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Um dos maiores legados dos gregos para a humanidade, o teatro era originalmente encenado em praças públicas, diante de multidões que se reuniam para assistir a tragédias clássicas, como Édipo Rei e Prometeu. Com o passar dos séculos, no entanto, a arte da representação se afastou da tradição e deixou de frequentar as ruas. Professora da Faculdade de Letras, Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, acredita que o teatro deve voltar para as praças. Em palestra no Conservatório UFMG nesta quinta-feira, 12 de fevereiro, ela defendeu a tradição do teatro e falou sobre a importância das tragédias gregas para a vida das pessoas. “O teatro foi ficando relegado a um espaço e público restritos, mas ele é do povo”, afirma Tereza, no início de sua conferência. Ela explica que as tragédias gregas despertam as massas porque mexem com o imaginário e as emoções das pessoas: "As peças mostram histórias complexas, que fazem o público se colocar no lugar das personagens e sentir compaixão e horror por elas - tudo ao mesmo tempo”. Para a professora, o misto de sensações provocado pelo ficcional pode ser muito mais envolvente que a própria vivência real do problema. “Ver a encenação de uma personagem morrendo, por exemplo, pode comover muito mais do que a morte de um conhecido”, afirma. A capacidade do teatro em envolver o público é vista pela professora como seu ponto mais forte, que pode proporcionar uma verdadeira experiência de socialização. “A função do teatro é aproximar pessoas. Quando você lê um jornal e se comove, aquilo é uma emoção efêmera; basta virar as costas e acabou o sofrimento. Já no teatro você vivencia a dor do outro e sofre junto, ela se torna sua. Por isso, é uma experiência coletiva”, completa. Catarse real Essa reflexão sobre a passagem do tempo é apenas uma das catarses provocadas pelo teatro, na avaliação de Tereza Barbosa. Para ela, assistir a uma tragédia grega é ótima oportunidade de exercitar mente e corpo. “Passar pelo sofrimento ensina, e as tragédias simulam essa vivência. Mesmo sendo falsa a dor, a catarse é real e o aprendizado, também”. A professora da Faculdade de Letras da UFMG lembra ainda que, diferentemente do que preconiza o senso comum, as tragédias não são feitas para causar tristeza, mas para fazer pensar e sentir. “O riso não está fora da tragédia, como não está fora da vida. Shakespeare mesmo dizia que uma boa tragédia deve fazer rir e chorar ao mesmo tempo”. Assim como o amor impossível narrado pelo autor inglês em Romeu e Julieta lembra a história de vários casais espalhados mundo afora, Tereza argumenta que várias situações das tragédias gregas podem ser facilmente comparadas à vida real. “Os casos Richthofen e Nardoni, por exemplo, guardam muitas semelhanças com a tragédia de Medeia, que mata o irmão para fugir com o namorado e, depois de traída pelo amado, assassina os filhos para se vingar dele", compara. Apesar de tantas semelhanças com o teatro, Tereza alerta que a ficção não deve ser sobreposta ao real em alguns ambientes, caso das redes sociais. Para a professora, as pessoas estão ficcionalizando a vida e construindo papéis em vez de viver a realidade. “O teatro é uma ficção que eu sei que é ficção. Já na internet as pessoas criam novas vidas. Como é muito melhor viver virtualmente, estamos perdendo a mais básica das experiências humanas, que é a vivência do real”, argumenta a professora.
De acordo com Tereza Barbosa, isso acontece porque o ser humano busca distanciar-se do sofrimento dos outros. “Quanto mais próximo somos de alguém, mais difícil é assimilar e presenciar suas dores. É por isso que nos comovemos com a história de velhinhos solitários, mas colocamos nossos pais no asilo", compara a professora.
Além de entreter e emocionar, Tereza Barbosa afirma que o teatro pode fazer as pessoas recobrarem uma habilidade cada vez mais rara nos dias de hoje: a de lidar com o efêmero. “Hoje é tudo muito disponível. As notícias e imagens estão sempre à espera das pessoas, completamente traduzidas e mastigadas. No teatro, se você se distrair por um momento, perderá as cenas e não conseguirá interpretar aquela experiência. Ela simplesmente vai passar. Isso traz de volta a consciência da passagem do tempo, de que as coisas escapam se você não estiver atento”, explica.