Fotos: Foca Lisboa / UFMG
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“Se a matemática é tão bela e útil, como dizem os matemáticos, onde estão escondidas essa beleza e essa utilidade que a maioria das pessoas não vê? A pergunta foi lançada pelo matemático Mário Jorge Dias Carneiro, um dos pesquisadores mais proeminentes de sua área no Brasil, durante a cerimônia em que recebeu o título de Professor Emérito da UFMG, nesta segunda-feira, dia 8, no auditório 3 do Instituto de Ciências Exatas (ICEx). Ainda que a tarde fosse de celebração e homenagem, Mário Carneiro não deixou de criticar um dos grandes paradoxos que caracteriza a ciência brasileira, incluindo a matemática. “Não é possível ficar indiferente diante da abominável desigualdade no acesso ao conhecimento. Ao mesmo tempo em que a produção científica brasileira ganha reconhecimento crescente no cenário internacional, vemos o fraco desempenho de alunos nas diversas avaliações nacionais e internacionais. Grandes desafios se apresentam para a universidade brasileira, em especial para os matemáticos: a busca da excelência científica, a formação de quadros para a educação e a melhoria da comunicação do conhecimento", defendeu. Ao fazer um balanço de sua trajetória, Mario Carneiro [foto ao lado] enalteceu o papel da UFMG – “com seus valores, ela tem sido referência para a minha conduta acadêmica" – e registrou ter tido “a sorte de estar no lugar certo na hora certa e encontrar pessoas generosas pelo caminho”. Entre elas, citou Jacob Palis, ex-presidente do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e referência internacional nesse campo, que participou de sua banca de mestrado e com quem publicou nos anos 1980 um estudo na área de bifurcações de sistemas dinâmicos. “Minha vida foi muito influenciada pelo Jacob”, reconheceu. O novo professor emérito também sintetizou a trajetória da pós-graduação e do Departamento de Matemática do ICEx e lembrou a contribuição da UFMG “para revelar aspectos bonitos da matemática para um público mais amplo”, como as Olimpíadas de Matemática, o Programa de Iniciação Científica, as bienais de matemática e o Projeto Klein, que relaciona temas atuais de pesquisa com conteúdos elementares da área. Ao fim de sua exposição, compartilhou sua “sensação de trabalho inacabado” e decretou: “Aqui, começo a minha vida nova”. Conflito de interesses Para Dutenhefner, Mário Jorge é “gestor exemplar, que assume suas responsabilidades, sem ser centralizador”. E agradeceu aos colegas que alertaram a Congregação do ICEx – responsável pela indicação – de que “não poderíamos esquecer ou deixar passar a oportunidade de oferecer esse título ao Mário no momento de sua aposentadoria”. Márcio Soares disse que, se sua saudação fosse um parecer ad hoc para algum projeto de financiamento apresentado pelo professor Mário Jorge, ele pediria dispensa imediatamente, pois configuraria conflito de interesses. “Somos amigos desde a graduação e chegamos a dividir um quarto numa pensão em Poços de Caldas durante um colóquio de matemática, em 1973”, disse o professor. Soares fez um breve apanhado das atividades de Mário Carneiro – diretor da Sociedade Brasileira de Matemática, chefe do Departamento de Matemática do ICEx, coordenador da Pós-graduação em Matemática da UFMG, do Programa de Iniciação Científica da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (PIC-Obmep) e de área na Capes. “Essas atividades fecham um ciclo de atribuições esperadas de um professor universitário, que trabalhou com ensino, pesquisa, extensão e gestão", afirmou. Segundo o amigo, Mário Jorge Dias Carneiro teve grande contribuição para a formação de pesquisadores nos âmbitos da iniciação científica, mestrado e doutorado. “Seguramente, ele participou de 20% das defesas de teses do Programa de Pós-Graduação em Matemática”, disse Soares, que também enalteceu o trabalho de pesquisa do homenageado, classificando de “inéditas” as contribuições de sua tese de doutorado – orientada por John Mather, na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos – para a área de singularidade de aplicações. “As pessoas acham que original e inédito são a mesma coisa. A maioria das teses de matemática – 99% – são incrementais. A dele é inédita, proporcionou um salto, abriu novas perspectivas”, afirmou. O professor Márcio Soares também falou sobre a personalidade do amigo – “que não sabe dizer ‘não’” –, mas ressalvou que o agora emérito atravessa um novo momento em sua vida. “Ele ouve vozes muito fortes, muito poderosas, as vozes dos netos”, brincou, referindo-se à recente aposentadoria e à oportunidade de se dedicar mais à família. Conjunto vazio Ao fim de seu pronunciamento, Lima ofereceu um presente simbólico a Mário Jorge Carneiro: uma lata de lixo de madeira em alusão a uma fala do matemático Artur Ávila, que, em recente conferência UFMG, declarou que “os instrumentos para se fazer Matemática são papel, caneta e lata de lixo - principalmente lata de lixo”. Distinção singular “A UFMG construiu um ethos traduzido na concepção de que, entre as muitas honrarias a que um docente pode aspirar, o título de que, de fato, ele se orgulha é o de ser professor. Você, Mário, é antes de tudo um professor especial. Por seus méritos, é reconhecido por seus pares do ICEx e de toda a UFMG – como poucos em toda a instituição. Sua história de vida está entrelaçada com a história do próprio departamento”, concluiu Ramírez. Trajetória
Colega de departamento do novo emérito, o vice-diretor do ICEx, Francisco Dutenhefner, recordou os tempos em que trabalhou com o professor Mário Jorge Carneiro na organização das Olimpíadas de Matemática em meados dos anos 90. “Ele sempre esteve presente, aos sábados e domingos, dando aulas, elaborando exercícios, participando dos encontros de professores”, disse.
Outro emérito do Departamento, Márcio Gomes Soares [foto ao lado], ficou encarregado de fazer a saudação a Mário Jorge, de quem é amigo há mais de 40 anos. O escolhido inicialmente para cumprir o ritual foi o matemático Jacob Palis, mas um acidente – ele sofreu uma queda – o impediu de participar da cerimônia. Palis enviou uma mensagem, que foi lida por Soares. “Você [Mário Carneiro] deu muito de seu grande talento à UFMG, a Minas Gerais e ao Brasil, tornando-se modelo para seus colegas e seus amigos”, escreveu Palis.
Em discurso bem-humorado, o chefe do Departamento de Matemática, Bernardo Nunes Borges Lima [foto abaixo], anunciou que enumeraria as contribuições de Mário Jorge Carneiro, bem ao estilo do homenageado, apropriando-se do jargão matemático. “Descreverei o conjunto de todas as suas contribuições dentre as atividades realizadas em nosso departamento, descrevendo o complementar deste conjunto. É o conjunto vazio! Não há coisa alguma, obviamente entre as boas coisas deste departamento, em que não haja sua participação. Ano que vem, completaremos 50 anos de existência e sua presença está em absolutamente tudo o que fazemos”, afirmou ele.
No encerramento da cerimônia da Congregação do ICEx, o reitor Jaime Ramírez discorreu sobre o sentido do título de professor emérito da UFMG. Embora guarde correspondência com distinções de outras instituições, a honraria conferida pela UFMG possui uma singularidade, na visão do reitor.
Mario Jorge Dias Carneiro é graduado (1975) e mestre (1977) em Matemática pela UFMG e doutor, também em Matemática (1980), pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Professor titular da UFMG, tem experiência em sistemas dinâmicos. Sua trajetória acadêmica está descrita em seu currículo na Plataforma Lattes e em perfil publicado pela Academia Brasileira de Ciências, do qual é membro desde 1999.
Cerimônia reuniu colegas de departamento do homenageado e de outras unidades da UFMG