Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 10- outubro de 2006

Editorial

Entrevista
Evando Mirra de Paula e Silva

Patentes
Do laboratório à linha de produção


Propriedade intelectual e inovação na UFMG
Rubén Dario Sinisterra Milan

Incubadoras
Chocando futuras empresas

Empreendedorismo
Pequenas que trabalham como gente grande

Saúde Pública
Na captura do Aedes aegypti

A lei de inovação e sua repercussão nas
instituições científicas e tecnológicas

Edson Paiva Rezende, José Lúcio de Paiva Júnior, Maria Romanina Velloso Martins Botelho, Nícia Pontes Gouveia e Vinícius Furst Silva

Aeronáutica
Inventores de vôos

Paramec
Tecnologia a serviço da inclusão

Inovação na biotecnologia
Erna Geessien Kroon


Acessibilidade
Bengala eletrônica

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nanotecnologia
Viagem ao país dos “nanos”

Conhecimento e riqueza
Ana Maria Serrão, Lívia Furtado, Mari Takeda Barbosa, Rochel Monteiro Lago, Lin Chih Cheng e Solange Leonel

Solidariedade
Da pura técnica à tecnologia social


Tecnologia social: um conceito em construção
Carlos Roberto Horta

Expediente

Outras edições

 

brasão

 

Acessibilidade

Bengala eletrônica

Aparelho desenvolvido na UFMG permite que deficientes visuais possam embarcar com mais facilidade em ônibus urbanos

Conceição Bicalho

Há quase dez anos, o ex-representante comercial Dácio Pedro Simões, de 75 anos, decidiu transformar a angústia de uma difícil experiência em motivação para uma empreitada bastante diferente em sua vida – tornou-se um inventor. Com a ajuda da UFMG e do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), Dácio desenvolveu a idéia de um sinalizador que permite aos cegos pararem os ônibus, para embarque, sem a ajuda de alguém para dar o sinal por eles, nos pontos. A invenção foi patenteada em conjunto com a UFMG e novos testes da invenção vão-se iniciar nos próximos meses.

Numa noite já longínqua, Dácio aguardava o ônibus para retornar à casa, quando um cego lhe pediu ajuda na parada do ônibus. Depois de um longo tempo na companhia do cego e, diante da demora do coletivo, Dácio não pôde mais esperar e embarcou num ônibus para sua casa. Não conseguiu, entretanto, se livrar de um sentimento muito ruim, por ter deixado o deficiente sozinho na parada, especialmente porque, pouco depois, começou a chover.

Comovido com a situação do deficiente visual, Dácio, que nunca, antes, tinha tido qualquer experiência com inventos, saiu em busca de oportunidades para colocar em prática uma idéia que tivera – um aparelho que, a partir do comando do usuário, emite um sinal captado por um receptor que, colocado no interior do ônibus, alerta o motorista da parada solicitada.

Conceição Bicalho

Após seis anos, três protótipos construídos, testes realizados, um prêmio conquistado e algumas frustrações, Dácio tem, agora, nas mãos uma versão do aparelho, que espera ser a final. A concepção inicial não foi muito alterada, mesmo tendo passado por inúmeros aperfeiçoamentos e algumas adaptações tecnológicas.

Para dar início ao projeto, em 2000, o representante comercial conquistou apoio financeiro do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), do antigo Programa de Assistência Tecnológica (Patme), que bancou 70% dos gastos com o desenvolvimento do produto no Inatel, em Santa Rita do Sapucaí, Sul de Minas. Os outros 30% foram investidos pela Associação Comercial de Minas Gerais.

No Inatel, o projeto foi desenvolvido pelo professor Carlos Nazareth Marins. “Ele compreendeu muito bem o que eu queria e me ajudou demais. Chegamos a fazer dois protótipos, mas percebi que o sistema tinha um grave problema”, lembra o inventor. O aparelho emissor era acionado pelo usuário em um teclado em braile e o seu comando – ou seja, a identificação da linha de ônibus solicitada – aparecia em um visor de cristal líquido. “Muitos cegos, porém, não sabem ler em braile e nenhum deles poderia conferir sozinho se o comando estava certo. Eles continuariam dependendo de outras pessoas”, explica.

Aprimoramento Por isso, Dácio resolveu procurar, também, a UFMG, para que o aparelho pudesse ser aprimorado, com a utilização de um sistema de comando por voz. O professor Júlio César David de Melo, do Departamento de Eletrônica, da Escola de Engenharia, tornou-se o parceiro do inventor na busca da tecnologia adequada para o DPS 2000, como foi batizado o sistema. “O projeto levou bastante tempo para ficar pronto e, também, para os aparelhos serem fabricados, mas agora está na hora dos testes finais”, diz o professor.

O sistema é simples, assinala Júlio César, explicando que o DPS 2000 funciona por emissão de ondas de radiofreqüência, que atingem, no máximo, 150 metros de distância – mais do que isso, os receptores nos veículos poderiam captar o sinal entre duas ou mais paradas. O aparelho receptor é acionado quando o cego aperta a tecla enter. Depois de uma saudação, o aparelho pede que o portador identifique o ônibus desejado e roda uma gravação com os números das linhas programadas em sua memória.

Conceição Bicalho

Ao escolher a linha, o portador aperta novamente a tecla enter; o aparelho emite, então, os sinais que serão percebidos pelo receptor nos ônibus. Na parada, o usuário saberá em que ônibus embarcar porque na porta do veículo estará instalado um alto-falante que repetirá continuamente o número da linha. “Dessa maneira, quando mais de um ônibus parar no mesmo ponto, o cego não se confundirá”, ressalta Júlio César.

A patente da invenção foi solicitada pela UFMG em nome da Instituição e de Dácio. “Fechamos o acordo e estou muito satisfeito, porque a UFMG tratou muito bem desse assunto”, assinala. Ele não pretende montar empresa para comercializar a invenção, mas já encontrou uma indústria disposta a fabricar os primeiros aparelhos, sob contrato de risco.

Pronto para a rua Vinte e dois receptores e 32 emissores já estão prontos e serão testados com a ajuda de alunos do Instituto São Rafael, instituição de ensino para pessoas com deficiência visual. O inventor vem, ao longo desses anos, mantendo contato com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros e com a Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte para que os testes possam ser feitos sem restrições. “Somente quando os usuários estiverem utilizando o serviço é que vamos ter certeza de que ele está totalmente pronto”, afirma.

Dácio conta que a invenção chamou a atenção de diferentes instituições. Na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o deputado Fahim Sawan (PSDB) desarquivou projeto apresentado por um colega, na legislatura anterior, que obriga as empresas concessionárias de ônibus a instalar, em seus veículos, o aparelho. Na Comissão de Constituição e Justiça, o relator do projeto considerou-o inconstitucional, mas ele continuará a tramitar.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas também entrou em contato com o inventor, porque está definindo novas normas de acessibilidade e pretende ter o DPS 2000 como referência. As associações de defesa das pessoas com deficiência visual estão atentas. “Tenho sido convidado para falar da invenção em vários lugares”, conta Dácio.

Inquieto, ele não se acomodou apenas com uma invenção. “Estou sempre em contato com essas associações. A gente vai-se inteirando dos problemas e fica louco para ajudar”, diz ele. Estão em desenvolvimento no projeto de extensão Paramec, do curso de Engenharia Mecânica da UFMG, uma bengala que sinaliza, com som, obstáculos à sua frente e um telefone público que se ajusta à altura das pessoas que utilizam cadeiras de rodas.