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Nº 1608 - Ano 34
06.05.2008

Especular o amanhã, engravidar o presente

Estudo do Ieat relaciona 80 profissões do futuro

Glauciene Lara

O ano de 2001 chegou e passou, mas a humanidade continua criando odisséias no tempo e no espaço. Como o contato com culturas de outros planetas não está descartado – apesar de muitos restringirem essa possibilidade ao campo da ficção científica –, não parece absurdo imaginar a figura de um profissional especialista em relações com extraterrestres: o etnoastronauta. Esta, junto como outras novas ocupações como as de lixólogo – gestor de resíduos – e especialista em inteligência artificial, somam 80 atividades mapeadas em estudo sobre as profissões do futuro, desenvolvido pelo Instituto de Estudos Avançados e Transdisciplinares (Ieat) da UFMG. A pesquisa foi calcada na observação e na análise do contexto contemporâneo e em entrevistas com professores de vários campos do conhecimento.

Baseado nos desafios contemporâneos, o estudo identifica as tendências do mercado nos campos de integração dos saberes, tecnologia, biologia e evolução, ética, meio ambiente, artes e educação. “São profissões que lidam com desafios éticos, humanos, sociais, culturais e ambientais e que pretendem, por exemplo, harmonizar culturas e lidar com novas fontes de energia”, explica o professor Carlos Antônio Leite Brandão, diretor do Ieat. Ele comenta que podem ser ocupações completamente novas ou já existentes, mas pensadas com novos procedimentos e articulações. Uma profissão tradicional como Direito, por exemplo, enfrenta desafios que englobam as questões autorais na Internet, a manipulação do código genético, as células-tronco, os transgênicos e o direito dos animais.

Valores universais

O futuro projetado no estudo envolve desde processos que já estão começando até os que vão se consolidar em cerca de 50 anos. Segundo o diretor do Ieat, algumas profissões não traduzem exatamente tendências do mercado. Na verdade, elas vão ao encontro do desejo do Instituto de estimular o resgate de valores universais em desuso, como justiça, liberdade e ética. “Essas questões precisam ser cultivadas em todas as áreas, sobretudo na universidade pública, que é independente do mercado de trabalho”, completa.

“A sociedade contemporânea está diante de muitos desafios complexos. Por isso, as respostas da universidade também devem ser complexas”, afirma Brandão. O diretor do Ieat lembra que, apesar do saber disciplinar ainda estar muito presente, a UFMG está criando espaços para a difusão da cultura transdisciplinar, a grande tendência no que se refere ao conhecimento. Ele explica que a transdisciplinaridade não contesta o saber arraigado, mas complementa-o. “Só quem é especializado em um campo vai fundo e encontra os limites em que a área é obrigada a conectar-se com outras”, explica.

Para os que estão preocupados com o modo como vão se capacitar para atuar no mercado do futuro, Brandão receita tranqüilidade. “O profissional do futuro não é o erudito ansioso em conquistar todos os assuntos possíveis. É o profissional capaz de filtrar o mundo inflacionado de informações, de ter imaginação para interpretá-las, conectá-las e aplicá-las em vários campos do conhecimento”, esclarece.
O estudo do Ieat deu origem a um vídeo com entrevistas de professores da UFMG de várias áreas do conhecimento, que, em breve, estará disponível na página da instituição (www.ufmg.br/ieat)

 

Na bola de cristal, o futuro do conhecimento

Os professores Sérgio Pena, Eduardo Mortimer, João Antônio de Paula, Maurício Loureiro e Virgílio Almeida foram convidados pelo BOLETIM a fazer uma análise sobre o que o futuro reserva para as grandes áreas do conhecimento.

Saúde

“O conhecimento do mapa de predisposições genéticas de cada indivíduo permite o ajuste do estilo de vida do indivíduo ao seu genoma e previne o aparecimento das doenças. Micromáquinas com motores moleculares em desenvolvimento podem ser usadas para reparos nos tecidos ou paredes das artérias, decorrentes de arteriosclerose e aneurismas. [Outras pesquisas] sintetizam o genoma de bactérias para limpar o meio ambiente e para o tratamento médico. [Há também] a ciência de redes, baseada em princípios que regem as redes ecológicas, sociais, imunológicas. Profissões do futuro podem ser nanocirurgião, nanofarmacologista e 'desenhista de novas formas de vida'".
Sérgio Pena, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas

Educação

“A ênfase é num currículo que permita formar um cidadão crítico e participativo, que possa discutir e posicionar-se sobre questões sociocientíficas relevantes para o mundo atual. O conhecimento deve ser visto como provisório e tentativo. O futuro reserva aos professores da educação básica demandas para além das disciplinas tradicionais. Na sua formação, será necessário vivenciar a investigação de problemas abertos, para que possa aprender como abordar isso com seus alunos.”
Eduardo Mortimer, professor do Departamento de
Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de
Educação da UFMG

Tecnologia

“As profissões na área de tecnologia abrangem áreas como biotecnologia, ciências da saúde, tecnologias da informação e comunicação, aeroespacial, tecnologias de novos materiais e nanotecnologias. Estatísticas do governo norte-americano apontam que as profissões relacionadas à tecnologia da informação estão entre aquelas que terão maior crescimento nos próximos dez anos. A necessidade de profissionais qualificados com uma sólida base teórica e formação disciplinar é crescente.”
Virgílio Almeida, professor do
Departamento de Ciência da
Computação da UFMG

Artes

"Na Música, mais recursos para manipular e lidar com o som geram necessidades e possibilidades ao homem, assim como em outras áreas, como o vídeo e a fotografia. A sociedade dissemina músicas de várias formas, o que gera a demanda por um profissional da sonologia – designer de som –, capaz de projetar ambientes sonoros e musicais, tendo em vista o controle estético, do conforto e do ruído. Pela Musicoterapia, a música atinge a saúde, em terapias de reabilitação e na manutenção da qualidade de vida. A educação musical, abandonada desde 1968, após a reforma educacional do governo militar, pode voltar à educação básica, inclusive no ensino para alunos com algum tipo de deficiência".
Maurício Loureiro, professor do departamento de Instrumentos
e Canto da Escola de Música

Humanidades

“Não só as humanidades, todas as áreas do conhecimento, estão hoje confrontadas com a necessidade de ‘superar’ a especialização disciplinar, impotente diante de fenômenos complexos, que demandam olhares inter e transdisciplinares. Isso pressupõe a mobilização de uma perspectiva conceitual e metodologicamente aberta e plural, capaz de dialogar, de compartilhar conceitos, preocupações, referências e motivações.”
João Antonio de Paula, professor do Departamento de Ciências Econômicas
da UFMG