Na palestra de recepção, Ana Lúcia Gazzola alertou sobre as incertezas que os espera, mas lembrou que a Universidade oferece instrumentos para lidar com elas
Os calouros do segundo semestre letivo de 2022, foram recebidos na Universidade com uma conferência da professora emérita Ana Lúcia Almeida Gazzola, reitora da UFMG na gestão 2002-2006. Com o tema 95 anos da UFMG: passado, presente e o futuro que queremos, que integra o ciclo de conferências Futuro, essa palavra, Gazzola falou sobre a responsabilidade que cada um tem de construir, no presente, o futuro que almejamos para nós e para o país. “Ao entrar em uma universidade, vocês estão se tornando senhores e senhoras de seu destino, de sua esperança, de seus projetos de vida. Mas estamos vivendo um momento muito difícil, um momento de radical transformação”, introduziu.
“Hoje, a incerteza é tão grande que não dá para fazer uma previsão linear sobre o futuro. Vocês sabem o que querem, mas o contexto é líquido, é fluido, é mutável. Ter uma profissão hoje não significa que a gente vai ter essa profissão a vida inteira, ou, melhor dizendo, não há segurança de que essa profissão será no futuro como é hoje. O conhecimento está mudando tão rapidamente que, projeta-se, 30% das profissões que existirão em 2030 ainda não existem”, alertou a professora.
“É uma incerteza monumental, e, em face dela, alguém poderia se perguntar: então para que fazer Universidade? Respondo. Porque, se não fizer, a pessoa não vai ter os instrumentos e as ferramentas para enfrentar esse futuro líquido, incerto, imprevisível. O que a Universidade vai lhes dar, vai construir junto com vocês, não é um diploma, apenas, mas são as capacidades e as competências para enfrentar esse mundo em transformação”, disse Ana Lúcia Gazzola. “Se a universidade não fizer isso, vai formar vocês para o passado. Então, cobrem de seus professores, cobrem dos gestores da Universidade que os preparem para o futuro – e uma Universidade como a UFMG olha para o futuro do conhecimento, e não para o passado do conhecimento”, garantiu.
Em defesa da democracia
Antes da palestra de Ana Lúcia Gazzola, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG fez uma manifestação em que expôs cartaz em defesa da educação e criticou o estrangulamento orçamentário imposto às universidades federais nos últimos anos.
Motivada pela intervenção feita pelo DCE, Ana Gazzola fez uma introdução mais informal ao seu discurso, em que lembrou que a ditadura de 1964 deve ser um alerta para o Brasil de 2022. “‘A ditadura’, dizia meu pai, ‘a gente sabe quando começa, mas nunca sabe quando termina’. Portanto, não podemos permitir que a democracia seja atingida e que o futuro seja comprometido”, disse. Gazzola avançou discorrendo sobre como podemos processar essa ideia de futuro, interligando a manifestação estudantil com o tema de sua conferência. “Essa palavra, ‘futuro’, tem de carregar a nossa utopia, o nosso sonho, a nossa esperança: projetar o futuro é um gesto de esperança, mas a esperança depende da democracia”, reiterou. “Não há dúvida de que democracia é algo dificílimo e cheio de problemas e de defeitos. Mas é melhor que qualquer outro regime político, porque nos dá o direito a fazer oposição, enquanto a ditadura nos tira esse direito de opinião e oposição”, disse. “A contenção orçamentária, os cortes brutais estão ameaçando a universidade pública, sim. Nós precisamos dizer isso com todas as letras”, salientou, em outro momento de sua conferência.
Ana Lúcia Gazzola fez questão de demarcar a importância da defesa da democracia. “Defender a democracia é algo que todos devemos fazer: vamos votar, votar conscientemente, votar com a melhor de nossas possibilidades e, fundamentalmente, respeitar a diferença, respeitar o voto do outro e superar esse clima de polarização e de ódio que tomou conta do Brasil”, disse”.
“O Brasil retrocedeu do ponto de vista civilizatório”, ainda destacou a professora. “Hoje algumas pessoas se dão ao direito de agredir quem tem outra religião, quem tem outro credo político, quem tem outra orientação sexual, quem é mulher, indígena, quilombola, afrodescendente, pobre. Como se o mundo fosse dos brancos, dos privilegiados e das elites”, criticou. “Então, quando pensamos em futuro, temos de pensar sobre o presente e, principalmente, lembrar que precisamos, no presente, construir o futuro; porque o futuro não se constrói no futuro, o futuro é o resultado dos processos implementados no presente, então o que nós fizermos hoje – ou deixarmos de fazer – terá impacto no futuro, no nosso e no das gerações posteriores. Pensar no futuro é pensar, sim, na utopia e na esperança, mas é pensar principalmente em responsabilidade”, alertou.
Ana Gazzola ressaltou os desafios enfrentados por todos nos últimos anos, em face da pandemia de covid-19. “No meu caso, tenho quatro comorbidades: sou idosa, obesa, diabética… e covarde. Eu morro de medo da [variante] Ômicron”, disse, fazendo do humor um recurso para introduzir uma defesa enfática do saber científico e das medidas de prevenção, como o uso de máscaras e a vacinação. “A verdade é que ninguém vai estar livre das consequências da pandemia até que todos estejam”, lembrou. “Quando se vê a distribuição desigual das vacinas no mundo, a gente acende o alerta: enquanto todos não estiverem protegidos, ninguém estará”, disse, reiterando que o vírus não respeita fronteiras. “Nós precisamos aprender com as lições dessa pandemia, seja para restaurar o que é possível restaurar de bom, seja para superar o que devemos superar de comportamos ruins, para nos prepararmos melhor para o futuro. Vocês, que estão entrando agora na UFMG, serão os líderes nesses processos, nas próximas décadas”, conclamou.
Lugar do respeito à coletividade
O público da palestra de Ana Lúcia Gazzola foi recepcionado pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida e pelo vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira. A reitora se valeu do encontro para apresentar aos calouros os integrantes da Administração Central, como pró-reitores, diretores e presidentes de fundações, e abordou os principais processos da instituição. “Hoje é um dia muito especial para todos nós. Depois de mais de dois anos de pandemia, esta é a segunda vez que fazemos essa recepção de forma presencial”, comemorou a reitora, dando boas-vindas aos novatos.
Na ocasião, Sandra reiterou a importância das medidas sanitárias de prevenção à covid-19, como a manutenção do uso de máscaras nos espaços fechados da Universidade e informou que, nas próximas semanas, deverá ser instalado um posto de vacinação na Praça de Serviços do campus Pampulha para atender aos alunos que ainda não completaram seu ciclo de vacinas. “A pandemia tem de ser enfrentada de forma colaborativa, nós temos de trabalhar juntos. Eu uso máscara não apenas para me proteger, mas para proteger aquele que está ao meu lado. Eu me vacino porque é importante para mim, mas também para que haja a imunização coletiva”, lembrou. “Aqui, como universidade pública, é o lugar do respeito, do respeito à diferença, do respeito à diversidade, é o lugar da democracia, é o lugar da coletividade.”
[Ewerton Martins Ribeiro]