Fotos de Foca Lisboa/UFMG |
A UFMG está estruturando, com a International Cities of Refuge Network (Icorn), o Programa de Artista Residente e deverá receber, já no segundo semestre de 2016, um artista estrangeiro refugiado, provavelmente, um escritor. O anúncio foi feito durante a abertura do 2º Encontro UFMG-Icorn: a escrita, o exílio, a casa, que está sendo realizado nesta segunda-feira, 9, no auditório do Centro de Atividades Didáticas de Ciências Humanas (CAD 2), e segue até o fim da tarde de hoje. Toda a programação é aberta ao público e conta com tradução simultânea. A Icorn é uma organização independente que colabora com cidades e entidades na oferta de abrigo a escritores e artistas em risco. A UFMG é a primeira instituição da América Latina a integrar a rede e a estabelecer parceria para acolhida a artistas refugiados. A iniciativa está sendo empreendida em parceria com as Casas Brasileiras de Refúgio (Cabra), braço da Icorn no Brasil. Na abertura do evento, a vice-reitora Sandra Goulart Almeida [foto] destacou a importância da iniciativa diante do conturbado momento político internacional vivido nos dias de hoje. A vice-reitora lembrou que o número atualmente estimado de refugiados alcança a marca de 60 milhões de pessoas. “É maior do que o de qualquer outro momento histórico; são mais refugiados que na Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, as sociedades e nações têm-se tornado cada vez mais excludentes, impondo mais dificuldades para integrar esses refugiados em seus pactos de cidadania”, disse. Sandra Goulart Almeida adiantou que está sendo providenciado acordo de cooperação com a Icorn, que deverá viabilizar, já em 2016, a vinda de um escritor estrangeiro para uma residência artística na UFMG. “A nossa ideia é oferecer uma bolsa de residente para esse escritor. Em contrapartida, ele poderia ministrar palestras, participar de eventos, realizar atividades culturais e didáticas na Universidade”, detalhou. A vice-reitora destacou o compromisso que uma instituição pública, como a UFMG, deve ter com a sociedade contemporânea. “Ao acolher esses artistas num momento em que o mundo enfrenta tantos problemas de aceitação, colaboraremos para dar mais visibilidade ao pleito dos refugiados e para propor uma reflexão sobre a necessidade de recebê-los.” ‘A escrita é mais poderosa que a lança’ Dyvik se reuniu com Leda Maria Martins, diretora de Ação Cultural, e Miriam Jorge, diretora-adjunta de Relações Internacionais, na primeira mesa do evento, para conversar sobre liberdade de expressão, apresentar um panorama do trabalho da Icorn e discutir possibilidades de oferta de residência a refugiados. Para Elizabeth Dyvik [foto], oferecer refúgio a um artista é uma ação concreta, mas também um sinal inequívoco para as sociedades de que existem lugares de segurança e resistência. “Com uma ação concreta, focada em um indivíduo, sinaliza-se para as sociedades e para os escritores do mundo todo que eles podem arriscar mais. É como se disséssemos que eles podem continuar a operar, pois haverá uma forma de escapar." A professora Míriam Jorge disse que a parceria com a Icorn é coerente com o modelo de internacionalização baseado em "princípios de reciprocidade, equilíbrio, complementaridade e solidariedade" adotado pela UFMG. Ela também lembrou a história de repressão brasileira como exemplo das dificuldades vividas pelos artistas em épocas graves. “Nós, que vivemos uma ditadura recentemente, sabemos o que escritores passam em períodos de exceção." Leda Martins disse que, em arte, o silêncio se faz presente de diversas formas, mas que é preciso estar atento à particularidade do silêncio que recai sobre esses artistas. “Não é o silêncio da pausa poética, não é o silêncio do intervalo musical, não é o silêncio dos hiatos nas luminosidades da pintura, não é o silêncio que recobre na escultura o desejo da voz”, comentou a diretora de Ação Cultural. “Estamos falando do silêncio da opressão, do silêncio que é morte", acrescentou. Ao fim de sua exposição, a diretora de Ação Cultural destacou que a Universidade deseja se transformar em refúgio para artistas perseguidos. “Aqui, eles encontrarão afeto e compromisso. E mais: encontrarão uma instituição disposta a ser a sua casa, o seu lar", garantiu. A parceria entre UFMG e Icorn decorre do trabalho conduzido pela professora Lucia Castello Branco, da Faculdade de Letras. Em razão de sua atuação como mediadora da parceria, informa Leda Martins, é provável que Castello Branco seja a docente responsável por ciceronear o primeiro escritor residente a ser recebido pela UFMG em 2016. A programação do 2º Encontro UFMG-Icorn segue com novas mesas de debates no período da tarde. À 17h, os escritores Girma Fantaye e Safaa Fathy farão a leitura de poemas de sua autoria sob a mediação do professor Fernando Mencarelli, vice-diretor de Ação Cultural. (Ewerton Martins Ribeiro)
Atribui-se a Shakespeare o aforismo que demarca o particular poder da palavra em tempos de conflitos: a escrita como um instrumento de mudança mais poderoso que a força física. Não por outro motivo, Elizabeth Dyvik, responsável pelo programa de residência da Icorn, afirmou que os escritores e artistas são as primeiras pessoas a serem perseguidas quando um país entra em um regime repressivo. “O trabalho do escritor, do poeta, é explorar a condição humana e discutir coisas que não se discutem abertamente, os tabus. Por isso, a primeira coisa que se faz é tentar silenciá-los”, disse.