Fotos: Foca Lisboa / UFMG |
“O mundo é bem maior que Trump”, afirmou em tom otimista o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, Carlos Nobre, em conferência na noite desta quarta-feira, 17, no campus Pampulha. O evento integrou o ciclo UFMG, 90 – desafios contemporâneos, que comemora as nove décadas de fundação da Universidade. Apesar da urgência em alcançar a meta de contenção do aquecimento global em menos de 2°C – que depende da ratificação ao Acordo de Paris da Convenção Climática de pelo menos 55 países responsáveis por 55% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) –, Nobre disse acreditar que algumas nações, como a gigante China, não queiram perder a oportunidade de investir em energias renováveis. Destacou ainda que o Brasil precisa estar preparado para assumir ainda mais protagonismo nessa área. O climatologista, contudo, condenou a relutância dos Estados Unidos em assinar o Acordo e a postura do seu presidente, ao desqualificar as evidências científicas sobre os riscos das mudanças climáticas e nomear negacionistas do aquecimento global para desempenhar altas funções em seu governo. “A irresponsável cegueira do presidente Trump na questão climática poderá ter um impacto infinitamente maior e por muitas décadas ou séculos para o planeta e para todas as espécies vivas, inclusive o Homo sapiens, se ultrapassarmos algum limite planetário sem volta”, enfatizou Carlos Nobre, autor de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) – em particular, o Quarto Relatório de Avaliação, com o qual o IPCC foi agraciado em 2007 com o Prêmio Nobel da Paz. A mudança climática chegou De forma didática, o pesquisador discorreu sobre as causas do aquecimento global, mostrando o papel dos gases de efeito estufa. “Não restam dúvidas: os níveis atmosféricos de gás carbônico (CO2) estão 40% mais altos do que eram em 1750”, disse. Segundo ele, à medida que o CO2 aumenta, a temperatura sobe. Nobre projetou gráficos com base em cálculos do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), demonstrando que o aquecimento da Terra em mais de 1°C desde 1880 não pode ser creditado a fatores naturais, como variações da órbita da Terra e da radiação solar e erupções vulcânicas. Desafio gigantesco As metas incluem conter o aumento de temperatura média global em 2°C até o final do século, com o compromisso de que esse aumento seja inferior a 1,5°C, estabelecer metas de reduzir as emissões dos gases de efeito estufa e diminuir em 70% as emissões até 2050 e a zero até o fim do século 21. Trata-se, em sua opinião, de “desafio gigantesco”, que deve ser perseguido sob pena de se perder a condição de vida no planeta, uma vez que "o potencial de adaptação reduz-se à medida que o aquecimento ultrapassa certos limiares". O pesquisador demonstrou preocupação com o fato de que, apesar da gravidade da situação, a percepção de risco seja menos aguçada quando se trata de questões ambientais, comparativamente a outros temas, como saúde. E lembrou que a Organização Mundial de Saúde lançou o mais alto nível de alerta internacional de emergência em novembro de 2015, quando ainda havia grande incerteza científica sobre a relação de causalidade entre vírus da Zika e microcefalia. Papel do Brasil Nobre afirmou que 70% das emissões brasileiras vêm da agricultura, da pecuária e do desmatamento, enquanto 80% das emissões na China são provenientes da queima de combustíveis fósseis. Trajetória Atuou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi presidente da Capes, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Carlos Nobre representa o Brasil no International Institute for Applied System Analysis. Foi membro do International Scientific Advisory Panel do Climate Change Adaptation Program (Holanda). É membro do High Level Scientific Advisory Panel on Global Sustainability, que assessora o secretário-geral da ONU. Tem experiência na área de geociências e ciências ambientais, com ênfase em meteorologia, climatologia, modelagem climática e ciência do sistema terrestre, tratando principalmente de temas como ciências atmosféricas, clima, meteorologia, Amazônia e modelagem climática, interação biosfera-atmosfera, mudanças climáticas e desastres naturais. Antes da conferência, o professor Carlos Nobre foi entrevistado pela equipe da TV UFMG. Ele falou sobre os 90 anos da UFMG e sobre os impactos das mudanças climáticas. Assista ao vídeo:
Por meio de modelos matemáticos, Carlos Nobre mostrou diferentes cenários para o planeta, com projeções de aumento de temperatura e enfatizou que há limites para a adaptação às mudanças climáticas. Com relação à vulnerabilidade de biomas, informou que a América do Sul é o continente com maior risco de extinção de espécies atribuível a essas mudanças – 25% das espécies locais desapareceriam com aumento de 4°C na temperatura global.
Carlos Nobre, que é Senior Fellow do World Resources Institute (WRI) Brasil, ressaltou que há urgência em agir para combater as mudanças climáticas. “Necessitamos reduzir fortemente as emissões e aumentar drasticamente as remoções de CO2”, disse, lembrando que, pela primeira vez, 195 nações que firmaram o Acordo se comprometeram a tomar medidas para combater essas mudanças.
Carlos Nobre defendeu que o Brasil, com seu “enorme potencial”, assuma maior protagonismo no combate ao aquecimento global. Segundo o pesquisador – que há 20 anos formulou a hipótese da "savanização" da Amazônia em resposta a desmatamentos e vem estudando como o aquecimento global pode influenciar a floresta tropical –, o país deve reduzir o desmatamento da Amazônia e do cerrado, aumentar a participação de energias renováveis na matriz energética e investir na agricultura sustentável.
Graduado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica e doutor em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology, Carlos Nobre iniciou sua carreira profissional no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).