Já está em vigor a resolução do Conselho Universitário que aprovou o uso do nome social no âmbito da UFMG. O documento, assinado pelo reitor Jaime Ramírez, assegura a servidores (docentes e técnico-administrativos), discentes e demais usuários dos campi e das unidades da UFMG, cujo nome de registro civil não reflita sua identidade de gênero, o direito de inclusão do nome social nos registros, documentos e atos da vida funcional acadêmica. A medida garante a inclusão do prenome pelo qual pessoas travestis ou transexuais se identificam e são reconhecidos em suas relações sociais. Por meio de requerimento, estudantes e servidores poderão pleitear que seus nomes sociais figurem, entre outros, em documentos de identificação funcional, diplomas, histórico escolar, certidões e atestados emitidos pela UFMG e por suas unidades e órgãos. A decisão tomada pela UFMG está em consonância com a Constituição Federal, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNLGBT), que defendem a igualdade de direitos e refutam qualquer forma de discriminação. Arquivo pessoal Historicamente, há casos de pessoas trans na UFMG. No entanto, como a Universidade não dispunha de nenhuma medida institucional para combater o preconceito, essas pessoas sempre ficaram invisibilizadas e sem qualquer tipo de reconhecimento. Muitas entraram e abandonaram cursos, no caso de alunos, enquanto funcionários e professores permaneceram na vulnerabilidade causada pela transfobia institucional. O DRCA tem, desde o ano passado, reconhecido o nome social sem nenhum problema, embora não tivéssemos, até o momento, uma resolução para determinar e qualificar o seu uso. Felizmente, o DRCA demonstrou uma sensibilidade especial para tratar do assunto. Esperamos que, com a resolução e com o uso no nome social no Enem, muitas pessoas trans se candidatem a estudar na UFMG. Além disso, mecanismos de acolhimento e inclusão podem ser pensados daqui para frente, como a proposição para as empresas terceirizadas de uma cota de empregabilidade nos variados serviços, a discussão dos direitos de pessoas trans que se candidatem a concursos para docente na UFMG, o uso mais democrático dos banheiros, o apoio da assistência estudantil a pessoas com alto índice de vulnerabilidade e assim por diante. A vulnerabilidade dessas pessoas precisa começar a ser olhada sem preconceitos pelas lideranças institucionais. Em que medida, a normatização contribui para remover os obstáculos que dificultam o acesso desse grupo na Universidade? Mecanismos transfóbicos institucionais devem ser enfrentados e removidos, pois provocam o isolamento das pessoas trans na convivência cotidiana. É preciso implantar formas de acolhimento, estruturas para formação de pessoal técnico para atender melhor essas pessoas, sem falar de mecanismos de inclusão que urgentemente precisam ser acelerados como uma política de ações afirmativas. A população trans tem índices de vulnerabilidades dos mais expressivos, sendo, proporcionalmente, o grupo que mais morre assassinado no Brasil. Aqui em Minas os números são de guerra. Além disso, os índices de escolaridade da população trans estão entre os mais baixos no Brasil quando comparados com a população em geral. Tudo isso se deve a um complexo sistema de preconceito, humilhação e violências que ainda permanece invisível em nosso cotidiano. Dados mostram que, em média, 57% da população trans chega ao ensino médio, mas apenas 6% entram na Universidade. O gargalo entre o ensino médio e a universidade é imenso. Portanto, a Universidade tem de fazer algo, precisa declarar publicamente que esse grupo é bem-vindo e desenvolver estratégias de ações afirmativas para uma inclusão adequada. A presença dos corpos das pessoas trans na UFMG só nos trará mais abertura para alteridades. Já é possível dimensionar o efeito prático dessa medida institucional (a resolução do nome social)? Já se foi o tempo em que travestis e transexuais precisavam das ciências para legitimar-se. O mundo mudou, essas pessoas têm vozes legítimas e devem encontrar aqui na UFMG espaço institucional de comunicar, construir e garantir seus direitos e suas demandas. A transexualidade não pode ser vista como uma onda de interesse acadêmico; é, antes de tudo, uma condição e experiência de vida, e implica formas de compreender a cultura contemporânea. A Universidade precisa urgentemente lidar com a vida real, escutando essas vozes que falam por si e que conquistam legitimidade e espaços institucionais importantes. O senhor coordenou uma comissão encarregada de discutir a questão trans na UFMG. Que balanço o senhor faz do trabalho?
A resolução é um dos desdobramentos de trabalho desenvolvido por comissão coordenada pelo professor Marco Aurélio Máximo Prado [foto], da Fafich. “Depois de 10 meses de trabalho entregamos um dossiê com um texto histórico para contextualizar a importância desse direito do uso do nome social, balizado pelas melhores medidas internacionais, uma nota técnica com sugestões de procedimentos para uso do nome social, uma proposta de campanha institucional, além da própria proposta de resolução”, afirma o professor nesta entrevista ao Portal UFMG, na qual afirma que a aceitação institucional do nome social é o tópico inicial de uma agenda que se abre para discutir direitos, acolhimento e inclusão da minoria trans.
Já há casos de travestis e transexuais que tenham ingressado na Universidade a partir da vigência dessa resolução? Antes mesmo do seu advento, o DRCA [Departamento de Registro e Controle Acadêmico] já havia sido orientado a aceitar o uso do nome social no registro acadêmico...
A questão do uso do nome social para travestis e transexuais é um direito básico, simples e bastante democrático. Todas as pessoas precisam ser aceitas na sua experiência social e individual, e o nome é a primeira forma de reconhecimento social e individual sem constrangimentos e humilhações. Reconhecer o nome social de travestis e transexuais é, ao mesmo tempo, reconhecer sua identidade de gênero como legítima e comunicar a todos que essas pessoas são bem-vindas e possuem direitos e cidadania aqui dentro. Portanto, a aceitação do uso do nome social abre uma série de debates sobre os direitos de minorias no âmbito da UFMG.
Em parte, já respondi a essa pergunta. Mas ainda é prematuro dimensionar, embora muitas instituições já contem com resoluções desse tipo e perceba-se que a entrada de pessoas trans aumenta a cada ano. Essa resolução é importante como política de reconhecimento e um pequeno gesto para iniciar um movimento de inclusão. Assim que pessoas trans chegarem mais e mais à UFMG, elas mesmas integrarão comissões, grupos e movimentos capazes de apresentar as suas próprias necessidades. Precisamos aprender a parar de falar por elas e abrir-lhes espaços institucionais para que falem por si. Assim é que se constroem mecanismos de democratização.
Depois de 10 meses de trabalho, entregamos à Reitoria um dossiê contendo um texto histórico para contextualizar a importância desse direito do uso do nome social, balizado pelas melhores medidas internacionais, nota técnica com sugestões de procedimento para uso do nome social, proposta de campanha institucional, além da própria proposta de resolução que foi modificada pelo Conselho Universitário. Essa comissão terminou sua tarefa para a qual foi instituída e contou com a participação de pessoas trans, o que foi muito importante para lidarmos com uma demanda comunicada pelas pessoas diretamente envolvidas com a questão. A ideia agora é formar uma nova comissão que pense outros mecanismos de inclusão, como uma política de ações afirmativas para pessoas trans que deveria atravessar todas as lógicas institucionais da UFMG. Só assim avançaremos na democratização da Universidade. A população trans é um ícone da desigualdade e do preconceito brasileiro, portanto, temos ainda muito trabalho pela frente para transformar a UFMG em uma Universidade aberta às experiências da diversidade.