Quatro breves perfis celebram a contribuição de professores estrangeiros na UFMG

Itamar Rigueira Jr.

Em 1940, o zoólogo italiano Giorgio Schreiber chegou ao Brasil, depois de ser obrigado a deixar seu país pela perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra. Menos de uma década depois, ele e a mulher, Maria Romano Schreiber, já estavam em Belo Horizonte, trabalhando na UFMG. Giorgio, que se tornou professor emérito em 1975, e Maria Schreiber deixaram inestimáveis contribuições, respectivamente, nas áreas da biologia e da biblioteconomia.          

Essa é uma das histórias de centenas de docentes estrangeiros que têm ajudado a construir a trajetória da UFMG, ao longo de seus 95 anos. “A interação com os estrangeiros incorporados aos quadros da Universidade é sempre muito relevante para a atualização de nossos pesquisadores, professores e estudantes nas ciências e nas artes”, afirma o professor João Antonio de Paula, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). Em rápido esforço de memória, ele cita, entre cientistas que passaram por aqui, os nomes do químico alemão Alfred Schaefer, que atuou na Escola de Engenharia e na Faculdade de Medicina, e do maestro Sergio Magnani, que lecionou língua e literatura italiana na Faculdade de Letras (Fale) e dirigiu as orquestras mais importantes de Minas Gerais.

O professor emérito Mário Jorge Dias Carneiro, que voluntariamente ainda orienta estudantes na pós-graduação em Matemática, ressalta a presença de professores – indianos, russos e italianos, por exemplo – que tiveram formações muito diferentes em seus países, com foco em áreas menos tradicionais no Brasil, como a teoria de grupos e a topologia de variedades. “A convivência com esses docentes, ao longo das décadas, foi fundamental para a expansão do nosso departamento. A contribuição deles é fantástica”, enfatiza Carneiro.

A UFMG tem hoje em seu quadro 126 docentes estrangeiros com vínculo ativo e permanente (há também três substitutos e dez visitantes). O Instituto de Ciências Exatas é a unidade com mais forasteiros, e peruanos, colombianos e alemães são os mais numerosos na UFMG. Nesta edição especial de aniversário, a revista DIVERSA apresenta, em breves perfis, a trajetória de duas professoras e um professor em atividade, e de um docente recém-aposentado da Universidade.

 

PLANOS PARA ALÉM DOS 75

Prestes a se aposentar compulsoriamente, a peruana Laura Wong, do Cedeplar, garante que seu ciclo de contribuições à demografia está longe de terminar

Ilustração de Gabriel Lisboa sobre foto de Foca Lisboa

Em 2023, a demógrafa Laura Wong, professora da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), vai completar 75 anos e terá de se aposentar — “lamentavelmente”, ela faz questão de observar —, por exigência das normas que regem o serviço público federal. Hoje coordenadora da pós-graduação em Demografia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), Laura pretende continuar atuando na Universidade como professora voluntária e tem mais planos contratados para os próximos seis anos: ela ocupa a vice-presidência da Internacional Union for the Scientific Study of Population (IUSSP) até 2025 e vai presidir a entidade nos três anos seguintes. Laura será a segunda professora do Cedeplar a liderar a IUSSP – o primeiro foi José Alberto Magno de Carvalho, um precursor da demografia no Brasil. “Esse é um sinal de grande prestígio para o Centro e para a UFMG”, comenta a docente.

Laura Wong teve o primeiro contato com Carvalho no Chile, quando cursava pós-graduação no Centro Latino-americano e Caribenho de Demografia. Eram tempos de vultosos investimentos no estudo das populações, porque os países ricos estavam preocupados com o crescimento das regiões periféricas. “A pós-graduação na nossa disciplina já nasceu internacional, o que foi uma sorte. O grande interesse em formar professores e pesquisadores também beneficiou o Cedeplar”, diz a professora.

Após estudos em escola mantida pelas Nações Unidas na Costa Rica, Laura Wong voltou a Lima, capital do Peru, onde nasceu e cresceu. Trabalhou por uma década na Fundação Seade, em São Paulo, fez o doutorado na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido, e foi convidada, em 1993, para atuar na UFMG como professora visitante. Dois anos depois, foi nomeada por concurso.

Um dos motivos de orgulho de sua trajetória no Cedeplar – além da avaliação máxima pela Capes da pós-graduação em demografia, desde 2008 – é a pesquisa sobre comportamento reprodutivo e ciclos de expansão da fronteira agrícola na Amazônia. Ela colaborou para a fundação e o crescimento da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e, aproveitando seus contatos e sua experiência com América Latina, teve papel efetivo no recrutamento e formação de grande número de demógrafos na região. De forma semelhante, seus contatos profissionais nos países africanos de língua portuguesa foram valiosos para o trabalho de formação de bons e atualmente influentes demógrafos africanos.

A experiência mais forte da pesquisadora está certamente relacionada ao trabalho que ela e sua equipe desenvolveram no Afeganistão, por encomenda do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a partir de 2014. Uma vez coletados os dados populacionais por técnicos locais, o grupo da UFMG trabalhou na geração de diagnóstico sobre emprego, reprodução, migração, gênero e outros aspectos. “Transferimos tecnologia e métodos de planejamento, formamos pessoal e aprendemos muito também – por exemplo, sobre a situação absurda das mulheres, que lá dependem da intermediação de um homem da família até para o acesso à saúde. Mas marcou muito também o fato de que mal podíamos sair do alojamento da ONU, por causa dos violentos conflitos internos. Quando saíamos, estávamos acompanhados de seguranças, porque era realmente muito perigoso”, relata a professora da Face.

“Laura sempre viveu de forma muito corajosa, franca e com grande amor e dedicação ao trabalho. Nesses 30 anos, viveu cada minuto do dia a dia do Cedeplar”, relata o professor Cássio Turra, ex-aluno e hoje colega de departamento. “Demógrafa rigorosa, especialista em técnicas demográficas, qualidade de dados e projeções populacionais, ela foi fundamental para manter o padrão internacional do nosso programa. Ao mesmo tempo, sempre foi um exemplo de mulher livre, moderna, serena e firme. Laura não é apenas peruana de nascimento e brasileira de coração e alma, Laura é do mundo”, ele ressalta.

Descendente de japoneses e chineses, Laura Wong, fora do trabalho, concentra-se na família: vai ao Peru duas vezes por ano e passou a incluir em seu roteiro de viagens o Vietnã, onde moram a filha pedagoga e as duas netas trilíngues – falam espanhol, inglês e vietnamita. No mais, enquanto não chega julho de 2023, ela mantém a rotina na Universidade: fica sempre até o início da noite, depois de cumprir a missão administrativa na pós-graduação e, nas horas finais da jornada, mergulhar nas atividades acadêmicas.  

 

EXPERIMENTOS, DO LABORATÓRIO À COZINHA

Os múltiplos interesses do nova-iorquino Ronald Dickman, referência internacional em física teórica e computacional

 

Ilustração de Gabriel Lisboa sobre foto de arquivo pessoal

Há 15 anos, atento à questão das mudanças climáticas, o professor Ronald Dickman, recém-aposentado do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (ICEx), propôs a criação de uma disciplina que tratasse da física do clima (papel dos gases de efeito estufa, dinâmica atmosférica, equilíbrio energético, variações térmicas etc.). Ainda antes disso, alunos da astrofísica demonstraram interesse em dinâmica de fluidos, e ele desenvolveu também esse tópico para as turmas de graduação.

Essas são algumas lembranças que surgem quando Ron, como é chamado por colegas e amigos, é estimulado a falar de sua atividade como docente na UFMG, aonde chegou há 23 anos. O norte-americano veio de Nova York, onde cresceu (no Brooklyn) e começou a pesquisar e dar aulas.

Nascido em 1953, Dickman foi adotado aos seis meses de idade por uma família judia — o pai era químico, e a mãe, dona de casa. Estudou em escolas públicas, gostava de cálculos, ciências e astronomia, mas aos 15 anos descobriu as artes visuais. E isso guiou seus primeiros passos na academia: formou-se em belas artes em 1974, na Universidade da Cidade de Nova York. Mas as ciências exatas logo falariam mais alto: estudou física teórica e computacional na Universidade do Texas em Austin, fez estágios de pós-doutoramento em outros estados e voltou para Nova York para ensinar na instituição que tinha frequentado no tempo das artes visuais.

O Brasil entrou de vez na sua vida quando orientou uma aluna brasileira no doutorado em Nova York. Adriana Gomes Dickman, que é professora da PUC Minas, tornou-se a segunda esposa de Ron, e eles estão juntos até hoje. No fim dos anos 1990, ele veio como professor visitante da Universidade Federal de Santa Catarina e, em 1999, ingressou na UFMG.

Mecânica estatística e transições de fase

Um dos interesses mais antigos de Ronald Dickman no campo da pesquisa é a mecânica estatística – que tenta compreender sistemas complexos com base nas propriedades dos átomos e nas interações entre eles –, associada à teoria da probabilidade. São muitas as aplicações, na química, na biologia, nas engenharias.

Outro tema que marca suas investigações são as transições de fase (em fenômenos como a ebulição da água e a magnetização do ferro, por exemplo). Ele desenvolveu técnicas teóricas e computacionais. “Com simulações de modelos de átomos e moléculas, é possível estudar evolução ao longo do tempo e prever propriedades termodinâmicas”, explica o professor. “Ron fez contribuições importantes para a melhoria da técnica de amostragem Monte Carlo”, lembra o professor Sabino Ferreira, do Departamento de Estatística do ICEx, referindo-se ao método multidisciplinar com aplicações em sistemas fora de equilíbrio, tema que, na relação com os sistemas termodinâmicos, valeu a Dickman reconhecimento mundial. O professor aposentado do ICEx tem mais de 180 publicações em revistas internacionais e orientou cerca de 30 projetos de mestrado e doutorado.

Jazzista amador, Ron Dickman estudou piano com Lucas Bretas, professor aposentado da Escola de Música da UFMG. As artes visuais viraram novo projeto: ele tem explorado a pintura e a fotografia digitais, tirando partido de sua curiosidade pela teoria das cores. Há dez anos, faz aulas de dança junto com Adriana. Ele mantém contato com a irmã, primos e amigos nos Estados Unidos.

Sabino Ferreira revela que Ron gosta de cozinhar, assim como a esposa. “Ele faz pães fantásticos, a cozinha de sua casa foi projetada com carinho especial”, diz o amigo, para quem Dickman é “uma pessoa doce e positiva, que tem sempre algo a acrescentar”.

Ron define a UFMG como “um abrigo”. “Aqui consegui pesquisar e ensinar boa parte dos meus assuntos de interesse. Encontrei pessoas dedicadas a muitos temas importantes, orientei alunos excelentes e fui muito bem recebido pelos colegas”, diz o professor. Pouco afeito a funções administrativas, Dickman chegou a coordenar a pós-graduação por dois anos e guarda uma história dessa época: em determinada gestão da Universidade, foram anunciados planos de unificar as bibliotecas, e ele teve papel ativo num movimento de resistência cuja estratégia principal foi procrastinar o quanto possível uma manifestação à administração central. “Não podíamos perder a biblioteca da Física”, ele recorda, enfático. Ron continua contribuindo como voluntário e volta de vez em quando ao campus Pampulha. 


AULAS E JOGOS FEITOS DE NÚMEROS

Cubana Aniura Barrientos, do Departamento de Matemática, teve seu destino mudado com a queda do Muro de Berlim

Ilustração de Gabriel Lisboa sobre foto de Foca Lisboa

No fim da década de 1980, a cubana Aniura Milanés Barrientos começou a fazer um curso intensivo de alemão, porque estava programada sua saída para a ex-Alemanha Oriental, onde faria graduação em Matemática. Com a queda do Muro de Berlim e a iminente dissolução da União Soviética, cessaram os convênios de Cuba com outros países socialistas para estudos universitários, e a jovem formou-se na Universidade de Havana, onde cursou também o mestrado.

Essa mudança de planos tem tudo a ver com o destino acadêmico, profissional e pessoal de Aniura, que há 13 anos é professora do Departamento de Matemática do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG. Ela veio para o Brasil, aprovada para o doutorado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, onde defendeu sua tese em 2002, com o aval de mestres como Rafael Iório e Felipe Linares. Veio, então, a aprovação em concursos para a Universidade Federal do Espírito Santo e a UFMG, instituição na qual ingressou em 2004, pelo Departamento de Estatística.

O foco principal das aulas e da pesquisa de Aniura Barrientos são as equações diferenciais, um tema clássico da matemática. Em sua formação, ela estudou equações diferenciais ordinárias (com uma só variável, tipicamente o tempo) e equações diferenciais parciais, que consideram também variáveis espaciais. “Essas equações possibilitam, por exemplo, analisar a evolução de uma doença em determinada população”, ela explica. Aniura também tem trabalhado com aplicações dos processos estocásticos, aqueles que mudam ao longo do tempo e só podem ter seus valores determinados do ponto de vista da probabilidade. 

Escrever sobre Aniura impõe mencionar com destaque a extensão. Há quase uma década, ela coordena o Projeto Visitas, do Departamento de Matemática, que há 25 anos desperta nos estudantes da educação básica o gosto pela disciplina, por meio de jogos matemáticos e atividades lúdicas. A iniciativa visa também à formação complementar de professores. “Na UFMG, trabalho com coisas que me dão muita satisfação, e esse é bem o caso do Visitas”, declara a professora, que, um tanto tímida, demorou a se convencer de que tinha muita coisa a contar para este perfil.

O envolvimento de Aniura com a extensão universitária inclui ainda o projeto Quebra-Cabeças de Matemática, abrigado no portal da Olimpíada Brasileira de Matemática da Educação Pública, a OBMEP. Ali são oferecidos jogos interativos para crianças e materiais de apoio para professores. Nesse projeto, Aniura Barrientos tem a parceria da colega de departamento Carmen Vergara. “Reforçamos nossos laços na extensão. Aniura é multitarefas, uma professora exemplar, participativa em todos os sentidos”, diz a docente colombiana, que coordena o Museu da Matemática, no ICEx, e dirige a área de Avaliação e Fomento na Pró-reitoria de Extensão da UFMG.

Solidariedade e respeito

Filha de ex-servidores do Ministério do Interior de Cuba, agora aposentados, Aniura Barrientos nasceu na capital, Havana, e estudou, em regime de internato, numa escola como as de aplicação no Brasil. Lá se praticava o ensino científico, e a primeira opção da jovem foi a eletrônica. Mas não durou: ela logo descobriria a enorme afinidade com a matemática.

Do núcleo familiar, só a mãe de Aniura vive ainda em Cuba, para onde ela viaja com alguma frequência. Uma irmã e uma sobrinha moram na Noruega, e os dois irmãos também vivem fora. A professora tem um filho, Camilo, de 17 anos, com o companheiro, Adrian Hinojosa Luna, professor do Departamento de Estatística. O Equador, país natal de Adrian, é outro destino frequente da família. 

No Brasil, Aniura afirma que encontrou um povo parecido com o cubano. “Fui muito bem recebida aqui. As pessoas com quem converso têm curiosidade sobre Cuba, muitas exercem a solidariedade com o país e respeitam sua opção política. Nunca tive problema sério com isso”, ela diz. O violão é um hobby que fica mais no campo do desejo – ela começou a praticar algumas vezes, mas nunca seguiu com a dedicação necessária. Em casa, uma paixão são três cachorros vira-latas adotados. 

Uma das famílias mais próximas à de Aniura é a de Carmen Vergara, que tem a amiga como “uma pessoa simples, humana”. A convivência intensa nas atividades de extensão propiciou vínculos fortes entre elas. “Em 2019, estivemos em Moçambique a trabalho, e ela mais uma vez se mostrou uma ótima companheira de viagem. É uma mulher culta, que gosta de livros, teatro, museus”, diz Carmen sobre Aniura.


À VONTADE NO CAMPO E NO GABINETE

O trabalho extensionista desenvolvido no semiárido mineiro ajuda o moçambicano Helder Augusto, do ICA, a manter vivas as suas origens

Ilustração de Gabriel Lisboa sobre foto de Ana Cláudia Mendes

Na juventude, Helder dos Anjos Augusto chegou a disputar campeonatos semiprofissionais de futebol pelo Clube Ferroviário de Beira, em Moçambique. Se o zagueiro pelo lado direito tivesse seguido na carreira, provavelmente a UFMG não teria recebido, há 15 anos, um professor e gestor hoje mais que reconhecido — depois de exercer o cargo de vice-diretor por oito anos, ele foi eleito dirigente máximo do Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG, em Montes Claros, para a gestão que começa em novembro próximo.

Helder veio para o Brasil já com 29 anos de idade, em meados da década de 1990, com apoio do Centro de Estudos Brasileiros em Moçambique (CEB). Cursou administração rural, na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, onde fez também o mestrado, na mesma área. Fez doutorado em demografia pelo Cedeplar, centro vinculado à Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Um dos objetivos era estudar migrações – ele queria entender o processo de mobilidade espacial dos refugiados de guerra no país natal.

Como já se deduz, não foi isso que ocorreu. Aprovado em primeiro lugar em concurso para o ICA, em 2007, Helder se estabeleceu no Norte de Minas. Dois anos depois, assumiu a coordenação do curso de administração, com êxito refletido nas ótimas avaliações do MEC e do Enade. Ele conduz disciplinas de diversos cursos, em temas relacionados ao ambiente rural – administração, empreendimentos, desenvolvimento e extensão – e ainda demografia e mercado de trabalho. E, juntamente com estudantes, docentes e técnicos do ICA, desenvolve projetos de extensão em comunidades no campo e bairros urbanos, em que se oferecem assistência técnica, capacitação, assessoria nos empreendimentos das mulheres e se promove a inclusão digital de jovens. 

Convivência com camponeses

A atuação na extensão universitária tem relação direta com a essência das origens de Helder Augusto. “Minha mãe tinha um pedaço de terra, e eu ajudava na horta, na criação de pequenos animais e na produção de arroz, mandioca e batata doce”, conta o professor. Os pais tinham baixa escolaridade, e ele frequentou escolas públicas em Moçambique. “Tive também formação política e me envolvi de alguma forma na guerra civil: pouco antes de sair do país, participei do processo de desarmamento conduzido pela ONU”, relata.

Helder não contém o entusiasmo quando fala do trabalho em campo. “A convivência com camponeses em Moçambique iluminou meu caminho acadêmico e profissional. Na agricultura familiar do Norte de Minas e dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, encontro semelhanças com o que vivi na África, quando penso nas pessoas, no trabalho, nas dificuldades, na relação dos agricultores com o solo”, comenta. Lidar com os agricultores, Helder enfatiza, é um grande aprendizado – não se trata apenas de irradiar tecnologias sociais; a experiência se dá, segundo ele, nos dois sentidos. “Os estudantes compartilham aspectos teóricos e aprendem as práticas. Não há imposição, mas reciprocidade e diálogo. Esse é um dos carros-chefes da atuação do nosso Instituto, o movimento de trazer a comunidade rural aqui para dentro do ICA e também sair da porteira”, diz o professor, que integra o corpo docente do Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território, gerido em conjunto pela UFMG e pela Unimontes, instituição estadual que é vizinha do ICA.

Nos últimos tempos, as preocupações de Helder Augusto se ampliaram, com o investimento na gestão institucional – e ele gostou, como evidencia a disposição para assumir a Unidade pelos próximos quatro anos. “Enfrentamos redução orçamentária, como se sabe, e algumas lacunas estruturais. Estamos cientes das demandas dos professores por mais laboratórios para ensino e pesquisa e da carência de técnicos em todas as áreas”, relata o futuro diretor, revelando que uma das metas principais é avançar no ensino, adotando novas metodologias, com apoio da Faculdade de Educação e outras instâncias da Universidade. “Ações efetivas para a qualificação do ensino, na graduação e pós-graduação, são necessárias”, ele diz. “O crescimento institucional nunca é estático, mas muitos frutos já foram obtidos no ICA. Para entender o Instituto como um lugar, é preciso não só considerar o movimento cotidiano dos membros da comunidade acadêmica e do público externo, mas também enxergar o campus como espaço de vivência, de construção coletiva, experimentação e outras interconexões.”

Conterrâneos orgulhosos

Helder Augusto se refere à UFMG como um alicerce em sua vida e motivo de orgulho para a família e os conterrâneos, que enaltecem a instituição de “renome nacional e internacional”. Leonardo David Tuffi Santos, atual diretor do Instituto de Ciências Agrárias, conhece Helder há 15 anos – eles ingressaram juntos na UFMG e dividiram uma sala – e  exalta a força de trabalho do amigo e sua dedicação constante ao ICA e à UFMG. “Suas origens, sua experiência de vida e seu coração enorme moldam suas ações como pessoa, como docente e como gestor”, elogia.

Helder visitava Moçambique com alguma frequência – a última viagem foi em 2015 por ocasião da morte de seu pai –, mas o aumento dos custos e a pandemia travaram seu ímpeto. Em Beira, cidade litorânea, a segunda maior do país – de onde os visitantes trazem camarão, lula e castanha de caju para amainar sua saudade –, ele tem a mãe, sete irmãos, duas filhas e um filho. No Brasil, ele tem mais um filho homem, de relação mais antiga.

O professor não joga futebol há um bom tempo, sequer por diversão. Mas há algo de que sente muita falta e que quer muito recuperar: a convivência familiar. De seus planos mais importantes faz parte o esforço para encurtar distâncias e trazer seus filhos para o Brasil.