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Nº 1758 - Ano 38
21.11.2011

opiniao

A ‘EMBRAPA da INDÚSTRIA’ vai funcionar?*

Renato Dagnino**

No início de agosto, junto com o lançamento do Plano Brasil Maior e a adição da palavra “Inovação” ao nome do Ministério de C&T, anunciou-se, como medida suplementar para alavancar a P&D industrial, a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial (Embrapi). A ideia é, como sintetiza um secretário do MCTI, “enfrentar o desafio de transferir conhecimento da academia para o setor produtivo”. Citando “como exceção o setor do agronegócio, que serve de exemplo para outros segmentos industriais”, ele afirma que “apesar do marco legal estimular o setor industrial”, e dos recursos disponíveis estarem se multiplicando, a empresa brasileira segue pouco disposta a realizar P&D.

O objetivo da Embrapi seria, então “agilizar e facilitar o processo inovativo, interrompido entre a produção e a fase negocial”, aproveitando “a boa experiência da Embrapa”. Assim, depois de várias tentativas pouco exitosas de superar essa interrupção, que vão desde o fomento aos institutos públicos nos anos de 1970 até as incubadoras, parques e polos, a ideia agora é emular no âmbito da pesquisa industrial a experiência da Embrapa.

Os estudiosos da política de C&T latino-americana há muito tempo nos legaram três ensinamentos que podem ajudar a responder a pergunta-título deste texto. O primeiro é o de que em áreas onde não existia o conhecimento necessário para a implantação de projeto político de algum setor importante da elite dominante, fomos capazes de armar a “cadeia de inovação”, que vai da “pesquisa pública básica” até o sucesso econômico (Instituto Agronômico, Embrapa, Cenpes-Petrobras etc.), político-estratégico (CTA-ITA-Embraer, CPqD) ou social (Instituto Oswaldo Cruz, por exemplo). De fato, é por isso que em toda a América Latina, apenas em segmentos com essas características – especificidades locais e importância para algum projeto político – tem sido possível replicar a experiência dos países de capitalismo avançado.

O segundo ensinamento pode ser sintetizado com um aforismo criado há mais de três décadas por um latino-americano ilustre (aquele do ‘triângulo de Sabato’): “em qualquer lugar e tempo, existirão três bons negócios com tecnologia: roubar, copiar e comprar; e nenhuma empresa ou país irá desenvolver tecnologia se puder realizar um dos outros três”.

As empresas brasileiras deixam de fazer P&D não porque são atrasadas ou porque não há “cultura” ou “ambiente de inovação”, e sim porque são agentes econômicos racionais

O terceiro pode ser entendido como um corolário para o caso brasileiro. Aqui, mais do que em outros países relegados à periferia do capitalismo, nossa ancestral dependência cultural, o baixo preço da força de trabalho e o elevado grau de oligopólio tornam ainda mais intensa e estrutural a aversão natural da empresa a realizar P&D.

As empresas brasileiras deixam de fazer P&D não porque são atrasadas, ou porque não há “cultura” ou “ambiente de inovação”, e sim porque são agentes econômicos racionais. Quem duvida deve observar a elevada taxa de lucro (o critério mais apropriado para avaliar o seu desempenho) obtida por “nossos” excelentes empresários. Assim, o fato de que os segmentos em que logramos êxito estejam em geral situados em áreas como saúde humana, vegetal e animal e recursos naturais, e não na industrial, apenas confirma esses ensinamentos.

A questão, para responder nossa pergunta-título, é saber se a elite industrial “brasileira”, que, ao contrário daquela do agronegócio, vem sendo afetada há duas décadas por um processo de desindustrialização e desnacionalização e, mais recentemente, pela “ameaça chinesa”, responderá como esperam os fazedores da Política de Ciência e Tecnologia. Não parece plausível pensar que ela passe a tentar afirmar sua competitividade via inovação em P&D e não na importação de tecnologia desincorporada e, principalmente, como vem fazendo de modo contumaz, na compra de tecnologia embutida em máquinas e equipamentos.

Indo mais além (ou aquém) de questões “ideológicas”, cabe lembrar as inúmeras evidências de que essa elite, apesar do significativo aumento dos benefícios que vem recebendo do governo, da subvenção econômica até a alocação gratuita de pesquisadores, passando pela renúncia fiscal, não tem alterado sua pouca propensão a realizar P&D.

E que durante o período neoliberal os fazedores de política também esperaram que as empresas industriais, acicatadas pela abertura comercial, iriam se tornar competitivas via transferência dos resultados da pesquisa universitária e da realização de P&D intramuros. E que, como ficou patente, elas simplesmente venderam seus ativos ao capital estrangeiro para explorar outros negócios e provocaram um desemprego que até agora amargamos.

Antes de criar inovações organizacionais, como a criação de uma “Embrapa da indústria”, na expectativa de que possam alterar o comportamento racional de empresários, é necessário que os fazedores de política compreendam o que diferencia o comportamento das elites que se relacionam com a C&T. E, mais ainda, que percebam que há outros agentes econômico-produtivos em nossa sociedade, que não as empresas privadas, que necessitam e merecem urgentemente sua ação.

*Versão resumida de artigo publicado na edição 511 do Jornal da Unicamp
**Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências da Unicamp

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