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Wanderley Guilherme dos Santos: esquerda foi autocomplacente com as próprias vitórias

'Não existe beco para os que estão no poder', diz Wanderley Guilherme dos Santos sobre a atual crise política

quarta-feira, 29 de junho de 2016, às 7h41

Aos 80 anos, o pesquisador sênior Wanderley Guilherme dos Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, rendeu-se à internet.

Uma das principais referências da ciência política brasileira, ele lançou há poucos meses o blog Segunda Opinião, no qual escreve regularmente sobre a complexa conjuntura política. "É gostoso, mas também bate certa ansiedade. As coisas vão acontecendo, você escreve um artigo e, no dia seguinte, já acha que está obsoleto", comenta ele, nesta entrevista ao Portal UFMG (A edição desta semana do Boletim UFMG circula com uma versão condensada da entrevista).

Em um de seus últimos posts, o cientista político discorre sobre o "beco" em que teria se metido a política nacional com o afastamento da presidente Dilma Rousseff e a ascensão de um governo provisório. "Essa perspectiva de buscar uma saída é de apenas uma parte da população, do eleitorado e dos políticos brasileiros. Não existe beco para o grupo que está no poder, para a maioria no Congresso, para a maior parte dos órgãos de imprensa e para as associações empresariais. Esses segmentos consideram que o Brasil está instalado em uma normalidade constitucional", analisa o professor.

Wanderley Guilherme dos Santos reserva elogios à capacidade de mobilização da sociedade brasileira, que considera sem precedentes na história do país, e críticas à esquerda, que, segundo ele, está na “defensiva” após sucessivas vitórias de forças políticas de centro-direita em várias partes do mundo.

Para o cientista político, a esquerda internacional – incluindo a brasileira – viveu momentos de “autoconformismo e autocomplacência” com os próprios triunfos e negligenciou a tarefa de explicar as mudanças pelas quais o mundo vem passando: “Faltou à esquerda exercitar a pedagogia do poder”.

Confira os principais trechos da entrevista com o professor, que no início do próximo semestre letivo fará uma palestra na UFMG sobre a democracia brasileira.

Os artistas se mobilizaram rapidamente e conseguiram "de volta" o Ministério da Cultura. A movimentação dos pesquisadores e cientistas para conseguir o mesmo objetivo em relação ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) não lhe parece tardia?
O que me parece é que há uma probabilidade diferente de sucesso dos dois movimentos. Os artistas têm uma tradição maior de mobilização rápida. Os cientistas, por sua vez, não são uma comunidade facilmente mobilizável em manifestações de rua e do gênero. Isso se deve, em parte, ao fato de que, no Brasil, os artistas são muito dependentes do financiamento público, por meio, por exemplo, da Lei Roaunet. Já os cientistas têm garantida ao menos a sua sobrevivência por meio dos centros de pesquisa e universidades aos quais estão vinculados. Para os artistas, o desaparecimento de um órgão como o Ministério da Cultura é muito mais ameaçador do que o MCTI para os cientistas. Por outro lado, o diálogo da comunidade científica com o MCTI, com o Ministério da Educação e com outros órgãos públicos é feito por associações muito representativas, como a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. São intérpretes bastante acreditados pela comunidade. Os artistas têm várias instituições que as representam e, por isso, a mobilização individual parece ser um requisito forte para aumentar a probabilidade de sucesso de suas reivindicações. Não se trata, portanto, de uma negligência dos cientistas ou de uma disposição predatória dos artistas. Há condicionamentos sociológicos que podem ajudar a entender essas diferenças de comportamento.

O senhor acredita que os grupos sociais beneficiados por políticas de inclusão no país nos últimos anos terão condições de se mobilizar para impedir eventuais retrocessos?
Esse processo está se dando exatamente neste momento. Várias propostas – e intenções de propostas – do governo interino estão sendo colocadas na mesa e sofrendo fortes reações.

E provocando recuos por parte de quem propõe...
Exatamente. O sucesso das reações não é idêntico, mas elas têm acontecido. A queda de braço está ocorrendo. É novo no Brasil o fato de um poder recém-instalado ditar algo que eventualmente será aprovado na esfera legislativa e se ver obrigado a recuar diante de manifestações de inconformismo por parte de atores não partidários. Vejo isso como um momento extremamente interessante e positivo da sociedade brasileira.

A respeito da atual crise político-institucional e dos seus desdobramentos até o momento, o senhor afirma, no texto Saída ou beco constitucional, publicado em seu blog, que está seguro "de que não há solução constitucionalmente imaculada para tamanho desarranjo político" e que a "crise de usurpação só terá fim quando inventarem uma interpretação jeitosa que, embora nua, cubra a ilegalidade do acordo". Poderia aprofundar essa reflexão?
Quando escrevi isso, tinha em mente as propostas surgidas na blogosfera, como o plebiscito e novas eleições. O problema é que nenhuma dessas propostas cabe na Constituição. A adoção de uma dessas vias exige a interpretação elástica de algum parágrafo constitucional. De acordo com a Constituição, só há três saídas para o desenlace da atual situação. 1) a renúncia do governo interino antes que o mandato complete dois anos (nesse caso, o Supremo Tribunal Federal convocaria novas eleições; 2) o governo renunciaria depois de dois anos, e o legislativo indicaria um presidente-tampão para completar o mandato. 3) a situação caminha com os conflitos abertos, com maior ou menor intensidade. Ou seja, vai aos trancos e barrancos até as próximas eleições. Qualquer coisa fora disso, tem que se recorrer a alguma forma de ‘jeitinho’. O que ocorre é que as pessoas, ainda que bem intencionadas e apaixonadas, têm discutido esse tema [a saída da crise político-institucional] como se fosse uma coisa simples. Primeiro, como se fosse competência da presidente afastada convocar novas eleições. E não é. Nem ela nem de ninguém. A não ser nas condições especiais mencionadas. O que ela pode é propor uma emenda. Como fazer isso a um Congresso que está em vias de impedi-la? Tenho a impressão de que as pessoas, ansiosas por estabelecer uma normalidade democrática, não atentam para o fato de que não há uma forma normal de fazê-lo.

Qual hipótese seria menos ruim?
A renúncia – o mais breve possível – do governo interino, com a consequente recondução da presidenta [Dilma Roussef]. Até porque acredito ser a de menor custo social e econômico – não apenas constitucional. Os custos do processo político brasileiro hoje são muito elevados.

Em 1962, o senhor escreveu o artigo Quem vai dar o golpe no Brasil, um prenúncio do golpe civil-militar que ocorreria dois anos depois. Que semelhanças o senhor vê entre a conjuntura que desembocou no movimento militar com a que vivemos hoje, na qual uma presidente da República eleita pelo voto popular está sendo impedida por um dispositivo constitucional?
Se me permite um esclarecimento, Quem vai dar o golpe no Brasil não é artigo. Já ouvi essa referência algumas vezes. Foi, na verdade, um panfleto publicado em uma coletânea chamada Cadernos do povo brasileiro, editada pela Civilização Brasileira, sob a direção de Enio Silveira. Foi o quinto volume dessa coleção.

O senhor o qualifica como um panfleto porque foi escrito em uma linguagem popular, para atingir um público mais amplo...
Sim, esse era o espírito. A linguagem era a mais acessível possível. Voltando à sua pergunta, acho que não existe semelhança. O que há são duas dessemelhanças principais. A primeira, que julgo extremamente positiva, é que em 64 os militares estavam extremamente envolvidos na política partidária. Havia clivagens nas forças armadas – em especial no Exército – entre nacionalistas, pessebistas, udenistas, petebistas. As forças armadas estavam comprometidas com o processo político. Isso viabilizou a intervenção, porque representou uma projeção para a política civil – e também como repercussão da própria política civil – de conflitos que estavam se passando nas forças armadas. Os militares projetaram a resolução do seu conflito interferindo nas instituições políticas. Felizmente, isso não existe hoje. Não há envolvimento dos militares na política partidária. O que pode existir – e é natural que assim o seja – é o interesse dos militares por assuntos de sua alçada, como a política nuclear e o próprio aparelhamento das forças armadas. Eles tentam conquistar, por exemplo, uma boa fatia do orçamento.

E a outra diferença?
Em 1964, não se via, de fato, uma sociedade mobilizada. Havia um sem-número de siglas que aparentemente correspondia a grupos sociais organizados. Mas não eram. Eram siglas de fantasia. Havia uma movimentação limitada a alguns sindicatos que representavam seus trabalhadores. Mas o restante da sociedade não se mobilizava. Hoje é muito diferente. Já há algum tempo, a sociedade brasileira é extremamente mobilizada em associações voluntárias, grupos de interesse, associações desportivas, de pais e mães de estudantes, de pessoas com deficiência, de defesa ambiental, enfim de todo tipo que se possa imaginar.

E agora ainda há o fenômeno da internet para ampliar os espaços de mobilização...
Sim, vivemos uma mobilização política sem precedentes. Durante o movimento das Diretas Já, houve uma mobilização praticamente unânime em favor de eleições para presidente. Hoje, há divisões claras de classe, partidárias e de visões constitucionais. Isso é absolutamente inédito e positivo. O poder político não pode ser exercido num vácuo. Ele encontra resistências e demandas.

Mas diante de certa percepção de que a classe política e a próprias instituições são incapazes de encontrar uma saída para a crise, não haveria o risco de que, em algum momento, os militares se sintam instados a entrar no jogo político?
Eu não sou capaz de antecipar o que poderia acontecer na disposição de uma coletividade. Poderia fazer esse exercício para um ou outro personagem. Não há como, neste momento, imaginar as condições que poderiam ser postas para que o Exército, como instituição, interfira no processo civil.

Usando uma imagem empregada pelo senhor no artigo do blog, há saída nesse beco?
Essa perspectiva de buscar uma saída é de apenas uma parte da população, do eleitorado e dos políticos brasileiros. Para o grupo que está no poder, para a maioria no Congresso, para a maior parte dos órgãos de imprensa e para as associações empresariais, não existe um beco do qual se deve sair. Esses segmentos consideram que o Brasil está instalado em uma normalidade constitucional. Para os grupos que discordam desse processo é que se impõe o problema de como superar essa situação em um contexto de legalidade. A saída deve apontar para algo que venha a ser aceito pela maioria dos atores políticos relevantes.

Como o senhor analisa a crise da esquerda?
A esquerda tradicional anda na defensiva. Isso acontece no mundo inteiro. O recuo da esquerda começou em 2008 com o avanço de vários governos de centro-direita na Europa e agora na América do Sul. E com perdas consideráveis para grandes segmentos da população em termos de renda e prestígio social. Mesmo nos países nórdicos, os estados de bem-estar social, construídos nos últimos 30, 40 anos, foram desmontados. Ao mesmo tempo, esse movimento de mobilização da direita chegou de forma brutal e é também uma coisa nova. Foi muita rápida a construção do consenso que favoreceu a ascensão da direita entre imprensa, legislativo e associações de classe. Isso obviamente deixou as esquerdas tradicionais com dificuldades para entender o que aconteceu e para buscar saídas para o impasse. Mas uma coisa extremamente positiva, repito, é a capacidade de mobilização de vários grupos sociais independentemente das rotinas históricas da esquerda.

Nesses grupos pode estar emergindo uma nova esquerda?
Não sei. Esse é um momento de práxis. O que tem de ser está acontecendo. A reflexão precisa estar muito próxima dos acontecimentos, e ela ocorre fora da academia. O que sei é que estamos diante de uma coisa nova, muito maior do que a esquerda histórica consegue mobilizar.

A que fatores o senhor atribuiu o crescimento da direita, mesmo que ela aparentemente não apresente grandes novidades em seu discurso?
A novidade é que ela ganhou grande parte da população. Como isso aconteceu, eu honestamente não sei. Espero que sociólogos e historiadores forneçam mais elementos para compreender esse fenômeno. A literatura produzida de 2008 para cá é muito escassa. O fato é que as condições econômicas, principalmente na Europa, caminharam em uma direção, e a esquerda não soube comandar uma solução. Já a direita, nos últimos 30 anos, não teve a oportunidade, na escala que está tendo agora, de assumir tantos governos mundo afora.

Onde a esquerda errou?
Houve um autoconformismo, uma autocomplacência da esquerda e uma satisfação com as suas próprias vitórias políticas, não só do Brasil, mas em todo mundo, nos últimos anos. Isso levou a uma negligência do papel pedagógico que ela deve exercer, no sentido de permanentemente esclarecer a seus representados o que está acontecendo. Faltou à esquerda exercitar a pedagogia do poder. Isso a deixou sem condições de enfrentar a direita, que vem preparando esse golpe há dois anos. A esquerda precisa compreender e conduzir esse movimento novo em curso no Brasil; não basta só conseguir uma vitória sobre o governo interino. Caia ou não o governo interino, a população precisa ser esclarecida. Cabe à esquerda cumprir esse papel pedagógico de refletir sobre essas questões, algo que a direita não precisa fazer. A direita é o status quo, não interessa a ela esclarecer nada.

(Flávio de Almeida)

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