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Nº 1588 - Ano 34
30.10.2007

A vida pulsa nos bairros

bh
Eber Faioli

Flávio Henrique Pereira Santos*

Os bairros surgem junto com as cidades. Quando uma malha urbana se expande, formam-se bairros ao longo de sua extensão; quando não há expansão constante e uniforme, vários bairros se espalham pelas cidades. Podemos pensar nos aspectos funcionais dos bairros de acordo com os aspectos funcionais que as cidades exercem ao longo da história.

Isso vale tanto para as pólis gregas, caracterizadas como pontos de convivência da população ao redor da ágora, quanto para o período feudal, quando as cidades tinham função secundária e os bairros eram mais representados pelo mercado que neles existia.

A igreja, mais precisamente as paróquias, desempenhou função importantíssima na união das comunidades e nas representações de bairros. As comunidades começaram a se unir primeiramente pela fé. Além de centros religiosos, as paróquias eram lugares de encontro e importantes centros de decisões comunitárias para os diversos distritos que se formavam no Brasil colonial. As mais diversas e distantes paróquias nos grandes centros representavam, em si, uma dada comunidade.

Porém, os bairros expandiram-se e degradaram-se com a industrialização. O modelo capitalista impôs novo sentido às comunidades. Tomadas pelas fábricas, as cidades precisaram se reinventar. Bairros passaram a ser projetados para a classe operária e para a grande massa trabalhadora que se desloca para as cidades. Muitos surgiram da noite para o dia, às vezes somente para atender a uma poderosa indústria que escolheu determinado local para se instalar. As comunidades tiveram que se adaptar aos novos tempos. Com o crescimento urbano e o desenvolvimento capitalista, o rentismo passou a ser a palavra da ordem. Os atributos comunitários e históricos dos bairros foram substituídos pelos valores econômicos e espaciais. Os governos, representantes dos capitalistas, precisam intervir, quase sempre, a favor desses novos valores, principalmente a partir da primeira metade do século 20.

Rentinismo: Termo que designa o uso e a valorização planejada do espaço, com o objetivo de obter dele a maior renda possível.

As paróquias e os centros comunitários vão aos poucos perdendo expressão, a metropolização fragmenta o cotidiano, estabelece nova lógica, faz sucumbir cidades e valores. Mesmo as particularidades históricas de uma comunidade ou bairro são utilizadas para fins econômicos. O rentismo ocorre em qualquer escala, as grandes empreiteiras tomam conta de tudo. Carlos Prates, Padre Eustáquio e Sagrada Família, regiões tradicionais de Belo Horizonte, passam a ser bairros clássicos tomados pelas imobiliárias que se apropriam dos seus aspectos históricos. Novos bairros de luxo são projetados, como o Belvedere e o Buritis, enquanto a periferização é orquestrada pela dupla Empresa-Estado.

A cidade toma nossa identidade e minimiza as comunidades, impõe o individualismo e o consumismo. Até o medo e a insegurança são cooptados pelo capital, a natureza é esquecida e reservada. Os poucos espaços verdes que restam em meio ao cinza urbano destacam-se na paisagem, entre eles os parques municipais, pontos de lazer e resquícios de bem-estar natural.

Mas uma corrente luta contra isso, as pessoas se conscientizam e buscam a retomada das identidades antes esquecidas. Percebe-se uma busca por novos e antigos valores, adaptados à vida urbana atual e ao cotidiano a que nos sujeitamos. As paróquias, agora aliadas às escolas, aos centros culturais e aos novos núcleos religiosos, promovem a retomada das comunidades. Organizações políticas, sindicais e outras instituições, como a UFMG, têm papel importante nessa assunção. A universidade, em si mesma, é uma comunidade, mas não pode esquecer do seu entorno, da região que ocupa.

Vivenciamos agora uma luta não só contra o domínio de mercado que abrange todas as formas de viver, mas também uma luta de direito. O direito à cidade ampliou-se. Queremos segurança, estruturas, cultura, educação. Queremos que nossas necessidades sejam atendidas. É importantíssima a participação das pessoas nesse movimento; gente atrai gente. Ouvir o que elas têm a dizer é fundamental. A comunidade vive nas nossas ações, nas cobranças, nos direitos reconstituídos, nos deveres conscientizados, na organização e na participação. Na comunicação e na liberdade. A comunidade vive nos bairros, vive nas pessoas.

*Aluno do 6º período do curso de Geografia do IGC

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