Universidade Federal de Minas Gerais

Délcio Rocha/ICA-UFMG
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Lixão em Montes Claros: maioria dos frequentadores trabalha na coleta de materiais em busca de renda

Projeto de pesquisa e extensão do ICA investiga trabalho infantojuvenil nos lixões de Montes Claros

quarta-feira, 25 de novembro de 2015, às 7h04

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que o trabalho infantojuvenil atinge 168 milhões de crianças e adolescentes. No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome revelou redução, de 2001 a 2013, de 58% no trabalho infantojuvenil, mas, em 2014, as taxas subiram. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, o problema afeta 3,3 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.

"A lei brasileira proíbe qualquer trabalho a menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz – a partir dos 14 anos –, e o noturno, perigoso ou insalubre, a menores de 18 anos", explica o professor Délcio Rocha. No entanto, a legislação está longe de ser respeitada em Montes Claros, como revelam os resultados do projeto de pesquisa e extensão Infâncias roubadas: realidade de crianças nos lixões, que ele coordena no Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG.

Vinculada ao programa Carroceiros e catadores conscientes, a iniciativa é realizada há cinco anos em Montes Claros e tem o objetivo de investigar o trabalho de crianças e adolescentes nos lixões e conscientizar a população sobre a situação e seus perigos. "Na cidade, lotes vagos são transformados em depósitos de materiais e bolsões de lixo. Algumas crianças usam esses locais para coletar resíduos e obter renda extra para a família; outras os frequentam para brincar e acabam expostas ao risco de doenças e acidentes", diz o professor Délcio.

Parceria entre UFMG, Unimontes, Faculdades Santo Agostinho e Faculdades Integradas Funorte, o projeto reúne equipe de estudantes e profissionais de Zootecnia, Biologia, Engenharia Agrícola e Ambiental, entre outras áreas. "Organizamos eventos, minicursos, oficinas de reciclagem, palestras e visitas periódicas aos lixões para conversar com as crianças e seus responsáveis. Quando o acúmulo de material descartado é grande, solicitamos a limpeza à Secretaria de Serviços Urbanos", afirma o professor.

Segundo ele, o desafio é conscientizar os pais e os gestores públicos sobre a realidade dos menores e seus direitos. "Com a atual gestão municipal fizemos, em 2014, mais de 70 reuniões. Em algumas, entregamos projetos e solicitamos apoio para desenvolver ações de educação ambiental e humanitária. Mas temos dificuldade em obter respaldo desses gestores para realização de ações efetivas e em massa nas escolas e comunidades instaladas perto dos lixões", relata.

Entre as conquistas do projeto, juntamente com os demais que integram o programa Catadores e carroceiros conscientes, estão a criação e organização da Associação dos Carroceiros Conscientes e dos conselhos Municipal de Resíduos Sólidos e de Proteção à Vida e ao Bem-estar Animal – este para acolher animais abandonados e maltratados.

Perfil
Em meio às sobras de materiais da construção civil, dejetos e resíduos orgânicos, o projeto entrevistou 360 crianças e adolescentes, com idades de quatro a 14 anos, nos 45 bolsões de lixo espalhados pela cidade. Segundo Délcio Rocha, 85% são meninos, e cada espaço reúne de quatro a oito jovens.

Dos entrevistados, 216 frequentam esses bolsões ativamente e 144 esporadicamente. "Dos 60% que estão regularmente nos lixões, 42% são catadores e utilizam os materiais como fonte de renda. Além disso, 97% dos pesquisados estão matriculados em escolas por exigência do Bolsa-Família e de outros programas sociais, o que não significa que sejam assíduos", afirma.

O bolsista Fábio Moreira, estudante de Engenharia Agrícola e Ambiental, lembra uma das situações que o marcaram nos três anos em que atua no projeto. "Fazíamos um levantamento quantitativo dos meninos carroceiros, quando um garoto de 10 anos perguntou se demoraríamos, pois precisava trabalhar para comprar alimento e levar para mãe e irmãos que o esperavam em casa", diz.

Montes Claros não tem estrutura suficiente para armazenar os materiais descartados pela população. "O município conta com apenas 15 unidades do Centro de Coleta Simplificado e Auxílio aos Carroceiros (Cascos); 180 lotes vagos permanecem sujos, e, mesmo com as visitas, de quatro a seis vezes ao ano, esses locais rapidamente acumulam resíduos", explica Délcio.

No fim de setembro, uma empresa contratada inaugurou, no bairro Mimoso, um aterro sanitário que atende às especificações da lei de resíduos sólidos. Para Délcio Rocha, trata-se de um paliativo. "Os aterros controlados que existem devem ser desativados, porém os bolsões de lixo continuarão existindo enquanto os moradores não passarem a usar adequadamente os locais de depósito de lixo", afirma.

O professor ressalta também que o aterro impactará os catadores e carroceiros que dependem financeiramente dos materiais coletados. "Diferentemente de outras regiões que fortaleceram as associações de catadores, que passaram a ter maior rentabilidade, segurança e apoio em suas atividades, aqui o trabalho foi terceirizado, ou seja, o lucro irá para a empresa e para alguns representantes do poder público".

(William Campos Viegas/Boletim 1.921)

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