sutilezas...
Sim, mas o racismo não será combatido se o infrator for escamoteado e o fato, silenciado. A sociedade interpreta atos de racismo como não intencionais, ou considera exageradas as queixas de racismo. Isso torna o ato extremamente difícil de se qualificar, o que leva à omissão e silencia as vítimas. Na medida em que os fatos são apurados, ocorre um deslocamento. Temos assistido a episódios no Brasil que são muito conservadores, racistas. Na campanha eleitoral de 2014, por exemplo, vieram à tona vários aspectos que nos levam a concluir que ainda temos muito a avançar.

Como avalia a inserção dos alunos negros na UFMG? O que ainda precisa ser feito?
É preciso dar visibilidade à presença dos estudantes negros, o que não quer dizer que os negros sejam invisíveis. Aliás, o corpo negro, por si só, é um discurso. Onde entra uma pessoa negra, emerge também uma série de representações sobre seu lugar social, origem e potencial; tudo isso fala antes que a pessoa se apresente. Mas urge promover o entendimento de que os negros são nossos estudantes. Recebemos na UFMG muitos alunos africanos – a maioria de famílias da elite, que sai para estudar fora. Por serem negros, são vistos como moradores de favela ou confundidos com trabalhadores dos setores mais subalternos. É assim que a representação funciona. Os africanos aprendem rapidamente como é o preconceito racial no Brasil, algo com que eles não convivem no país de origem. Outro avanço necessário diz respeito aos cursos em que se enquadra a população negra na UFMG. Embora hoje tenhamos no câmpus mais alunos pobres e do interior do país, o número de estudantes negros nos cursos de alto prestígio não cresceu. A política de cotas ainda não teve efeito contundente sobre isso, o que perpetua a presunção de lugares sociais subalternos para os negros. Se quisermos alterar as relações na sociedade, precisamos alterar as posições sociais.

Como a Universidade tem enfrentado o problema?
Estamos participando de editais lançados pelo governo federal, que envolvem mobilidade acadêmica e preparação de estudantes para ingresso no mestrado. É comum que o estudante negro e pobre não se insira em programas de pesquisa ou extensão, o que acarreta uma passagem menos proveitosa pela Universidade. Estamos há muito tempo discutindo o ingresso dos negros, agora é necessário aprofundar o debate sobre a permanência. Os programas que qualificam a permanência constituem o próximo passo.

Que balanço a senhora faz do Programa de Ações Afirmativas da UFMG, criado em 2002? Na época, a proposta estava centrada em quatro linhas: ações na UFMG, na pós-graduação, na pesquisa e na relação com a educação básica. Doze anos depois, ele se mantém fiel à proposta original?
Continuamos desenvolvendo ações em todas essas vertentes. Temos um grupo cadastrado no CNPq, o Núcleo de Estudos sobre Relações Raciais (Nera), uma espécie de braço de pesquisa do Programa Ações Afirmativas. Seus estudos estão concentrados em três eixos: educação e movimentos sociais negros; ações afirmativas no Brasil; e educação escolar quilombola. Os estudantes estão inseridos em vários programas de pesquisas e extensão. Hoje temos alunos de muitos cursos desenvolvendo atividades de aprofundamento acadêmico. No grupo de estudos, prezamos pela inserção qualificada, discutimos leitura e produção de texto acadêmico, encaminhamento de pôsteres e proposta de comunicação para congressos. Desenvolvemos, em convênio com a Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) e com o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet), um programa piloto [que deu origem ao programa Abdias Nascimento, do Governo Federal] de preparação de estudantes para o ingresso no mestrado. Em três anos, cerca de 50 estudantes do programa foram aprovados na pós-graduação. Isso representa uma tentativa de construção da presença negra na intelectualidade brasileira.

Houve mudanças significativas na prática escolar após aprovação da Lei 10.639/03, que define a inclusão do ensino de história e da cultura afro-brasileiras nos currículos?
A temática já avançou bastante, muitas escolas têm projetos e reflexões em torno da aplicação da lei. Mas percebemos também alguns limites. A compreensão, no Brasil, sobre história da África é muito restrita, não chega à contemporaneidade. Ela para no período da colonização, o que repercute no conteúdo com o qual trabalhamos: a história da África no Brasil, que alcança somente a abolição. É preciso revisar como esse estudo é produzido e chega até nós. Por isso, damos ênfase à cultura e história afro-brasileiras. Procuramos formar professores alinhados com o que determina a lei e entendemos que ela não deve ser aplicada somente aos cursos de educação, letras e história. A proposta é que todos os cursos trabalhem com a temática das relações raciais. Estamos esboçando uma proposta de formação complementar para estudantes de todas as áreas. Temos, inclusive, um levantamento das disciplinas existentes em outros cursos da UFMG que tematizam a questão racial. É importante oferecer uma formação interdisciplinar e transversal.

Como a senhora avalia as relações de poder e saber no contexto das políticas educacionais, principalmente na educação quilombola?
Alguns conhecimentos gerados fora da universidade não são devidamente considerados como saber. Por estarem fora do âmbito acadêmico, não se situam na mesma instância de poder. Isso vale para a arte, para a política, para a matemática e para qualquer produto do conhecimento. É fruto de uma longa trajetória epistemológica e política. Existem critérios consolidados de cientificidade que descrevem hierarquias de conhecimento e de poder na sociedade. No entanto, é válido pensar nas oportunidades de traçar alguma relação entre o conhecimento acadêmico e o saber específico de alguns povos. O desafio é entender os saberes na dimensão da sua construção e não a partir do que classificamos como conhecimento. Precisamos avançar nas relações interculturais, tendo em vista que elas também são de poder. Se chego como professora em uma aldeia, sou vista socialmente como branca. Isso nos coloca em situações desiguais de poder.

(Matheus Espíndola)

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