Busca no site da UFMG




Nº 1438 - Ano 30 - 13.5.2004


O Portinari da fotografia

Dissertação da Fale investiga como texto
e imagem se complementam na obra de Sebastião Salgado

Maurício Guilherme Silva Jr.


uas lentes estão acostumadas a captar o "silêncio" e o "grito" dos desfavorecidos. Ao congelar imagens de rostos marcados pelo tempo, de multidões reunidas em manifestações político-sociais, e de crianças de olhar adulto e compenetrado, Sebastião Salgado revela seu discurso categoricamente antielitista. Além de eleger o povo como personagem principal de sua arte, o fotógrafo retrata, com dignidade e beleza estética, a miséria e a angústia do homem em sua difícil luta pela sobrevivência.

Ao analisar fotografias e legendas feitas por Sebastião Salgado, a professora de Letras Cláudia Ferraresi Campos de Moura interpretou os sentidos do discurso do artista. O trabalho _ que abrangeu a "leitura" de cinco livros de Salgado (Terra, Trabalhadores, Êxodos, Crianças do êxodo e Outras Américas) _ culminou com a dissertação de mestrado da pesquisadora, defendida em abril, junto ao curso de pós-graduação em Estudos Lingüísticos, da Faculdade de Letras (Fale).

Ela partiu de um universo de 900 fotografias e legendas e, ao final, analisou, na dissertação, 45 trabalhos do autor. Neles, Cláudia Ferraresi investigou o discurso do artista, focado na integração imagem/texto. Em cada cena registrada nos álbuns, o fotógrafo redige legendas com informações históricas, jornalísticas ou, até mesmo, poéticas. "Há uma relação lingüística entre foto e legenda. Procurei interpretar, exatamente, essa semântica da obra de Sebastião Salgado", explica a professora.

Em sua pesquisa, Claúdia Ferraresi avaliou as dimensões de expressão e conteúdo do discurso de Sebastião Salgado. A primeira se refere às manifestações concretas da obra (os textos verbais e fotográficos), enquanto a outra diz respeito ao contexto temático em que se insere a foto. Na obra de Sebastião Salgado, a professora selecionou palavras importantes e identificou imagens recorrentes. "O discurso de Sebastião Salgado é híbrido. Ou seja, o texto verbal e o texto fotográfico dependem um do outro para produzir sentido", resume.

Segundo a pesquisadora, fotos e legendas devem ser lidos como elementos complementares na obra de Salgado: "É preciso ler o contexto verbal aliado ao fotográfico. No trabalho, mostro que o discurso é composto, ao mesmo tempo, de palavra e imagem". Em sua pesquisa, Cláudia Ferraresi compara, no campo estético, a obra do fotógrafo à do pintor Cândido Portinari. "Ele também retratou o trabalhador e destaca o povo como personagem importante", diz a professora.

Percursos semânticos

Formado em Economia, Sebastião Salgado viaja pelo mundo à cata de imagens do homem moderno. Preocupado com os problemas sociais do planeta, o fotógrafo fez das "condições de vida" e das "relações de trabalho" os dois percursos semânticos básicos de sua obra. Ele mora em Paris, de onde parte para coletar imagens, desenvolver projetos humanitários e colaborar com organizações não-governamentais de todo o mundo. "Para Sebastião Salgado, é importante que as pessoas vejam o que ele viu. Sua obra é feita para se observar e refletir", conclui a professora.

Dissertação: Relações discursivas entre o plano verbal e o fotográfico em álbuns de Sebastião Salgado
Autora: Cláudia Ferraresi Campos de Moura
Defesa: dia 15 de abril, junto ao curso de pós-graduação em Lingüística, da Faculdade de Letras (Fale)

Foto: Capa do livro Terra, de Sebastião Salgado, uma das obras analisadas pela professora Cláudia Ferraresi

Museu Abílio Barreto abriga mostra do fotógrafo

Para quem quiser conferir o discurso híbrido de Sebastião Salgado, uma boa dica é a exposição montada até o dia 30 de maio, no Museu Histórico Abílio Barreto (avenida Prudente de Morais, 2.002, Cidade Jardim). No mês de abril, o artista esteve em Belo Horizonte para abertura da mostra, intitulada In principio. As fotografias representam uma viagem pelo cotidiano das plantações de café de Minas Gerais, com ênfase na figura dos trabalhadores. Durante a abertura da exposição, Cláudia Ferraresi entregou cópia de sua dissertação ao fotógrafo.