Universidade Federal de Minas Gerais

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Campus da UFMG na Pampulha: dois quarteirões à direita, a lagoa artificial, hoje com a metade dos 18 milhões de metros cúbicos de água com que foi construída

Campus e Pampulha: trajetórias entrelaçadas

segunda-feira, 8 de agosto de 2016, às 11h00

A história da Pampulha é a trajetória da dupla face da modernidade urbana: se, de um lado, a construção de seu conjunto arquitetônico significou desenvolvimento e progresso, de outro implicou questões como degradação ambiental, consequência do descontrole urbano ao longo da bacia hidrográfica — que foi provocado pelo próprio desenvolvimento da região.

É sob o signo dessa ambiguidade circular, própria da modernidade brasileira, que, no mês passado, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha conquistou o título de Patrimônio Mundial da Humanidade, conferido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

O título é concedido pela Unesco a monumentos, edifícios, trechos urbanos e ambientes naturais de importância paisagística que tenham valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. O objetivo não é apenas catalogar esses bens culturais, mas ajudar na sua identificação, proteção e preservação. Nesse sentido, o reconhecimento da Unesco surge como esperança de que sejam tomadas medidas de recuperação definitiva da bacia que dá nome à lagoa.

Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, o professor Marcus Vinicius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG, defende que a Pampulha se torne também um patrimônio ambiental:

As histórias da Pampulha e da Universidade Federal de Minas Gerais estão intimamente ligadas. Resultado de trabalho conjunto realizado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, pelo paisagista Roberto Burle Marx e pelo pintor Candido Portinari, além de vários outros grandes artistas, a Pampulha foi construída e inaugurada em 1943, sob a batuta do então prefeito Juscelino Kubitschek.

No fim da década de 1940, a então Universidade de Minas Gerais (UMG) foi federalizada e incorporava ao seu patrimônio territorial a área de 334 hectares onde hoje está erguido o campus Pampulha, tornando-se a maior ocupante individual da região. Um dos seus prédios mais emblemáticos, o da Reitoria, inaugurado em 1962, é um dos exemplares da chamada arquitetura pós-Pampulha. Mesmo sendo uma edificação posterior, foi projetado em diálogo com a arquitetura do conjunto.

No decorrer das décadas seguintes, a região da Pampulha e a UFMG veriam suas histórias se entrelaçarem, com grande parte da comunidade acadêmica orbitando em torno da lagoa, em razão, por exemplo, das moradias universitárias localizadas na região.

Glenio Campregher / Acervo FMC
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Casa do Baile é um dos prédios do conjunto arquitetônico reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade

O Portal UFMG conversou com o professor Flávio Lemos Carsalade, da Escola de Arquitetura, sobre os significados da conquista. Arquiteto e urbanista, ele é autor de Pampulha, livro publicado pela coleção BH. A cidade de cada um. O professor também foi secretário regional da Pampulha e presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), além de ter orientado diversos trabalhos de pesquisa relacionados à região. Carsalade também foi o coordenador técnico do dossiê de candidatura encaminhado à Unesco.

Que avaliação o senhor faz da escolha do Conjunto Arquitetônico da Pampulha como Patrimônio Mundial da Humanidade?
Carsalade: Ela é importante sob diversos pontos de vista. Do ponto de vista histórico, é um reconhecimento significativo. É algo que se relaciona com a afirmação da identidade brasileira. A Pampulha foi construída em um tempo em que o Brasil estava buscando, como nação, a sua identidade. Do ponto de vista da arquitetura, a construção também representou a abertura de novas possibilidades de linguagem. Na época, a arquitetura mundial estava se renovando por meio do Movimento Moderno, mas este se centrava muito em bases funcionalistas e em uma racionalidade construtiva baseada no ângulo reto. Niemeyer muda esse paradigma, inovando com o uso da curva e uma plástica mais livre.

É também um reconhecimento importante sob o ponto de vista prático porque o dossiê elaborado para a concorrência tem duas partes. A primeira trata do aspecto histórico, do mérito, e a segunda diz respeito a um plano de gestão. Esse plano é um compromisso de investimentos, que não serão feitos diretamente pela Unesco, mas há uma agenda de investimentos e gestão compromissada com o órgão internacional. Todas as três instâncias federativas – a federal, a estadual e a municipal – se comprometeram a realizar ações, principalmente a municipal. Além disso, haverá uma visibilidade maior, o que significa mais chance de a região atrair investimentos. A escolha abre caminhos para o turismo e para a iniciativa privada, com o surgimento de empresas interessadas em agregar sua marca à imagem da Pampulha.

Foca Lisboa / UFMG
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Que compromissos são esses?
Carsalade: Um deles é a melhoria da qualidade da água por meio de um sistema de biorremediação, algo que já está sendo realizado. A própria Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) tem um trabalho de caça a esgotos clandestinos e está terminando uma série de redes de esgoto em torno da lagoa. Haverá também um melhor controle do desenvolvimento urbano ao longo da bacia.

Reportagem da Rádio UFMG Educativa discute cumprimento de metas de despoluição da lagoa, confira:

O senhor acredita que a despoluição da lagoa finalmente ocorrerá?
Carsalade: O plano de gestão visa justamente estabelecer uma agenda factível para diversas medidas, e uma delas é a recuperação da lagoa. Trata-se de um problema que já está equacionado; já se sabe o que é preciso fazer. A dificuldade, no caso, é realizar efetivamente porque não se trata de um trabalho simples. É complexo. Não é só limpar a lagoa ou estabelecer um controle de lançamento de esgoto nas suas margens. A lagoa é o resultado da contribuição dos inúmeros córregos que a alimentam, e isso pressupõe várias coisas: controle de esgotos clandestinos, melhoria das condições dos assentamentos ribeirinhos, controle do descarte de componentes químicos pelas indústrias e coibição dos bota-foras clandestinos de sedimentos, entre outras medidas. Trata-se de uma questão que diz respeito não apenas a Belo Horizonte, pois há afluentes provenientes de Contagem. É uma poluição difusa, cujo controle é complicado. Agora, não é porque é complicado que não tem jeito de fazer.

As Olimpíadas, a Copa do Mundo e a Copa das Confederações nos lembraram recentemente de certa tendência dos governos brasileiros de não honrar compromissos estabelecidos internacionalmente. O que pode ocorrer se as medidas previstas no plano de gestão não forem cumpridas pelos governos?
Carsalade: Bem, o título pode ser retirado. No plano de gestão, estabelece-se uma agenda de investimentos e ações que precisam ser cumpridos. Se isso não ocorrer, o título pode, sim, ser retirado. A Unesco trabalha com denúncias e, em alguns momentos, com missões de acompanhamento.

É possível que a Lagoa da Pampulha volte a sediar a prática de esportes náuticos de lazer, a exemplo de quando foi criada?
Carsalade: A lagoa nunca mais será um espaço amplamente liberado para esportes náuticos de lazer, natação, essas coisas. Mas é viável que, com a recuperação, o local passe a sediar eventos náuticos controlados, competições esportivas eventuais, corridas de barcos, disputas de remo, algo do gênero. O que estou querendo dizer é que você vai poder colocar a mão na água, mas não vai poder nadar. A pesca também precisará ser regulamentada.

Em homenagem à conquista do título, a TV UFMG produziu um vídeo sobre o Conjunto Arquitetônico da Pampulha:


Joia modernista
O conjunto arquitetônico da Pampulha é constituído pela lagoa artificial, sua orla e o espelho de seus 18 milhões de metros cúbicos de água iniciais (estimados hoje em metade desse volume), os jardins de Burle Marx, a Igreja de São Francisco de Assis, o Museu de Arte da Pampulha (antigo Cassino), o Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte (antiga Casa do Baile) e o Iate Tênis Clube (antigo Iate Golfe Clube).

Ricardo Laf / Acervo FMC
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Museu de Arte da Pampulha

A programação cultural de celebração da conquista do título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela Pampulha começou em julho e segue por todo o ano, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte. Estão previstas exposições nos prédios do conjunto, visitas guiadas, seminário e aula pública, eventos esportivos e de lazer, apresentações artísticas, atividades culturais e religiosas, feira de livros.

Marcelo Rosa / Acervo Belotur
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Igreja de São Francisco de Assis

O Brasil conta hoje com quase duas dezenas de bens reconhecidos pela Unesco como patrimônio mundial, entre eles a arquitetura moderna de Brasília, o centro histórico de Olinda e alguns bens naturais, como o Pantanal e o Parque Nacional do Iguaçu. Em Minas Gerais, são reconhecidas a cidade histórica de Ouro Preto, o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, e o Centro Histórico de Diamantina.

Foca Lisboa / UFMG
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Vista aérea de parte do campus Pampulha da UFMG

(Ewerton Martins Ribeiro)