Virgílio Almeida, do DCC, tem um propósito: compreender a grande rede de computadores para além da dimensão tecnológica 

Luana Macieira

Ilustração de Gabriel Lisboa sobre foto de Foca Lisboa

O ano era 1969. O então estudante Virgílio Almeida ingressava no curso de graduação em engenharia elétrica da UFMG e não imaginava as transformações tecnológicas pelas quais o mundo passaria. Não se falava ainda em internet ou em conexões de longa distância. A rota do jovem estudante parecia traçada, mas acabou alterada quando recebeu um convite para estagiar na área de linguagem de computadores no Centro de Computação da UFMG, localizado no subsolo do prédio da Reitoria. 

Naquela época, ainda não existiam os computadores pessoais (PCs), e esse estágio foi o meu primeiro contato com a computação. A UFMG tinha um mainframe, computador de grande porte dedicado ao processamento de enorme volume de dados. O Centro de Computação treinava as pessoas, e lá também havia cursos na área de linguagem de computadores”, conta. 

Aquele primeiro contato com um computador fez Virgílio vislumbrar uma carreira na área e, em 1973, o recém-formado engenheiro foi aprovado em um concurso para a área de análise de sistemas na Petrobras. Após dois anos morando no Rio de Janeiro, ele foi convidado para retornar à capital mineira para trabalhar na mesma área, na Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), onde atuou por oito anos, período em que conciliou o trabalho com a pesquisa de mestrado em Computação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

“A análise de sistemas foi entrando na minha vida de tal forma que eu acabei acompanhando bem de perto a evolução da internet no Brasil. Me apaixonei pelo campo porque ele desenha e planeja os meios para que a informação seja processada. Esse conhecimento acabou sendo essencial para a chegada da internet ao país”. 

Professor emérito do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG e associado do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Virgílio Almeida dedicou a vida a entender as novas tecnologias. Ele também atuou como secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Aos 72 anos, já publicou mais de 170 artigos científicos e não se arrisca a prever o futuro das redes.

Nos tempos da bitnet

A internet surgiu nos anos 1960 nos Estados Unidos, quando o Departamento de Defesa americano criou uma rede de comunicação de computadores em pontos estratégicos durante a Guerra Fria. Inicialmente, o acesso era restrito a militares e pesquisadores. No Brasil, a comunidade acadêmica conseguiu acesso à rede em 1991, por meio do MCTI. “Nos primórdios da internet no país havia na UFMG uma conexão de redes chamada bitnet, que era uma espécie de precursora desse tipo de serviço. Até 1994, a internet só existia nas universidades. Posteriormente, foi ofertada ao público pelas empresas de telecomunicações. A UFMG participou desde o início porque tinha conexões, treinava as pessoas e fazia pesquisas sobre a internet”, conta o professor. 

Virgílio só se deu conta do potencial acadêmico da internet quando, em 1994, escreveu, a distância, um livro em parceria com os pesquisadores norte-americanos Daniel Menasce e Larry Dowdy. “O livro foi escrito sem nos encontrarmos uma única vez, tudo foi feito a distância e com comunicação pela internet. Hoje parece bobo, visto que andamos com celulares que possibilitam a comunicação em tempo real. Mas, naquela ocasião, isso era algo impensável. A escrita conjunta desse livro abriu as portas para que as colaborações acadêmicas passassem a ser internacionais e para que percebêssemos que o mundo caminhava para grandes mudanças”, lembra. 

Transdisciplinaridade

Ao longo de toda a sua carreira, Virgílio Almeida sempre buscou realizar as suas pesquisas em diálogo com outras áreas do conhecimento. Ele já orientou trabalhos nos campos das letras, da psicologia e da ciência política. O interesse pelo diálogo interdisciplinar também levou o professor a participar da criação do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG e a ser convidado para atuar como colunista do jornal Estado de Minas. Em suas colunas, abordou temas emergentes e expressou sua paixão pela literatura. Desde 2018, mantém uma coluna no jornal Valor Econômico, em parceria com o economista Francisco Gaetani. 

“É importante que as distintas áreas do conhecimento conversem, porque a maioria dos problemas da nossa sociedade não podem ser resolvidos por um único campo. A computação trata os dados, e esse olhar multidisciplinar possibilita a solução de vários problemas”, diz.

Wagner Meira Junior, também professor do DCC, conta que a transdisciplinaridade e a parceria com alunos e outros pesquisadores sempre foram marcas da carreira de Virgílio Almeida. Meira foi seu aluno na graduação, e hoje os dois trabalham juntos em diversos projetos de pesquisa. “Virgílio me chamou para trabalhar com ele em 1997 em um projeto da internet brasileira e até hoje atuamos em várias frentes. Nós dois fizemos uma transição de carreira parecida, migrando da área de computadores para a de internet”, conta.

Para Meira, a parceria tem sido frutífera porque ambos veem a internet aliada a fatores que vão além da tecnologia. “À medida que a internet evoluía do ponto de vista dos problemas, das tecnologias e das suas aplicações, nós caminhávamos juntos. O Virgílio sempre teve uma visão mais ampla de trazer os conhecimentos e percepções de outras áreas para os nossos estudos. Além disso, ele tem grande capacidade de ‘farejar’ os problemas que são relevantes”, elogia. 

A vez dos algoritmos

Com a revolução da computação e da internet, os dispositivos digitais passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas. Virgílio Almeida conta que não imaginava que a comunicação, as compras, o transporte e a hospedagem se transformariam em serviços digitais. “Se você quer chegar a um lugar que não conhece, você usa o aplicativo de GPS. Para pedir comida, você usa o de delivery. Para comprar a ração do cachorro, existe o de compras. Nosso modo de viver mudou, e assim surgiu a necessidade de estudar essas transformações”, explica o professor. 

Para entender como a internet age no cotidiano das sociedades, Virgílio Almeida concentra suas pesquisas em duas grandes áreas: a primeira envolve estudos realizados em parceria com pesquisadores do Departamento de Ciência Política (DCP) da UFMG, a fim de compreender novas formas de governança no mundo digital, suas regras e modos de organização; na segunda frente, o objetivo é descobrir como os algoritmos alteram as instituições sociais. “Os algoritmos hoje escolhem o que a gente faz, dirigindo nosso gosto, nossas vontades e nossa inclinação política. Eles nos manipulam. Por isso, é importante compreender melhor esse processo. Precisamos entender como os humanos interagem com o digital, que agora é parte intrínseca de nossas vidas.

O futuro das redes

Virgílio Almeida acredita que a internet continuará apresentando questões que precisarão ser estudadas porque ela seguirá se transformando. Ele ressalta, porém, que é impossível predizer o seu futuro. “Hoje, as preocupações envolvem as redes sociais porque elas exercem um impacto muito grande na economia, na saúde e na vida das pessoas. Além disso, há um impacto político forte que traz ameaças para a democracia”, desabafa. 

O pesquisador alerta que uma sociedade polarizada como a brasileira precisa estar atenta à proteção do seu sistema político e que a internet necessita de regras, normas, boas práticas e uma legislação que proteja o estado democrático de direito. 

“O Brasil já foi liderança nesse assunto com o pioneirismo do Marco Civil da Internet, em 2014. Ele ditou princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a internet no país. Depois tivemos a Lei de Proteção de Dados Pessoais, que avançou na questão da privacidade. Agora, a preocupação é com a moderação dos conteúdos. As pessoas não podem publicar qualquer coisa nas redes sociais, é necessário responsabilidade e regras para o que é divulgado”. 

Virgílio acalenta esperança em relação ao futuro da internet, pois acredita que a economia digital, além de veloz, é capaz de ajudar no desenvolvimento sustentável da sociedade, ao contribuir para a economia de recursos e para a diminuição da poluição. Entretanto, segundo ele, para que a sociedade usufrua das benesses da internet, o seu acesso precisa se tornar mais igualitário. 

“O acesso à internet ainda é muito desigual no Brasil, e o governo precisa resolver essa desigualdade. A internet é extremamente boa e trouxe avanços, vantagens e conveniências das quais não podemos prescindir, mas existe um lado obscuro que precisa ser cuidado por meio de legislação. As pessoas estão discutindo política no WhatsApp, no Twitter e no Facebook. Apesar de privadas, essas plataformas ocupam um espaço público. Por isso, é necessário que elas atendam ao interesse coletivo. Se antes a pesquisa na área era restrita à computação, agora ela se importa com a nossa vida e com a interface que temos com a máquina”, afirma o professor.