O desafio de demarcar a atuação da extensão universitária foi tema da conferência de abertura do 48º Encontro da Regional Sudeste do Fórum de Pró-reitores de Extensão de Instituições Públicas Brasileiras de Educação Superior (Forproex Sudeste), realizada ontem, no campus Pampulha. Apesar da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão estar prevista no artigo 207 da constituição federal, a professora da Faculdade de Educação e ex-ministra do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, ressaltou que, na prática, isso não ocorre. “Essa indissociabilidade ainda não existe. As três esferas deveriam ser equivalentes, mas sabemos que a extensão ainda sofre com uma mentalidade que hierarquiza ensino, pesquisa e extensão. Muitos põem a pesquisa e o ensino à frente, como se fossem mais importantes”, disse. Segundo a professora, definir a extensão é uma atividade complexa, e ainda não há, entre as instituições de ensino superior, um consenso sobre as funções que deveriam exercer. Ela afirma que existem duas visões sobre a extensão: a clássica e a emancipatória. A clássica entende a extensão como uma ação das instituições de ensino superior junto à comunidade e seu redor, disponibilizando, ao público externo, o ensino e a pesquisa desenvolvidos pela instituição. Já a visão emancipatória é aquela que, segundo a professora, reflete melhor a verdadeira função social da extensão, que deve ser vista como uma comunicação que se estabelece entre a instituição de ensino e os segmentos sociais e comunitários. “A extensão, nessa interpretação emancipatória, se realiza por meio do conjunto de práticas educativo-pedagógicas, políticas, multidisciplinares, acadêmico-científicas, culturais e de inclusão social por meio de vivências que possibilitam o encontro entre saberes tradicionais e os conhecimentos científicos, de forma interativa, associando teoria e prática, no confronto com a diversidade de grupos e de práticas culturais”, afirmou. Resgatando o pensamento do professor Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, de Portugal, Nilma destacou que a universidade e a comunidade estão separadas por uma linha abissal e que a extensão deve se preocupar em vencer esse abismo. “Se não superarmos esse abismo, a universidade será sempre um universo à parte, hierarquizado e separado dos outros universos. Sem essa superação, por mais que as pessoas sejam incorporadas pela vida acadêmica e universitária, sempre as consideraremos inaptas para conviver dentro da cidade do conhecimento” disse. Ela acrescentou que a visão de extensão como uma ponte que liga universidade e sociedade não é suficiente para defini-la. “A ponte não é o mais importante nessa relação, e sim a concepção que as instituições têm dos sujeitos desses dois mundos que precisam ser interligados – o mundo acadêmico e o da comunidade, dos movimentos sociais, dos não universitários e não acadêmicos.” Em seu pronunciamento, a professora Benigna Maria de Oliveira, pró-reitora de Extensão, falou sobre a relação histórica que a UFMG mantém com o fórum de pró-reitores. “Sediar o Forproex quando a UFMG comemora seus 90 anos é muito importante; a Universidade sempre foi atuante e esteve presente nos encontros de extensão", disse ela, acrescentando que a extensão tem a missão de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa. "Queremos fortalecer a dimensão acadêmica da extensão e a pauta de direitos humanos", disse. Em tempos de crise Sobre a extensão, o reitor destacou que essa dimensão acadêmica desempenha papel relevante na resistência às mais recentes medidas governamentais. “A universidade precisa ocupar novos papéis, e a extensão é importante, porque é nossa porta com essa sociedade. A melhor maneira de resistir é apresentar novas e melhores ideias.” Na visão de Nilma Lino Gomes, as grandes vítimas desse novo cenário são os coletivos sociais e as pessoas historicamente excluídas. “Assistimos a um golpe e estamos passando por uma onda conservadora e de direita. Há um projeto em curso que se reflete nos retrocessos das pautas da igualdade racial e de gênero, por exemplo. Os últimos anos foram aqueles em que a universidade pública mais se abriu para os excluídos. Nos últimos meses, várias políticas de igualdade foram destruídas. Precisamos ser pró-ativos e exercer nossa capacidade de intervenção”, conclamou. A programação do Forproex segue até amanhã, 7, com palestras, conferências e mesas-redondas. O Forproex Sudeste é um evento que reúne pró-reitores de extensão de instituições federais de ensino do sudeste brasileiro. No encontro, os pró-reitores buscam articular e definir políticas de extensão unificadas entre as universidades brasileiras, propondo diretrizes que integrem as instituições de ensino à sociedade civil.
A abertura do evento também foi marcada por manifestações sobre o atual cenário político-institucional. O reitor Jaime Ramírez lembrou que a sociedade brasileira passa por um momento difícil, com o governo cortando investimentos em áreas como saúde e educação. “Vivemos uma crise que não é só política, mas econômica e institucional. Tudo que conquistamos nos últimos anos está sendo perdido e as atuais atitudes do governo, de cunho ideológico, são preocupantes e nos desafiam”, disse.