Desde a segunda quinzena de janeiro, pesquisadores da UFMG estão em campo com o intuito de conhecer a realidade de saneamento rural em todas as regiões do país. Os dados qualitativos, somados a informações do censo demográfico, vão ajudar a delinear o mapa sanitário que servirá de base para a elaboração do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). “Feito esse diagnóstico, vamos partir para o desenvolvimento de uma matriz tecnológica que ofereça soluções para atender a diferentes escalas e realidades rurais”, explica a coordenadora do trabalho, professora Sonaly Rezende, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Escola de Engenharia. Essas ações abrangem medidas de abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário, de provimento de banheiros e unidades hidrossanitárias domiciliares e de educação ambiental para o saneamento, além de limpeza pública e manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais. Treinamento “Fizemos um laboratório da pesquisa, na comunidade Assentamento Rural Pastorinhas, em Brumadinho, e um experimento nas comunidades de Cardoso e Capão do Berto, em Jaboticatubas, todos na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, informa João Luiz Pena, engenheiro sanitarista e antropólogo que integra a equipe de coordenação e que, ao lado da enfermeira e mestre em saneamento Laís Santos de Magalhães Cardoso, dará suporte às equipes. Sonaly Rezende enfatiza que o trabalho de campo não será suficientemente representativo para traçar um perfil do saneamento rural brasileiro, por isso há a necessidade de utilizar os dados do censo. Contudo, pautados nos estudos de caso, especialistas de três eixos – tecnológico, gestão e educação e participação social – vão propor soluções para atender às necessidades de diferentes cenários. Para a professora, o empenho em elaborar o Programa Nacional de Saneamento Rural se justifica pelo significativo passivo que o país acumula na área. Embora a Organização das Nações Unidas (ONU) defina como direito humano o abastecimento de água e esgotamento sanitário, apenas 32% dos domicílios rurais brasileiros possuem redes de abastecimento de água, e somente 5,2% têm coleta de esgoto, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012. Segundo a professora, “esses territórios têm especificidades que requerem abordagem própria e distinta da convencionalmente adotada nas áreas urbanas, tanto na dimensão tecnológica, quanto na da gestão e da relação com as comunidades”. O Programa deverá propor intervenções necessariamente acompanhadas de medidas estruturantes, como participação da comunidade, educação ambiental para o saneamento e mecanismos de gestão e de capacitação dos atores. O PNSR é um dos desdobramentos do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), aprovado por decreto presidencial no fim de 2013. Tomando como base o censo de 2010, o Plansab traçou metas de curto, médio e longo prazos para todos os aspectos do saneamento do país. Para o abastecimento de água considerado atendimento adequado (percentual de domicílios urbanos e rurais atendidos por redes de distribuição, poço ou nascente com canalização interna), o Plano prevê cobertura para água e esgoto de 93% da população em 2018, 94% em 2023 e 98% em 2033. Em 2010, esse percentual de cobertura era de 91%. Atendimento universal Sonaly Rezende ressalta que o saneamento não pode ser tratado como ação isolada, mas integrado com áreas de saúde, planejamento urbano, plano de recursos hídricos e plano diretor, que, por sua vez, devem estar pautados pelas leis municipais de uso e ocupação do solo. “A crise hídrica é fruto da falta de planejamento”, assegura a pesquisadora, que participou da elaboração do Plansab com o professor Léo Heller, um dos coordenadores do Projeto de Elaboração do Programa Nacional de Saneamento Rural, relator especial da ONU sobre água e saneamento, pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou/CPqRR, e atualmente aposentado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Escola de Engenharia, onde atua como voluntário. Sonaly comenta que o Plano Nacional, elaborado com vistas a um cenário de mudança climática, traz uma novidade - proposta pela equipe da UFMG - em termos de políticas públicas: o chamado saneamento estruturante, que prevê recursos para gestão, capacitação e fiscalização, com o objetivo de dar condição de funcionalidade às ações estruturais. Parte desses recursos estruturantes pode ser investida nas agências reguladoras, mas a grande meta é capacitar os próprios operadores envolvidos na operação e na gestão do sistema. A professora explica que o Ministério das Cidades incentiva que os planos municipais sejam concebidos, considerando não só as medidas estruturais, mas também as estruturantes, “exatamente para promover esse controle social, pois a população precisa participar da ação do saneamento, até para ser capaz de cobrar do poder público”, afirma. Ela destaca que, no que concerne ao saneamento rural, a participação popular torna-se ainda mais importante, pois em muitos casos o poder público não pode prover o atendimento a todas as demandas, por causa da economia de escala. "Nesses casos, ocorre um processo de exclusão sanitária, e a própria população tem que se autogerir do ponto de vista do saneamento e, para isso, precisa se capacitar e se organizar”, pondera a professora, citando como exemplo o Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar), experiência de gestão compartilhada em desenvolvimento no estado do Ceará, que vem sendo estudada por sua equipe. (Ana Rita Araújo)
Ela destaca que as soluções apresentadas precisam ser sustentáveis em longo prazo – por isso, é também tarefa da equipe pensar mecanismos de gestão e de operação, modelo de investimentos do programa e formas de monitoramento. O Programa, que será entregue à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no primeiro semestre de 2017, deverá propor ações de saneamento básico especialmente para a população rural e as comunidades tradicionais, como as indígenas e quilombolas e as reservas extrativistas.
Os 15 pesquisadores da UFMG, organizados em cinco equipes, estão percorrendo os estados do Pará, Acre, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Foram selecionadas localidades habitadas por populações quilombolas, ribeirinhas, caiçaras, atingidas por barragens, além de assentamentos, reservas extrativistas e uma que realiza coleta seletiva de resíduos sólidos, em Crateús, Ceará. Cada pesquisador visitará três localidades e passará cerca de dez dias em cada uma delas, para coletar opiniões dos moradores em entrevistas individuais e em rodas de conversa. A equipe também fará registros em vídeo e fotografia. O treinamento da equipe incluiu preparação metodológica em antropologia aplicada à engenharia, com o pesquisador italiano Oscar Torretta, e uma série de outros aprendizados, como uso de câmeras e atualização de bancos de imagens na internet, para garantir o registro atualizado do material coletado. “Entre os vários caminhos possíveis, optamos por trabalhar com a metodologia Grounded Theory, associada à etnografia, que atende bem a uma pesquisa tão ampla, abrangendo todo o território brasileiro, com suas várias realidades culturais e geomorfológicas”, comenta Torretta.
A mestranda em Engenharia Ambiental Jéssica Ayra Alves Silva, que seguiu para o Acre, acredita que a experiência de campo será importante para sua formação, sobretudo pelo aprendizado de uma metodologia que comporta adaptações a cada realidade local.
O país vive, na opinião da coordenadora, “um momento muito profícuo para as políticas de saneamento”, devido à aprovação do Plansab. Ela destaca a importância desse Plano para ordenar ações que incluem infraestrutura e gestão, para atendimento universal, ou seja, com abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta e manejo de resíduos sólidos, limpeza pública e drenagem urbana. “E isso deve abranger o conjunto da sociedade, de forma igualitária, pois cada pessoa do país, em sua realidade, tem que ser incluída, tendo o plano que se adaptar para atender a todos”, resume.