Universidade Federal de Minas Gerais

Foca Lisboa/UFMG
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Crise hídrica não é problema estritamente humano, é também ambiental, defende o ecólogo Francisco Barbosa

‘Água e outros recursos naturais não estão aqui para servir a nós exclusivamente’, afirma professor da UFMG signatário da Carta de São Paulo

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014, às 11h00

2014 ia ser o ano da Copa no Brasil, mas acabou se transformando no ano da água, ou melhor: da falta dela. A crise hídrica brasileira alcançou proporções não imaginadas, e é isso o que causa espanto: os governantes não “imaginaram” o problema – se imaginaram, não conseguiram nem minimamente se antecipar a ele, tampouco estão conseguindo gerenciá-lo.

Sobre esse tema, a Academia Brasileira de Ciências tornou pública na última semana a Carta de São Paulo, da qual Francisco Antonio Rodrigues Barbosa, coordenador do curso de especialização em Gerenciamento Municipal de Recursos Hídricos do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), é signatário.

No documento, a comunidade científica brasileira especializada no tema compila suas constatações e faz recomendações aos governantes sobre quais ações precisam ser tomadas para que o problema seja solucionado e não volte a se repetir. “Só alertar não basta, então, no documento, apresentamos soluções de curto, médio e longo prazo para a crise da água no Sudeste do Brasil. O objetivo é alertar os tomadores de decisão sobre a gravidade do problema. Ele é muito mais sério do que talvez se esteja imaginando”, adverte.

Francisco alerta que se não houver uma real mudança de postura entre os tomadores de decisões e a sociedade, o problema vai se agravar. “São Paulo é um exemplo urgente, mas também emblemático: estamos falando da maior cidade brasileira. O que está acontecendo lá é símbolo de um problema muito mais amplo, que acomete outros lugares do Brasil e do mundo. O problema é de governança da água”, diz o professor.

Em entrevista ao Portal UFMG, Francisco falou sobre os principais pontos expostos na Carta de São Paulo e nas soluções que ela propõe para esta que já se configura como a maior crise de água de toda a história brasileira (o Sistema Cantareira continua baixando; seu nível chegou a 6,9% nesta quinta, 18). Além das soluções de curto prazo, Francisco também analisa algumas medidas de médio e longo prazo listadas na carta para lidar com o problema de forma ampla. “A água é um recurso renovável, reciclável, mas a gente confunde isso com inesgotável. A água não é inesgotável”, alerta o especialista. Confira as opiniões do professor.

Governança da água
Essa é uma expressão relativamente recente, que veio para ampliar o que antes se chamava de gerenciamento, de gestão. Praticar a governança da água pressupõe geri-la em diferentes níveis de atuação: local, regional, nacional, internacional. Praticar a governança da água pressupõe estabelecer o diálogo entre as diferentes visões: a da ecologia, a da engenharia, a das ciências sociais, a da economia. Então estamos falando em uma mudança completa na gestão dos recursos hídricos, de forma a considerar a água o item a ser mais bem cuidado pelo poder público.

Delimitação de responsabilidades
E é preciso delimitar as responsabilidades, definir quem faz o quê. Na carta, afirmamos que hoje temos um sistema fragmentado, em que muito se discute sobre “quem manda” nos recursos hídricos e pouco se decide sobre o que fazer. Não se chega a um consenso sobre quem tem a responsabilidade de realizar o que quer que tenha sido decidido. Isso precisa mudar.

Mudança climática...
Em 2014, tivemos pouca chuva: o volume do ano será no mínimo 25% menor que a média histórica. Provavelmente, essa limitação meteorológica é resultado de uma mudança climática maior. Assim, não adianta esperar que chova onde se quer. Precisamos nos adaptar a essa nova realidade de limitações climáticas. O Sudeste depende das chuvas da Amazônia, do Nordeste, e a previsão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é que lá vá chover menos no próximo ano. Teremos tempestades mais frequentes, mas o volume geral de chuvas será menor. Então, temos de nos adaptar a isso e encontrar soluções para esse cenário, em vez de ficar lamentando a ausência de chuvas.

...pede uma mudança de cultura
A verdade é que nós não cuidamos bem dos recursos naturais, e isso precisa mudar. Temos o péssimo hábito de achar que a natureza existe para nos servir. Fazemos dela o que a gente quer, na hora que a gente quer, do jeito que a gente quer. Essa nossa visão antropocêntrica tem de mudar. Os recursos naturais não estão aqui para servir a nós exclusivamente. Então a gente não pode achar que tem direito a tudo. Todas as outras espécies dependem dos mesmos recursos que nós, a começar pela água. E nós dependemos da saúde das demais espécies.

Precisamos de florestas
Existe uma associação muito clara entre as florestas e a produção de água. Não é que as florestas façam brotar água. Mas elas conservam a água no solo. Assim, reduzir as áreas de floresta é expor o solo e as nascentes. O exemplo de São Paulo só comprova essa relação. Temos de pensar em formas de fazer a manutenção das nossas florestas. Não só no Norte e no Nordeste, mas também no Sudeste.

Ou seja: é preciso repensar as cidades
Hoje, 50% da população do mundo vive em cidades. Em 2050, a previsão é que 75% da população do mundo viva em cidades. Hoje, metade da população do mundo vive em cidades. No Brasil, 80% ou 85% da população já é urbana. Esse é um cenário absurdo. E veja o caos que são as nossas cidades. A cidade do futuro não pode ser essa. Tem de ser completamente diferente. É preciso considerar a natureza no contexto das cidades.

Então há solução?
Sim, acreditamos que, tecnicamente falando, há solução. Não é simples, nem é para ontem. Implica uma mudança cultural, o investimento em tecnologias. Mas há solução, que precisa ser programada hoje, ser posta em prática hoje, para vigorar no futuro. Estou falando de soluções técnicas que são possíveis, mas que nós insistimos em não implementar. Recorrentemente, fala-se em soluções focadas nos sintomas do problema, como os projetos de trazer água de outras localidades. Essa é uma boa solução? Tenho as minhas dúvidas. Penso que, em vez de buscar esse tipo de solução paliativa, seria melhor admitirmos, por exemplo, que somos péssimos, péssimos mesmo em tratar o nosso esgoto. Que o Brasil é péssimo em tratar esgoto. Aí, sim, poderíamos avançar.

Esgoto é prioridade
Se ainda somos um país de terceiro mundo, em grande parte isso se deve ao fato de tratarmos mal o nosso esgoto. Porque a verdade é que não estamos nem aí para o nosso esgoto. Jogamos esgoto nos cursos d’água, por exemplo, o que era para ser inconcebível. Inconcebível. Tratamos mal o esgoto e usamos mal a água. E não é questão de não haver dinheiro. O dinheiro existe. Então essa justificativa de sempre se fazer paliativos, por não ter recurso, não procede.

Mudança de postura
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Devemos pensar em recuperar a represa Billings (em foto de Paulo Pinto/Fotos Públicas), que é quase do tamanho do sistema Cantareira e foi abandonada. Devemos pensar em recuperar a represa da Pampulha, que desde 1974 não é usada para o abastecimento da região Norte de Belo Horizonte porque já naquela época concluímos que sua água estava muito degradada. Essa história de “estragamos isso, vamos mudar para aquilo” tem de mudar. Porque, na época da Pampulha, a sorte é que tínhamos outros mananciais. E se não tivéssemos? E vai chegar o momento em que não teremos. A Carta de São Paulo procura chamar atenção para o fato de que precisamos mudar o nosso posicionamento e que a responsabilidade não é só do governo. É do governo e da sociedade, que têm de assumir os seus papéis.

Porque a água pode, sim, acabar
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A água é um recurso renovável, reciclável, mas a gente confunde isso com inesgotável. A água não é um recurso inesgotável. É um recurso finito, que acaba, sim, num determinado lugar (Na foto de Vagner Campos/Fotos Públicas, o sistema Cantareira, em São Paulo, cujo nível de água segue diminuindo). Se a gente extingue as nascentes de uma localidade, se não acontecer a recarga daqueles aquíferos, a água inevitavelmente irá embora. No cômputo geral do planeta, ela não terá desaparecido; terá ido para outro lugar. Mas, para as pessoas daquela localidade, ela terá acabado.

Mudança de tecnologia
Não tenho os dados de cor, mas a indústria, incluindo a mineração – que particularmente avançou muito tecnologicamente nos últimos anos –, deve ser responsável por menos de 20% do consumo, algo entre 17% e 19%. Já a agricultura, numa escala mundial, consome quase 50% de toda a água doce do mundo. E o restante é o consumo que a gente conhece. Então é preciso rever as tecnologias, pensar em ecotecnologias para a indústria e para a agricultura. Hoje, para irrigar as plantações, usa-se disseminadamente o pivô central, por exemplo, aquele sistema giratório que no Verão gera perdas enormes de água, já que a temperatura alta faz grande parte evaporar antes mesmo de chegar à planta. Idealmente, a irrigação deveria ser feita por meio de gotejamento, pingando água diretamente no pé da planta. E é possível você planejar isso, investir nisso. Evitaria inclusive o problema da salinização, que prejudica o solo.

E a responsabilidade é de todos
O cidadão não pode ficar de braços cruzados esperando apenas receber as benesses. Temos de mudar a nossa postura e entender que cada indivíduo faz a diferença. A pessoa que usa a mangueira como uma vassoura hidráulica, a pessoa que lava o carro toda semana. Isso tem de mudar. E nós da Universidade temos forçosamente de contribuir para mudar isso, por meio da educação dos professores, que são os formadores da opinião e dos valores das novas gerações.

Sobre o documento
A Carta de São Paulo é resultado do simpósio Recursos hídricos na região Sudeste: segurança hídrica, riscos, impactos e soluções, que a Academia Brasileira de Ciências realizou no final de novembro para lançar alguma luz sobre a crise hídrica brasileira. As discussões travadas no simpósio culminaram neste documento que agora vem a público.

O documento traz dez recomendações de curto, médio e longo prazo capazes de reverter o cenário hídrico do país. São elas:

1) A realização de modificações imediatas no sistema de governança de recursos hídricos;

2) A implementação de planos de contingência;

3) Uma drástica redução do consumo de água e outras medidas emergenciais para 2015;

4) O investimento imediato em medidas de longo prazo;

5) A realização de projetos de saneamento básico e tratamento de esgotos em nível nacional, estadual e municipal;

6) O monitoramento de quantidade e qualidade da água;

7) A proteção, conservação e recuperação da biodiversidade;

8) O reconhecimento público e conscientização social da amplitude da crise;

9) A realização de ações de divulgação e informação de amplo espectro;

10) A capacitação de gestores com visão sistêmica e interdisciplinar.

(Ewerton Martins Ribeiro)

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