“O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei. Se quiser explicar a quem me perguntar, aí já não sei.” Parafraseando Santo Agostinho, um dos primeiros a se interessar pelo tema, Alfredo Gontijo de Oliveira, professor do Departamento de Física, ensejou sua tentativa de, à luz da física, conceituar tempo e memória no segundo dia de palestras do Festival de Verão UFMG e abordar a forma como essas grandezas se relacionam com os demais âmbitos do mundo físico. Uma particularidade de sua fala foi a abordagem mais subjetiva, não estritamente matemática, do tempo e da memória no contexto da física. Alfredo falou, por exemplo, sobre como a memória humana se estabelece. “Memória é um processo de resgate permanente. O curioso é que, a cada tentativa de resgate, nós a reconstruímos”, comentou. O professor enfatizou o caráter complexo da memória. “É complexo porque o todo da memória é mais que a soma de suas partes. Nesse sentido, não se pode compreender o todo compreendendo as partes simplesmente. É preciso ir além disso”, ele afirmou. Alfredo Gontijo também explicou a função exercida pelas ciências. “Em um processo crescente de acumulação de conhecimentos, as ciências procuram entender a natureza em sua evolução, de forma a poder explicar os mecanismos por meio dos quais ela avança.” Segundo o professor, o problema é que, nesse processo evolutivo, a natureza está sempre se reconfigurando em estruturas cada vez mais complexas, o que deixa a ciência sempre um passo atrás. “O universo está em constante evolução. É um fenômeno que se dá espontaneamente. Nesse sentido, em ciência, toda verdade é provisória”, disse. Tempo imaginado Ele abordou as enfermidades neurológicas que afetam a memória, como a doença de Alzheimer. Leonardo explicou que, do aspecto neurológico, toda ideia de tempo é uma representação mental. “Do ponto de vista neurológico, uma pessoa que tem uma alucinação, por exemplo, está representando mentalmente uma ideia de visão tanto como um de nós, ao ver algo, está representando. Porque as coisas que em tese existem nós também vemos apenas como representações mentais, e não como a ‘realidade’”, problematizou. Para ilustrar seu ponto, o professor citou um trecho de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa: Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. Com o trecho ficcional, o professor quis exemplificar como as representações mentais são passíveis de serem valoradas e manipuladas afetivamente. “Aqui, o que Guimarães Rosa está dizendo é que a percepção do tempo é modulável pelo afeto”, sintetizou. Leonardo fez questão de frisar que, da perspectiva neurológica, a ideia de tempo não obedece às leis da física. Ele explicou como as neurociências se valem desse arcabouço de conhecimento para atacar problemas de saúde. “O que fazemos na neurologia cognitiva é relacionar um déficit neuropsicológico com uma topografia lesional, ou seja, buscamos localizar precisamente qual região do cérebro é responsável por alguma dificuldade de processar algum aspecto, por exemplo, do tempo e da memória, de forma a podermos atuar sobre ela, afirmou. O Ciclo de Palestras do Festival de Verão termina nesta quarta, 3, com mais duas apresentações no miniauditório do Conservatório, a partir das 10h. O Conservatório UFMG fica na Avenida Afonso Pena, 1.534, Centro. Não é necessário fazer inscrição prévia: a participação é livre, sujeita à lotação do espaço.
A tentativa de definir as implicações do tempo e da memória na existência humana também norteou a temática da fala de Leonardo Cruz de Souza [na foto abaixo], professor da Pós-graduação em Neurociências da UFMG. Em sua apresentação, Leonardo abordou a percepção do tempo e o funcionamento da memória na perspectiva neurocientífica.