Sergio Amaral/MDS |
Quando se fala em decisões relacionadas à implementação de políticas públicas, o que primeiro vem à cabeça são reuniões em gabinetes de ministérios, assinaturas e entrevistas à imprensa. Mas alguns estudos, como os do americano Michael Lipsky, subvertem o senso comum para mostrar que agentes públicos que têm contato direto com o cidadão – e tomam decisões a todo momento – detêm, na prática, poder considerável. O economista e administrador público Breynner Ricardo de Oliveira investigou – para tese defendida no Doutorado Latino-americano, da Faculdade de Educação da UFMG – a atuação dos “agentes de ponta” que atuam nos programas Bolsa Família, do Brasil, e Oportunidades, do México. Ao analisar o processo de implementação dos dois programas a partir da condicionalidade educacional, o estudo revelou aspectos do funcionamento das redes de “burocratas ao nível da rua”, para usar a tradução literal da expressão consagrada por Lipsky. “Quando pesquisei o programa Bolsa Escola para o mestrado, percebi a relevância do papel dos agentes públicos que atendem os usuários no dia a dia, aqueles que estão na linha de frente. Fiquei com isso na cabeça e resolvi fazer o estudo comparado das realidades brasileira e mexicana sob a perspectiva dos profissionais da educação, da assistência social e dos técnicos envolvidos”, conta Breynner, que escolheu para seu trabalho de campo duas escolas em área de pobreza extrema na Regional Leste de Belo Horizonte e outras duas na cidade San Luis Potosí, no México. O Bolsa Família e o Oportunidades são programas de transferência de renda voltados para o combate à pobreza intergeracional, desenhados com base em condicionalidades nas áreas da saúde e da educação – as famílias devem comprometer-se com contrapartidas para continuarem recebendo o benefício. A pesquisa mapeou, nos dois países, as rotinas, interlocutores, percepções, processos decisórios, condições materiais, dificuldades e desafios enfrentados pelos agentes. Cooperação “O desenho do Bolsa Família pressupõe cooperação intersetorial, envolvendo escolas e postos de saúde, por exemplo. Diretoras, professoras, enfermeiras e outros profissionais estão vinculados na gestão cotidiana do programa, na medida em que lidam diretamente com as famílias”, explica Breynner Oliveira. Na pesquisa do doutorado, ele percebeu a importância do Centro de Referência em Assistência Social (Cras), que funciona como porta de entrada para as políticas sociais e ponte entre governo federal, estados e municípios. “O controle da frequência escolar emergiu como um dos principais pontos de tensão e vinculação entre os atores e instituições envolvidas”, enfatiza Breynner Oliveira, que é professor da Universidade Federal de Ouro Preto, na área de políticas públicas. Breynner Oliveira destaca ainda a capacidade dos agentes de base de constituírem redes de cooperação e interação que acabam conferindo nova dinâmica às redes institucionais, previstas pelos idealizadores dos programas. México “Não há vinculação positiva dos agentes na área da educação, talvez por causa da forte relação de obediência aos sindicatos e de certo boicote por causa dos repasses diferenciados para a área da saúde. Outro aspecto importante tem relação com as transferências monetárias concedidas feitas em favor das famílias. Como as escolas públicas precisam desenvolver e estratégias próprias para arrecadar recursos financeiros para sua manutenção por causa do orçamento insuficiente destinado á educação pública (no México, as famílias são induzidas a pagar anuidades às escolas públicas), alguns diretores enxergam os alunos beneficiários como fonte de receita para suas escolas. Esse também pode ser um motivo para explicar as tensões percebidas no programa mexicano, afirma Breynner Oliveira, que passou três meses no país da América do Norte. Ele destaca ainda que, de modo geral, o desenho e a prática do programa mexicano parecem incentivar certa subserviência dos beneficiários, dando a impressão que eles são mais dependentes que os brasileiros. “Lá, eles participam regularmente de reuniões que reforçam os aspectos administrativo-burocráticos do programa, além de contarem com momentos de instrução social e motivacional. Por outro lado, o governo central tem mais ciência do que acontece no nível local que o brasileiro, que ainda enfrenta o grande desafio de aperfeiçoar o acompanhamento das ações nos municípios”, completa Breynner Oliveira. Tese: A implementação dos programas Bolsa-Família e Oportunidades sob a perspectiva da condicionalidade educacional: uma análise a partir dos agentes públicos de base (Itamar Rigueira Jr.) [Leia também na edição 1894 do Boletim UFMG, que circula a partir de 9 de março]
Apesar de os programas terem arcabouços teóricos e regulatórios parecidos, há diferenças no que se refere a arranjos institucionais e operativos nos dois países. Enquanto o sistema mexicano é gerido de forma centralizada pelo governo federal, que mantém subsedes e representantes por todo o país, no Brasil a gestão é compartilhada com os estados e municípios, de acordo com o pesquisador.
Segundo Breynner, esse é um fator que dá margem a diversos arranjos e combinações envolvendo os agentes dos diferentes órgãos. “Dirigentes das escolas e assistentes sociais, uns mais que outros, têm atitudes de compadecimento, solidariedade, chegam a envolver-se pessoalmente com as famílias. Alguns são mais resistentes, sobretudo se não se identificam com os princípios que regem os programas, e outros, pelo motivo oposto, são mais comprometidos”, observa o pesquisador, acrescentando que há também disputas quanto às atribuições de cada órgão. Ele lembra que diferenças no que se refere aos saberes e formações desses agentes ajudam a alimentar conflitos e tensão.
Diferentemente do que acontece no Brasil, de acordo com o autor da tese, o programa Oportunidades valoriza mais o componente saúde quando se trata das contrapartidas por parte das famílias. Tanto é que recursos são transferidos pelo governo para postos de saúde e não para as escolas. Outra distinção com relação ao Bolsa-Família: o ministério da Educação mexicano é mais refratário à cooperação com outras instituições, e o mesmo acontece com os professores, no nível local.
Autor: Breynner Ricardo de Oliveira
Orientadora: Maria do Carmo Lacerda Peixoto
Defesa em março de 2014, no Doutorado Latino-Americano em Educação: Políticas Públicas e Profissão Docente (FaE)