Não é de hoje que a arte é utilizada como ferramenta política. É comum encontrar obras que discutem a estrutura de poder, a definição de beleza e outros padrões vigentes. Na tentativa de derrubar preconceitos, muitas minorias também têm realizado projetos artísticos em que seus corpos são objetos de performance, para discutir o lugar que ocupam no mundo. Mas em que medida a produção de narrativas sobre si pode ser uma tática de resistência? Os corpos humanos são diferentes ao seu modo; cada um tem seus detalhes e a sua própria forma. Ainda assim, somos humanos, e isso deveria causar uma empatia por semelhantes, criar uma proximidade. Entretanto, os preconceitos nos fazem ver o outro como um ser estranho, e não como pessoa. É o caso, por exemplo, do preconceito contra pessoas trans. Segundo Carlos Mendonça, as pessoas estão acostumadas a olhar os corpos trans como exóticos e o exótico geralmente é excluído. “Quando olhamos para corpos trans como algo exótico, e não pela ótica do cotidiano banal, estamos colocando essas pessoas ainda mais à margem da sociedade", afirma o professor. Ele explica ainda que os corpos trans são esvaziados de seu peso político pelo padrão heteronormativo vigente. “Há um discurso dominante que transforma o corpo trans em algo que não deve ser, em algo que não é aceito pela sociedade.” Assim, a representação visual se apresenta como ferramenta de discussão sobre o olhar para os corpos trans. “As performances visuais de pessoas trans são narrativas de resistência em que o sujeito fala por si mesmo, coloca seu próprio corpo em ação. Essas narrativas negociam a relação dos sujeitos com o mundo, restabelecendo os padrões de subjetivação e combatendo o preconceito”, explica Carlos Mendonça. Texto visual Para o professor do Departamento de Comunicação, a representação vista no ensaio também é interessante porque não considera o passado desses sujeitos e suas transições, mas o que eles são hoje e suas perspectivas de futuro. “Precisamos de representações que não se prendem ao passado, mas que olham para o futuro e com isso trazem discussões importantes. Porque acima do exótico, esses corpos devem ser vistos como pessoas.” Por fim, o professor ressalta a importância dessas narrativas imagéticas na esfera política. “Vivemos em uma sociedade em que o grande eu – majoritário, branco, heterossexual, estável financeiramente – representa o Estado e exclui tudo que é diferente. Essas performances visuais pretendem encontrar possibilidades de descrever o outro contra o eu majoritário, produzindo quebras e aproximando o que parece estranho. Mostrar isso é importante porque é função do Estado reconhecer sua multiplicidade e acolhê-la”, finaliza.
Essa foi a pergunta que norteou a palestra Performances nas imagens: narrativas visuais LGBTTI como cuidado de si, ministrada pelo professor Carlos Magno Camargos Mendonça, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, na manhã desta terça, 10, no Conservatório UFMG. Durante o encontro, ele apresentou projetos protagonizados por lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e intersexuais que propõe a discussão da homofobia.
Para ampliar a discussão, o professor faz referência a um ensaio fotográfico do Coletivo Além, que mostra pessoas trans em situações cotidianas: estendendo a roupa, andando de bicicleta, saindo do banho, deitadas no sofá etc. De acordo com ele, “esse tipo de ‘texto visual’ provoca uma quebra porque não imaginamos travestis ou transexuais levando uma vida comum. Os corpos trans não podem habitar a rua, habitar o dia. Imaginamos essas pessoas na clandestinidade, na prostituição, nas sombras da sociedade”.
Silvia Dalben/divulgação
Mendonça: corpos trans esvaziados pelo padrão heteronormativo