Busca no site da UFMG

Nº 1644 - Ano 35
16.3.2009

Um livro para matar a sede

Professor da UFMG discute ampliação do acesso à água
limpa e às condições sanitárias adequadas

Léo Rodrigues

Filipe Chaves
Leo Heller
Léo Heller: defesa da presença do Estado no setor de abastecimento

Um compromisso pelo desenvolvimento mundial. Este foi o resultado da Cúpula do Milênio, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000. No encontro, 191 nações oficializaram um pacto para melhorar a situação da população mundial até 2015. Entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, consta reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável e ao saneamento. O documento já tem quase uma década e a ONU avalia que os avanços foram tímidos. Buscando contribuir para a melhora do quadro, o professor Léo Heller, da Escola de Engenharia da UFMG, editou um livro sobre o tema do saneamento, juntamente com o professor e sociólogo argentino José Esteban Castro, da Universidade de Newcastle, na Inglaterra.

Composto por 21 capítulos, Water and sanitation services (Água e serviços sanitários) recebeu a contribuição de 35 autores que discutiram o tema e realizaram análises de casos, com base numa metodologia sugerida pelos editores. A abordagem interdisciplinar envolveu sociólogos, engenheiros, geógrafos e cientistas políticos. O livro, publicado na Inglaterra pela editora Earthscan, será lançado oficialmente no início de abril na Universidade de Londres. Os editores têm a expectativa de lançar uma edição em português em 2009 e outra em espanhol em 2010.
A obra é dividida em duas partes. A primeira, teórica e conceitual, apresenta várias vertentes. “O tema do saneamento é muito discutido do ponto de vista tecnológico. Mas nós temos a convicção de que apenas esta abordagem é insuficiente para garantir avanços na inclusão da população. Precisamos discutir mais a gestão e as políticas públicas. Por isso, demos significativa atenção ao corpo teórico que envolve a questão”, explica Léo Heller. A segunda parte do livro é composta por estudos sobre a realidade de locais da África, das Américas, da Ásia e da Europa.

A gestão do saneamento é uma discussão que permeia toda a publicação. Os editores advogam pelo setor público, mas permitem a pluralidade de opiniões. Os favoráveis ao modelo privado argumentam sobre a sua capacidade de atrair investimentos e criticam a administração pública pela ineficiência. Léo Heller, partidário da forte presença do Estado no setor, rebate e diz que sua posição não é ideológica, mas assentada em evidências. “As promessas do setor privado de mais eficiência e recursos não se concretizam. Ele se move pela lógica do lucro, o que resulta em aumento das tarifas, proporcionando mais exclusão. Na maioria dos lugares onde ele predomina, não há ampliação da cobertura”, alega ele.

O professor utiliza estudos de caso para balizar suas opiniões. Segundo ele, na maioria dos países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, predomina a gestão pública. A França, vendida como experiência privada bem-sucedida, tem um sistema diversificado no qual participam o setor público e diversas empresas. Os problemas da fragmentação levaram a Prefeitura de Paris a estatizar, recentemente, o serviço na cidade. A Inglaterra só privatizou após a universalização do serviço. “Não somos radicais contra a iniciativa privada, apenas achamos que ela não pode exercer o papel do Estado. O financiamento público é insubstituível”, defende Léo Heller.

Disparidade

Uma das preocupações do livro é considerar o desenvolvimento histórico de cada lugar. Segundo o professor da UFMG, os países desenvolvidos atingiram a universalização em meados do século 20, quando predominava o Estado do bem-estar social. Naquela época, crescia a atenção para a saúde pública na Europa. Soma-se a este contexto um conjunto de fatores, tais como as lutas por reconhecimento de direitos, que provocaram fortes mobilizações pela expansão do serviço sanitário.

Em seu artigo, José Esteban Castro afirma que as políticas que predominaram historicamente nos países em desenvolvimento não se mostraram capazes de superar as desigualdades estruturais. O estímulo à privatização nos anos 1990, por exemplo, não permitiu a adoção de estratégias mais inclusivas. Léo Heller lembra ainda outra questão. “A abordagem puramente tecnológica é um empecilho. Muitas vezes, tenta-se transpor agendas de países sem considerar a disparidade entre as realidades tecnológicas. O Canadá está pesquisando novos contaminantes, os Estados Unidos tentam resolver problemas gerados pelo envelhecimento do seu sistema, enquanto parte da África ainda usa a fossa”, contrapõe Heller.

O Brasil é tratado em capítulo assinado por Léo Heller. Ele observa que opções adotadas a partir dos anos 1970 geraram exclusões. Os grandes centros receberam mais atenção do que cidades menores, a zona urbana foi privilegiada em relação ao campo, as áreas ocupadas pela elite foram melhor atendidas que a periferia. Há, contudo, uma perspectiva de avanço. Em janeiro de 2007, foi aprovada, com apoio do Governo Federal, uma legislação inovadora que vinha sendo debatida há mais de 20 anos. “A nova lei fortalece o poder público, cria mecanismos de participação popular, diminui a tecnocracia da gestão e aumenta o planejamento, combatendo o espontaneísmo que vigorava. Se for bem implementada, podemos alterar o quadro atual”, acredita Léo Heller.