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Nº 1678 - Ano 36
30.11.2009

Uma só família

Livro do professor Sérgio Pena destaca as contribuições da genética para derrubar velhos estigmas sobre a espécie humana

Ana Rita Araújo

A cada dia pesquisadores descobrem nos códigos genéticos um mundo de informações que abrem múltiplas possibilidades para cura de doenças, ampliação da qualidade e da própria extensão da vida humana. Para o geneticista Sérgio Danilo Junho Pena, a genética moderna faz mais. “Ela traz a grande mensagem de que a humanidade é uma só, uma imensa família, sem grupos superiores ou inferiores”, defende. É esta ideia que perpassa a obra Igualmente diferentes, que Pena lançou no dia 12 de novembro, nas comemorações pelos 10 anos do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat) da UFMG.

Aos 62 anos, o pesquisador afirma-se “mais reflexivo sobre o próprio trabalho e o dos outros, pois na meia-idade perde-se aquele frenesi de fazer pesquisa e só publicar artigos científicos”. Suas reflexões são partilhadas com o público na revista eletrônica Ciência Hoje On-Line, na qual publica mensalmente, desde 2005, a coluna Deriva Genética. Pena admite que não é fácil manter a coluna, mas afirma que o convite foi “muito oportuno e gratificante”. Talvez sem planejar, o autor realiza na Internet – e agora no livro publicado pela Editora UFMG – o trabalho de popularização da ciência, como fazia o geneticista inglês J.B.S. Haldane (1892-1964), que Pena diz ser um de seus ídolos.

A maior parte dos 18 ensaios agora reunidos no livro foram pinçados da coluna Deriva Genética e têm como fio condutor abordagens sobre a variabilidade genética nas populações e as implicações desta variação no modo como as pessoas se classificam. Em Receita para uma humanidade desracializada, por exemplo, Sérgio Pena destaca que a inexistência de raças é um fato cientificamente comprovado e defende que ele seja “absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais”. Por trás da enorme diversidade humana é preciso, segundo o autor, distinguir “uma espécie única composta de indivíduos igualmente diferentes e irmãos”.

Admirável humanidade

Sua crença no ser humano é reafirmada em diversas passagens do livro, como no ensaio Epístola dezembrina, em que o geneticista sugere que sejam esquecidas as diferenças superficiais de cor entre os grupos continentais, para que haja união e esforço solidário capaz de combater a degradação ambiental do planeta, que ameaça a sobrevivência. Otimista quanto ao futuro, comenta: “A humanidade pode nos desapontar algumas vezes, mas é algo admirável”.

Professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Sérgio Pena diz sonhar com uma sociedade em que a ciência participe como um fator de evolução moral. Segundo ele, existe uma ideia generalizada da ética científica como algo proibitivo, “como se a ciência fosse um trem desgovernado que a ética tenta frear”.

Claramente contrário a tal visão, Pena comenta que procedimentos vistos com desconfiança há 50 anos são hoje corriqueiros, como os que permitem a geração de bebês de proveta e correções de defeitos congênitos do coração. Confiante de que a ciência pode atuar como importante fator de instrução social, Pena diz que ela é uma vela no escuro, que espanta fantasmas. “A ciência não é a única raiz da moral, mas deve ser vista como fator de avanço moral”, ressalta.

Viagem pelo mundo da ciência

Existe um gene da inteligência? Será possível no futuro programar o nascimento de bebês que não possuam características indesejáveis como tendências criminais e predisposição à dependência de drogas? A resposta a tais questões é um grande “não”, afirma Sérgio Pena no artigo Bebês à la carte?

No livro, o autor toca em outros temas polêmicos, como a atuação de cientistas a serviço dos escravocratas, no passado, e variabilidade genômica e ancestralidade do brasileiro. Além de trazer profundos debates sobre a inexistência científica das raças, o livro Igualmente diferentes é uma viagem pelo mundo da ciência. Cita nomes de grandes pesquisadores, explica teorias e conceitos, e aborda questões novas e antigas que envolvem a ética científica e a liberdade do indivíduo e da sociedade. Ao final, a obra traz glossário com termos do campo da genética.